A FESTA DO GALO MANCO

Houve um tempo que os bichos

Eram mais inteligentes

Todos animais falavam

Em idiomas diferentes

Mas a todos entendiam

Só um não compreendiam:

Era o idioma de gente.

Tinha bicho presidente,

Tinha reinado e nação,

De ministério a senado,

Só não tinha corrupção.

Toda função exercida

Uma era a mais conhecida:

A do sempre rei leão.

O lobo era capitão

A girafa era intendente

Tamanduá era padre

O porco-espinho tenente

Urso, juiz de direito,

Rinoceronte prefeito

E tigre era presidente.

Jacaré extraía dente

O morcego era barbeiro

O avestruz alfaiate

O pica-pau carpinteiro,

Urubu era marchante

A zebra, grande tratante

E o guaxinim, cozinheiro.

O castor era pedreiro

A coruja era profeta

O cisne era um amante

O rouxinol um poeta,

Formiga era agricultora

A cigarra era cantora,

Canguru era pateta.

Sabiá na discoteca

Foi primeiro sem segundo

Hiena, um sujo coveiro,

Tatu era vagabundo

Barata sabia ler

E rato queria ser

O reformador do mundo.

Um sentimento profundo

Unia os animais

Mas havia divisão

Em termos proporcionais

No trabalho e vadiagem,

O doméstico e o selvagem

Eram mundos desiguais.

No reino dos animais

O doméstico trabalhava

O selvagem perseguia

Se pudesse estraçalhava

Era uma eterna disputa

E quando havia uma luta

Sempre o selvagem ganhava.

O bicho homem criava

Animais de estimação

Uns só pela companhia,

Outros para diversão

Mas a grande maioria

Virava mercadoria

E lucro para o patrão.

Dos bichos de criação

Mestre burro era dotor,

Boi era juiz de paz,

O pato era professor,

O cachorro, delegado,

O carneiro era soldado

E o jumento, coletor.

O gato era cobrador

O bode era um almirante

Papagaio era carteiro,

O cavalo um viajante

O vaca era leiteira,

A cabra, namoradeira

E o touro, negociante.

Nas terras de um sitiante

Houve um fato inusitado:

Deu gogo no galinheiro

Foi morte pra todo lado

As aves que ali continha,

Pato, peru e galinha,

Morreu ou ficou gripado.

Somente um pinto pelado

Conseguiu sobreviver

Porque morava debaixo

De um pé de mussambê,

Sendo uma ave enjeitada

Era uma velha criada

Que lhe dava de comer.

E vendo as aves morrer

Levou o pinto enjeitado

Pra dentro de sua casa

E o bichinho animado

Parece que agradecia,

Pois tudo que ela fazia

O pinto tava de lado.

Um entrevero passado

Por descuido ou distração,

Quando ela pilava milho

Caiu a mão de pilão,

Sem poder fazer mais nada

Viu a perninha esmagada

Do pinto de estimação.

Fez emplastro de algodão

Mastruz e terebentina

Porém nada adiantava

Era grande a fedentina

Sem nada mais a fazer

Larga o pinto pra morrer

Entregue à sua própria sina.

Com aquela carnificina

Lhe preparando a passagem

Ele faz uma promessa

Cheio de fé e coragem:

Se curasse sua perna

Ia fazer uma baderna

Na casa grande selvagem.

Como um milagre ou miragem

Na manhã do outro dia

Sua perna estraçalhada

Não sangrava nem doía,

Com emplastro de jitirana,

Dentro de uma semana

O pinto convalescia.

Com uma centena de dia

O pinto ficou sarado

Tornou-se um galo taludo

Mesmo com um pé aleijado.

Com a promessa na lembrança,

Pra fazer a tal festança

Já tinha um plano traçado.

Com um matulão de lado

Começou a travessia

Levando fogos e velas

E muita comidoria,

Só algo o preocupava:

Como será que enfrentava

As feras que lá havia?

Já quase no fim dia

Encontrou um velho pato

Que indagou-lhe o destino

E ele narrou-lhe o fato:

O acidente, o prometido

E agora, decidido

Iria cumprir o trato.

Aquilo animou o pato

A ir também pro festeiro

Depois um bode, um jumento,

Um peru mais um carneiro

E um gato na comitiva

Seguiram a rota festiva

Junto com o rei do terreiro.

E seguiram no roteiro

Das feras que, reunidas,

Estavam na grande casa

Que era lugar de dormida

Das fêmeas amojadas,

Prenhes, doentes, cansadas,

E até de feras feridas.

Com a maciez devida

Foi o gato observar

O que elas tavam fazendo,

Viu as feras a fiar,

Voltou pra reunião

Preparar a execução

Para a festa começar.

O carneiro a se afastar

Quebrou a porta com a testa

Foi fera pra todo lado

Correndo feito a mulesta

Parece até que eu tou vendo,

Inda tem fera correndo

Perdida pela floresta.

Fizeram uma grande festa

Com fogos de artifício,

Dança, comida, bebida,

Sem sobroço, sem enguiço,

O galo manco feliz

Fez tudo como ele quis

Sem o menor sacrifício.

No outro dia um ouriço

Veio dar uma espiada

O pato estava na porta

E a fera foi convidada

Entrou, mas no aperreio

Ganhou na porta do meio

Do carneiro uma marrada.

Bode deu-lhe uma chifrada

Que deixou-lhe arrebentado

O gato meteu-lhe a unha

E ele desesperado

Pulou pela porta e foi-se

Mas antes levou um coice

Do jumento no outro lado.

Peru na cerca trepado

Disse aos outros -Deixa disto!

O galo na cumeeira

Gritou lá - Parem com isto!

E a pobre fera assombrada

Entrou na mata fechada

Nunca mais pôde ser visto.

Eu deixo aqui o registro

Dessa fábula engraçada

Que aprendi ainda criança

Pela minha mãe contada

Quando ainda se respeitava

E criança acreditava

Em Papai Noel e fada.

Lobisomem nas estradas

As vezes inda se ver

Camuflado, é bem verdade,

E sem muito a se temer.

Resta apenas o cuidado

De ser um lobo veado

Atrás de pegar você!

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 05/11/2021
Código do texto: T7379241
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