O jegue misterioso (reedição)
Todo dia de noitinha
nas banda de Jaicó,
se assunta a ladainha
do coveiro, Seu Jacó,
arrelatando um gemido,
tão triste, tão dilurido,
que inté o diabo tem dó.
__"É coisa de dá arrepio
na alma de um cristão.
O cabra morre de frio
mesmo no alto verão.
Molha as calça de suó
ou uma coisa mais pió,
bota peso no calção."
__"É pió que assombração
quande a lua tá minguante,
mais pió de que sermão
de pade muito falante;
e mais pió, meu amigo,
de que fleimão no imbigo
e chifre de mau amante."
Dá seguimento na estória
cum sua fala de coveiro:
__"Dou a mão à palmatória
dou cem conto em dinheiro,
prá qualqué cabra da peste
de norte a sul, leste a oeste,
que quizé sê o primeiro
cabra macho e distemido,
que em noite de pouca lua,
quande sol tivé sumido,
nenhum vivente na rua,
entrá nesse cemitério
e discobrí o mistério,
e cuma é que ele atua."
Em não havendo resposta,
levantei minha valentia:
__Tá aceita a sua aposta,
pois marque a hora e o dia
que este cabra que vos fala
vai tá de cuia e de mala
junto a Vossa Senhoria.
E declinei o meu nome
que é pra niguém duvidá,
acrescido o sobre-nome:
__Herculano de Alencá.
Parido de Margarida,
minha mãe, a mais querida,
que alguém jamais pôde amá.
Por pai, o Seu Segisnando
que atende por véio Sisa,
que ainda tá no comando
ajudando a quem precisa.
Logo ao sê aposentado,
me enviou um recado,
que tá vivendo de brisa.
Dia e hora marcada,
cuma é dos compromisso,
metí os pé na estrada,
discreto e sem rebuliço;
cheguei inda madrugada
cas roupa toda suada,
benzida por padin Ciço.
Me apresentei pro coveiro:
__Seu Jacó ói eu aqui!
Vá preparando o dinheiro,
pois cabra do Piauí
num foge de lobisome,
nem é de passá vexame
pro mode dalgum Saci.
O coveiro deu risada
com seu dente de marfim!
sua bôca escancarada
tinha um bafo ruím,
que até já era assunto:
"seu Jacó come defunto
como quem come pudim."
Marchemo pro cimitério,
Jacó na frente, eu atrás.
Ele cuspindo impropério,
maldizia o satanás
e a mula sem cabeça,
e tudo o mais que pareça
com os vivente infernais.
Era quase luz da lua
quande chegamo ao destino;
poucos vivente na rua:
dois cachorro e um felino.
Atravessemo o portão,
foi quande o meu coração
reclamou dos intestino.
Um vento frio de morte
bateu por riba de mim,
vindo do sul para o norte
cortando os mói de capim.
Me arrepiô os cabelo
e todo o resto dos pêlo,
inté as pedra do rim.
Foi quande ouví um grunido
cortando as iscuridão,
mais forte do que um latido,
mais fraco do que um truvão,
de fazê borrá as calça,
dançá frevo que nem valsa
e valsa que nem baião.
Procurei por Seu jacó,
que bateu em retirada,
que nem cachorro cotó
dispois da calda cortada.
Do danado do coveiro,
nunca mais sentí o cheiro
e nem ouvi a risada.
E me largô lá sozinho
em completa solidão,
rodeado de vizinho
habitante de caixão.
Se pego o cabra da peste,
vai sê mais um cafegeste
que ia perdê os cunhão.
Mas cabra do Piauí
num intrega a rapadura,
é de matá sucurí
e amostrá as dentadura.
Vou cumprí meu desafio,
desde o fio ao pavío,
num vai sobrá sepultura.
E assim foi dito e foi feito:
seguindo a intuição,
afinquei o pé direito
e botei o ó na mão,
só pra mantê garantia,
que com tanta valentia
num iria obrá no chão.
Me embrenhei pela a mata
sempre de orêia em pé.
Ouvi zuada de pata
de bicho de quatro pé.
por detrás de um arbusto.
Refeito, dispois do susto,
fui expiá o que é.
Me acredite meu cumpade,
num sô cabra de invenção.
Já vi batina de pade
correndo de assombração.
Mas eu nunca ví na vida,
visage tão parecida
com sacanage do cão.
Era um jegue adurmecido,
que tirava uma soneca
do lado dum falecido,
cunhecido por Seu Zeca;
O Seu Zeca do jumento,
cabôco tão avarento,
que num dobrava munheca.
Foi a chave do mistério
do coveiro lazarento!
Quem leva o cordel a sério
nem precisa documento:
O gemido doloroso,
do causo misterioso,
era o ronco dum jumento!
Ratifica o padre bento
das estórias de Trancoso.
Todo dia de noitinha
nas banda de Jaicó,
se assunta a ladainha
do coveiro, Seu Jacó,
arrelatando um gemido,
tão triste, tão dilurido,
que inté o diabo tem dó.
__"É coisa de dá arrepio
na alma de um cristão.
O cabra morre de frio
mesmo no alto verão.
Molha as calça de suó
ou uma coisa mais pió,
bota peso no calção."
__"É pió que assombração
quande a lua tá minguante,
mais pió de que sermão
de pade muito falante;
e mais pió, meu amigo,
de que fleimão no imbigo
e chifre de mau amante."
Dá seguimento na estória
cum sua fala de coveiro:
__"Dou a mão à palmatória
dou cem conto em dinheiro,
prá qualqué cabra da peste
de norte a sul, leste a oeste,
que quizé sê o primeiro
cabra macho e distemido,
que em noite de pouca lua,
quande sol tivé sumido,
nenhum vivente na rua,
entrá nesse cemitério
e discobrí o mistério,
e cuma é que ele atua."
Em não havendo resposta,
levantei minha valentia:
__Tá aceita a sua aposta,
pois marque a hora e o dia
que este cabra que vos fala
vai tá de cuia e de mala
junto a Vossa Senhoria.
E declinei o meu nome
que é pra niguém duvidá,
acrescido o sobre-nome:
__Herculano de Alencá.
Parido de Margarida,
minha mãe, a mais querida,
que alguém jamais pôde amá.
Por pai, o Seu Segisnando
que atende por véio Sisa,
que ainda tá no comando
ajudando a quem precisa.
Logo ao sê aposentado,
me enviou um recado,
que tá vivendo de brisa.
Dia e hora marcada,
cuma é dos compromisso,
metí os pé na estrada,
discreto e sem rebuliço;
cheguei inda madrugada
cas roupa toda suada,
benzida por padin Ciço.
Me apresentei pro coveiro:
__Seu Jacó ói eu aqui!
Vá preparando o dinheiro,
pois cabra do Piauí
num foge de lobisome,
nem é de passá vexame
pro mode dalgum Saci.
O coveiro deu risada
com seu dente de marfim!
sua bôca escancarada
tinha um bafo ruím,
que até já era assunto:
"seu Jacó come defunto
como quem come pudim."
Marchemo pro cimitério,
Jacó na frente, eu atrás.
Ele cuspindo impropério,
maldizia o satanás
e a mula sem cabeça,
e tudo o mais que pareça
com os vivente infernais.
Era quase luz da lua
quande chegamo ao destino;
poucos vivente na rua:
dois cachorro e um felino.
Atravessemo o portão,
foi quande o meu coração
reclamou dos intestino.
Um vento frio de morte
bateu por riba de mim,
vindo do sul para o norte
cortando os mói de capim.
Me arrepiô os cabelo
e todo o resto dos pêlo,
inté as pedra do rim.
Foi quande ouví um grunido
cortando as iscuridão,
mais forte do que um latido,
mais fraco do que um truvão,
de fazê borrá as calça,
dançá frevo que nem valsa
e valsa que nem baião.
Procurei por Seu jacó,
que bateu em retirada,
que nem cachorro cotó
dispois da calda cortada.
Do danado do coveiro,
nunca mais sentí o cheiro
e nem ouvi a risada.
E me largô lá sozinho
em completa solidão,
rodeado de vizinho
habitante de caixão.
Se pego o cabra da peste,
vai sê mais um cafegeste
que ia perdê os cunhão.
Mas cabra do Piauí
num intrega a rapadura,
é de matá sucurí
e amostrá as dentadura.
Vou cumprí meu desafio,
desde o fio ao pavío,
num vai sobrá sepultura.
E assim foi dito e foi feito:
seguindo a intuição,
afinquei o pé direito
e botei o ó na mão,
só pra mantê garantia,
que com tanta valentia
num iria obrá no chão.
Me embrenhei pela a mata
sempre de orêia em pé.
Ouvi zuada de pata
de bicho de quatro pé.
por detrás de um arbusto.
Refeito, dispois do susto,
fui expiá o que é.
Me acredite meu cumpade,
num sô cabra de invenção.
Já vi batina de pade
correndo de assombração.
Mas eu nunca ví na vida,
visage tão parecida
com sacanage do cão.
Era um jegue adurmecido,
que tirava uma soneca
do lado dum falecido,
cunhecido por Seu Zeca;
O Seu Zeca do jumento,
cabôco tão avarento,
que num dobrava munheca.
Foi a chave do mistério
do coveiro lazarento!
Quem leva o cordel a sério
nem precisa documento:
O gemido doloroso,
do causo misterioso,
era o ronco dum jumento!
Ratifica o padre bento
das estórias de Trancoso.