OS SETE CANGACEIROS

Com a morte de Lampião

O cangaço fracassou

Quem não morreu na chacina

Pelo mato se espalhou

Outros bandos se formaram

Pouco a pouco se acabaram

Até que tudo acabou.

Corisco ainda formou

Um grupo mais resistente

Outros em dupla tentaram

Um cangaço independente

Enfim, todos os Estados

Tiveram bandos armados

Porém bem menos potentes.

Foi assim nesse ambiente

Que um grupo que se salvou

Da chacina de Angicos

E no mato se embrenhou

Serra abaixo, serra arriba,

Foi parar na Paraíba

E um bando se formou.

O sertão se transformou

Com esse bando desordeiro

Que espalhou o terror

De Patos até Monteiro

Esse grupo de bandido

Logo ficou conhecido

Como OS SETE CANGACEIROS.

Esse grupo desordeiro

Todos tinham medo deles

A polícia procurava

Para dar um jeito neles

Que assaltavam o dia inteiro

E ali todo fazendeiro

Já foi roubado por eles.

Mão de Ferro, o chefe deles

Também tinha Pé Furado

Cobra Verde, Come Cru

Pinga Fogo, João Errado

E completando o permeio

O sétimo era Doido e Meio

Tá o bando nomeado.

Esse bando era malvado

Bandidos de profissão

Com astúcia e quengadas

Viviam pelo sertão

Só desordens praticando

Roubando gente e matando

Todos de armas na mão.

Fazendo tapeação

Mão de Ferro ordenava

Um capanga disfarçado

De mendigo que chegava

Demonstrando sofrimento

Pedia algum alimento

Nas casas onde chegava.

O da casa descuidava

Ele ficava a anotar

O que via pelas casas

Para ao chefe contar

O que ia encontrando

Para voltar com o bando

E a dita casa roubar.

Mas agora eu vou falar

De um pequeno fazendeiro

Com mais de quarenta anos

E ainda era solteiro

Não por ser desajeitado

Mas por não ter encontrado

Um amor fiel, verdadeiro.

Mesmo sendo fazendeiro

Ele tinha pouco gado

E ele mesmo era o vaqueiro

Dava voltas no cercado

Pasto e gado vigiava

E quando tempo sobrava

Trabalhava no roçado.

Por Aprígio era chamado

Forte e robusto de mais

E mais adiante morava

Um velho chamado Braz

Casado com Dona Hortência

Três filhas na dependência

Vivendo na santa paz.

As filhas do velho Braz

Rosa, Gercina e Maria

As três eram tão bonitas

Como o sol do meio dia

Todas de maioridade

Com religiosidade

Na paz da santa harmonia.

Aprígio sempre dizia:

- O tempo passa ligeiro

Moça nova não me quer

A não ser por meu dinheiro

Mas eu vou no velho Braz

Vê se o destino me traz

Um casamento ligeiro.

E pediu ao fazendeiro

A Gercina em casamento

Houve uma reunião

Braz deu o consentimento

Perante o povo presente

E Aprígio voltou contente

Sorrindo até com o vento.

Três meses e o casamento

De Aprígio com Gercina

Foi notícia de destaque

Chegou até gente fina

De Patos e região

Chamada em todo sertão

Como pessoa granfina.

Assim mudou-se Gercina

Pra sua nova morada

Ao lado de seu Aprígio

Pessoa conceituada

Que dividiu sua vida

Com sua esposa querida

Ali não faltava nada.

Aprígio via a amada

Como uma jóia bem fina

Tinha-lhe uma amizade

Cem por cento genuina

Por onde eles passavam

Muitas mulheres ficavam

Com inveja de Gercina.

Duas vidas em uma sina

Como bem diz o ditado

Eram queridos por todos

E o pobre necessitado

Se acaso ali chegasse

Pedindo que o ajudasse

Voltava reconfortado.

Nesse lar abençoado

Visita nunca faltava

Por todos eram queridos

Um trazia outro levava

Tinha ajuda dividida

Roupa, remédio e comida.

E tudo se arranjava.

Somente um filho faltava

E Gercina engravidou

Aprígio dava pinotes

De tão feliz que ficou

E se cumprindo o destino

Nasceu um belo menino

E Joãozinho se chamou.

A criança se criou

Forte, bonito, inocente

O pai sorrindo alegre

E a mãe muito contente

Até se verem envolvidos

Com aqueles sete bandidos

Que vinham matando gente.

Assim chegou um indigente

Sem consciência e sem nome

Roto, sujo e parecendo

Que há três dias não come

Com a boca aberta e chorando

Um alimento implorando

Quase morrendo de fome.

Era Cobra Verde o homem

Gercina veio em seguida

Perguntou-lhe o que queria

O cabra com voz sumida

Mostrando grande agonia

Disse: - Senhora eu queria

Um restinho de comida.

A mulher compadecida

Deu-lhe uma penca de banana

Dizendo: - Vá mastigando

Enquanto a fome engana

Pois aqui não falta pão;

Em termos de gratidão

A humildade é soberana.

Ele pegou as bananas

Ela se distanciou

Ele saiu se esquivando

E na camarinha entrou

Notando tudo que via

Depois por onde saía

E num armário se ocultou.

Depois Gercina chamou

- Meu senhor, venha pra cá!

Como ele não respondeu

Saiu levando até lá

Um prato bem preparado

Feijão, arroz, bode assado

Suco de maracujá.

E o bandido a se ocultar

Consigo mesmo pensava

Que a meia noite em ponto

A turma toda chegava

Mão de Ferro no comando

Abria a porta e o bando

A casa toda assaltava.

Enquanto a mulher pensava:

- Nem esperou pra comer,

Levou somente as bananas...

Ficou sem compreender

Resignada voltou

Guardou o prato e cuidou

No que tinha pra fazer.

O marido a se entreter

Pelo mato a procurar

Uma vaca de bezerro

Perdida num patamar

Pelo mato cavalgando

Sua vaca procurando

Não viu a noite chegar.

Na casa para assaltar

O bando inteiro chegou

Cobra Verde fez barulho

Gercina se levantou

Viu o bando aparecer

Porém não pôde correr

Que o bandido não deixou.

Cobra Verde a obrigou

Abrir para o bando entrar

O bandido em suas costas

Com um punhal a cutucar

Pensou no filho querido

A casa cheia de bandido

Sem o marido chegar.

Disse o chefe ao lhe falar:

- Eu quero ser seu amigo

Vou levar todo dinheiro

Que tiver no seu abrigo

Eu não lhe fiz nada ainda

Mas como você é linda

Eu vou levá-la comigo.

Dinheiro e qualquer artigo

Pegaram sem ter demora

E o negro disse a Gercina:

- Querida, vamos embora

Já se despeça dos seus,

Gercina pensou em Deus

Que lhe atendeu na hora.

Ela disse sem demora

Eu quero ir com vocês

Mão de ferro confiou

Sorriu e nada mais fez

Não pegou mais no seu pé

Mas no quengo da mulher

O diabo perdeu a vez.

Gercina com rapidez

Apagou o candeeiro

Saltou do quarto pra fora

Fechou a porta ligeiro

Ganhando tempo e espaço

Botou o filho no braço

E sumiu no marmeleiro.

Correu sem ter paradeiro

Chegou na casa dos pais

Bateu na porta com força

Acordou o velho Braz

Caiu na porta sentada

Com o filhinho abraçada

E sem poder falar mais.

A turma do velho Braz

Quando ouviu o ocorrido

Disse: - Vamos resolver

Quero todos bem munidos

De fuzil, rifle blindado,

Foice, facão e machado,

Vamos pegar os bandidos!

Braz num cavalo nutrido

Com os filhos foi na frente

Dizendo: - Quero mostrar

Que sou macho e sou valente

Vamos vencer o inimigo

Vou convidar meus amigos

Pra beber sangue de gente.

Quem encontrou pela frente

Foi chamando sem demora

Chegando lá avistou

Aprígio ao lado de hora

Que demorou no cercado

Tinha encontrado o seu gado

E chegava àquela hora.

Se esquivou sem demora

E entrou pela cozinha

Agarrou um rifle velho

Que há muitos anos tinha

Chamou os seus companheiros

E atrás dos cangaceiros

Saiu com toda murrinha..

O velho Braz também vinha

De cacete e de peixeira

O velho sempre foi bamba

No punhal e na rasteira

Quando queria fazer arte

Com tiros de bacamarte

Matava por brincadeira.

Numa grande quixabeira

Aprígio muito sagaz

Com o rifle em pontaria

Gritou para o velho Braz:

- Atirem para matar

Vamos o cerco fechar

Ladrão aqui nunca mais.

No meio dos carrascais

O grupo todo atirou

Pé Furado fez carreira

Cobra Verde se ocultou

No meio do esperneio

Se ouve a voz de Doido e Meio:

- A munição acabou!

O velho Braz embicou

Veloz e muito sagaz

E agarrou Pinga Fogo

Meteu-lhe o punhal voraz

Afoito, cheio de ginga

Dizendo: - Você não pinga

Agora nem nunca mais!

Ainda disse o velho Braz:

- O meu punhal é lombado

Pé Furado, eu não te furo

Que você já é furado!

Pegou o cabra de jeito

Meteu-lhe o punhal no peito

Que saiu do outro lado.

Cobra Verde agoniado

Com os outros em agonia

Disse: - O Diabo é quem espera!

Se eu ficar o cancão pia!

Não me arrisco nem me aflijo!

E correu pra onde Aprígio

Já fazia pontaria.

Aprígio disse: - Hoje é dia

Que a coisa aqui esquenta

Atirou, mas quase errava

Consigo mesmo comenta:

- Quase falhava com ele!

Atirei na boca dele

E a bala pegou na venta!

João Errado disse: - Aguenta

Quem quiser morrer agora!

O velho Braz foi chegando

Meteu bala sem demora

João Errado ficou tonto

Cambaleou, caiu pronto

Botando a língua de fora.

Ladrão dizia: - E agora

Aqui ninguém nos ampara!

Quebraram a porta do quarto

Mostrando ter força rara

Abriram a porta e saíram

E ao mesmo tempo cairam

Levando bala na cara.

O velho Braz se ampara

Lá no mourão do cerrado

E gritou pra cada filho

Ficar bem entrincheirado

E disse: - O bem venceu

E hoje esse rifle meu

Com sangue será lavado!

Come Cru, já desarmado,

Ficou num canto encolhido

Querendo escapulir

Mas logo se viu perdido

Vendo o povo aparecer

Aprígio disse: - Você

Hoje vai comer cozido!

Deu um tiro no bandido

Que a cabeça esbagaçou

O velho Braz gritou: - Pronto!

O seu comer cozinhou!

Acabou-se o sururu

Você não vai comer cru

Pois a comida esfriou!

Doido e Meio então gritou:

Eu sou igualmente o trem

Com um facão afiado

Nunca temí a ninguém

Mexeu comigo morreu!

Aprigio lhe respondeu:

- Mas eu sou doido também!

Então Mão de Ferro vem

Pra cima do velho Braz

Aprígio atrás de uma pedra

Boa pontaria faz

Atirou em Mão de Ferro

Que caiu num grande berro

E o chumbo saiu atrás.

Bandidos não tinham mais

Deram com a cara no pó

Cavaram uma grande cova

Sem ter compaixão nem dó

Em um grande risadeiro

Pra enterrar os cangaceiros

Todos numa cova só.

Não deu nenhum quiprocó

Na hora da vistoria

Quando a polícia chegou

O sangue ainda corria

Corpos foram liberados

E ficou logo provado

Que Aprígio tinha valia.

Pouco depois chegaria

Gercina morta de medo

Com o menino nos braços

E ele chupando o dedo

Ela ainda não sabia

Que aquela briga teria

Se acabado logo cedo.

E deu com cara de medo

Um abraço no marido

Viu que de sua família

Ninguém havia morrido

Com um sentimento profundo

Contou para todo mundo

O medo que tinha tido.

Aprígio havia decidido

- Nunca mais quero lutar

Sou manso, três vezes manso

Mas se a coisa esquentar

E alguém me considera

Aí eu viro uma fera

Minha vontade é matar!

Cangaceiros no lugar

Onde isso aconteceu

Foi varrido da história

Nunca mais apareceu

Se houveram entreveros

Envolvendo cangaceiros

A polícia resolveu.

Tudo isso aconteceu

Com a morte de Lampião

Um grande herói nordestino

Que outros chamaram vilão

Se o assunto é controverso

Eu descrevi com meus versos

Mais um causo do sertão.

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 07/11/2021
Código do texto: T7380803
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