DESVENTURAS DE UM CACHORRO
Moderno era um cachorro
Que pertencia a Astécia
Esta sendo proprietária
D'uma clínica de Estética
No condomínio que vivia
A segurança era frenética.
Moderno tinha uma área
Enorme a sua disposição
Delimitada por um muro
Que circundava o casarão
Lá era muito mais seguro
Do que uma forte prisão.
Astécia sempre que podia
Dava banho em Moderno
Assistiam televisão juntos
Fazia dele filho materno
Serva q’era a empregado
À Moderno era subalterno.
Serva servia os dois
Já há bastante tempo
Limpava e cozinhava
Realizava passeamento
Com o Cão da patroa
Na praça São Bento.
Sempre que ela levava o cão
Para passear na Praça
Preso moderno ficava
Com as orelhas baixa
Enquanto via sua estirpe
Na antípoda da desgraça.
Astécia nunca deixou Moderno
Brincar com outros cachorros
Por ter muito medo dele ficar
Com seu corpo todo purgoso
Constantemente dizia a Serva
“Não solte na rua, é perigoso.”
Mas na mansão ele vivia solto
Corria com os de outras raças
Quando as amigas de Astécia
Traziam a sua cachorrada
Uns enfeitados com joias
E outros com joia rara.
Astécia garantia que Moderno
Comesse do bom e do melhor
E dormisse na melhor cama
Muito grande prum dog só
Importada daquele país
Que foi a terra dos faráos.
O valor que Astécia gastava
Com o seu cachorro num mês
Equivalia ao salário de Serva
Só que multiplicado por três
Esse gasto exorbitante
Alegrava a dona de vez.
Só que o luxo do cão deu folga
Bem numa noite de lua nova
Serva levou ele para passear
Até que ela pisou em bosta
Sem sabe que isso indicava
O presságio da pior hora.
Segurando a coleira ela guiou
Moderno para um passeio
À noite na praça Santo Bento
La andaram em saracoteio
Até que um som se fez ouvir
Parecia um grande tiroteio.
Luzes vermelhas surgiram no céu
Eram fogos de artifício
Moderno ficou agitado
Começou a emitir latidos
Se livrou da tirania de Serva
E Correu a esmo com bulício.
Serva gritava o nome do cão
Moderno sumira na esquina
Serva correu e dobrou a rua
Mas só via à frente neblina
A empregada chamava ele
Mas só ouvia a surdina.
Ela deu uma volta nos quarteirões
Sem sucesso em achar o cão
Foi até a patroa muito aflita
Estava em cinzas seu coração:
Disse pra Astécia: Moderno fugiu
Sofreu o contrário da aparição.
Serva contava os detalhes
Enquanto Astécia comia doce
Terminado a narrativa
A patroa olhou-lhe atroce
Disse: Você está demitida
Incompetente tu fosse!
Em prantos Serva insistia pra ficar
Pedindo mil desculpas
Inflexível Astécia dizia
“Suma daqui com as coisas suas
Perdi minha joia rara
Por irresponsabilidade tua.”
Pelas redondezas da Sé
Agitado Moderno passeava
Ele via travecos e mendigos
Perambulando na noitada
Jornais voando pelas ruas
A esmo pela madrugada.
Moderno sentiu uma mão
Afagando a sua pelugem
Era um velho desarrumado
Tinha a pele igual ferrugem
Levava um carrin de compras
E andava com lassitude.
Afagando Moderno ele disse
“A noite não é dos imaturos
Se você continuar sozinho
Terá um triste fim prematuro
As obras mais assustadoras
Vem do homem vil e bruto.
Ele amarra a coleira no carrin
E segue até a estação da Sé
Lá o cenário é de guerra
Lixo, pobres homens e muié
Espalhados por toda praça
Uns deitados e outros de pé.
O Mendigo se aconchega
Diante de uma bela loja
Estende um lençol no chão
Moderno se deita na hora
Ganha um pedaço de pão
Mas nem se quer dá bola.
Antes dos seus olhos abrir
As orelhas estão levantadas
Atiçadas pelo barulho
Causada pelo guarda
Que expulsa o mendigo
Com gritos da calçada.
Moderno só faz latir
Vendo o conflito inteiro
O mendigo leva chutes
Sai correndo em devaneio
Dá a volta e pega o carrin
Levando o cão pelo esmo.
Os dois passaram o dia
Catando objetos reciclados
As vezes Moderno latia
Com sede, fome e cansado
Tudo que o mendigo comia
Com Moderno era partilhado.
Com o dinheiro que o Mendigo
Lucrou na sua labuta do dia
Compartilhou com Moderno
A marmita não muito fria
Voltaram pru mesmo lugar
onde outros irmãos ali haviam.
Dois cães dos outros mendigos
Se aproximaram de Moderno
Um cheirou o focin do outro
Num tríplice gesto fraterno
Moderno subiu numa cadela
Anel e dedo fizeram um alo.
Moderno acordou de madrugada
Com os latidos dos seus amigos
Todos os cães olhavam
Para a provável fonte do perigo
Eram três homens vindos
Na direção dos mendigos.
O que um deles segurava
Parecia um taco de baseball
Outro levava uma garrafa
Com Muitíssimo pinho sol
O terceiro piscara um isqueiro
Que emitia luz da cor do sol.
Os cachorros latem muito alto
E isso dar fim ao sono
D’alguns mendigos que desperta
Na madrugada de outono
Os três homens dão meia volta
desistindo do sombrio prono.
A dupla fez a mesma jornada
Logo após o amanhecer
Moderno brigou com um cão
com instinto mandou a ver
ganhou e subiu na fêmea
tendo momento de prazer.
Pena que o mendigo não obteve
O dinheiro suficiente
Para calar a sua barriga
E sujar o buraco do dente
Eles foram para a estação
Onde passava muita gente.
Moderno encoleirado
Ficava preso ao carrinho
Vendo o mendigo humildemente
Pedir um dinheirinho
A toda pessoa que passava
Poucos dava um trocadinho.
A merreca que ele conseguiu
Foi o mesmo do que nada
Porque não foi suficiente
Para a comida necessária
Pr’amenizar a intensa fome
Que nos dois só aumentava.
Outros mendigos vos ajudaram
Deu-lhes sopas de osso de carne
Os dois comeram gulosamente
Mas ali não parou o combate
Contra a fome que assola
Miseráveis por toda a parte.
Moderno já tinha visto de tudo
Cachorro morrendo envenenado
Briga com gente sendo morta
Corpo vivo sendo incinerado
Em oposição a sua outra vida
Era esse mundo muito pesado.
Moderno estava mais magro
Latia sempre que via o mendigo
Sendo agredido ou desrespeitado
Num meio termo ofendido
Era como se mexer com ele
Também mexesse consigo.
Certa vez um delinquente
Veio pra cima do cachorro
O mendigo tentou protegê-lo
Caiu após levar um soco
Moderno encarnou um Leão
E deixou o vândalo coxo.
Os dois estavam na praça da Sé
Próximo da fonte da igreja
Moderno estando amarrado
Bem de repente ele fareja
Um cheiro que lhe é familiar
Corre causando uma peleja.
Porque no seu ímpeto bruto
Ele arrasta veloz o carrinho
Derrubando com violência
No chão um senhorzinho
O nó da coleira se solta
Moderno segue o caminho.
O mendigo até tentou
Mas não alcançou ele
Moderno entrou na estação
Achou a ex-cuidadora dele
Era Serva em carne e osso
Que pôs outra coleira nele.
Ela levou Moderno para Astécia
Deixando esta muito feliz
Seva aproveitou a oportunidade
Pra tentar curar a cicatriz
Causada pela a sua demissão
Que a deixou muito infeliz.
Astécia não aceitou o pedido
Deu-lhe recompensa barata
Disse-lhe: “estou muita satisfeita
Com a minha nova empregada”
Serva foi embora cabisbaixa
Sem dizer uma palavra.
Quando Astécia foi leva-lo
Para um petshop da cidade
Moderno não queria sair
Demonstrando habilidade
Em latir e balançar o rabo
E correndo por toda parte.
A empregada disse para Astécia:
“Dona ele parece meu cachorro
Que um dia fugiu de casa
E voltou sem pelo nos coro
Morreu sem ver a luz sol
De sair ficou com nojo.”
Santo André, 6 de Novembro de 2021