NÃO HÁ TEMPO PARA LUTO, SÓ HÀ TEMPO PARA LUTA
JOEL MARINHO
 
Houve um tempo diferente
Que se chorava ao defunto
Quando fazia a mudança
Pra cidade do pé junto
A viúva enlutava
Por trinta dias chorava
Ao se tocar no assunto.
 
E havia no velório
Mingau, bolacha e café
Cachaça a quem bebia
E reza a quem tinha fé
Carne de porco e galinha
Peru, pato e farinha
E oração a Javé.
 
Era o caixão produzido
Por quem era carpinteiro
Com bancada improvisada
Ali mesmo no terreiro
De vez em quando a viúva
Limpava o rosto com as luvas
Depois de mais um berreiro.
 
Alguns contavam piadas
Para espantar o choro
“Rasga mortalha” passava
Com o seu grito de agouro
Ao ouvir galo cantava
E a todos acordava
Devolvendo o desaforo.
 
Então na manhã seguinte
Antes do grande enterro
Tinha uma reza de praxe
Com o povo no terreiro
Na hora da despedida
Toda a família sentida
Abriam grande berreiro.
 
A viúva desmaiava
E lá vinha um calmante
Diga-se água com açúcar
Acalmava num instante
Ninguém tomava remédio
Nem mesmo no maior tédio
Dos momentos delirantes.
 
Atrelado a uma vara
Iam o caixão levando
Um na frente e outro atrás
E sempre se revezando
Naquele “passo da garça”
Um carregava a cachaça
E aos outros ia gritando.
 
Na hora de enterrar
Era aquela gritaria
Um dizia eu vou contigo,
Mas se na cova cai
Gritava mais que cachorro
Na chuva pedindo socorro
Se levantava e saia.
 
Depois voltavam pra casa
Para começar o luto
E então durante um ano
Um silêncio “absoluto”
E para a alma acalmar
A família ia rezar,
Juntos faziam seus cultos.
 
E durante o ano inteiro
A viúva usava “amuleto”
Chorava ao seu defunto
Sempre vestida de preto
Mantinha luto profundo
Fugia das coisas do “mundo”
Sempre com jeito discreto.
 
Hoje a morte não tem mais
Aquele mesmo efeito
As viúvas e os viúvos
Já nem choram mais direito
Não julgo, pois é outro tempo
Temos um novo momento
Mudou-se todo o conceito.
 
O caixão já é levado
Em um carro funerário
Sai do carro pra capela
A quem paga os honorários
Entre a morte e a vida
Já não há mais despedida
Nem choro há no cenário.
 
Se há choro é comedido
Nenhuma lamentação
E dentro do cemitério
Não se abre mais o caixão
Em um tumulo se encaixa
A cova é numa caixa
Não se cava mais o chão.
 
E nem cachaça tem mais
Pra aumentar o assunto
Pau de carga se acabou
Para levar o “presunto!
O luto é só por dois dias
Deitado na cova fria
Esquece-se ali o defunto.
 
A comida não há mais
Às vezes nem cafezinho
Não há mais carne a vontade
Também não há mingauzinho
Hoje até pra morrer
Dá tristeza a gente ver
Esse momento mesquinho.
 
Em menos de uma semana
A viúva arruma outro
E ainda sai dizendo
Não vou esperar por morto
Errado ela não está
A roda tem que rodar
Se o raio não tiver torto.
 
Da mesma forma o viúvo
Tem mesmo é que viver
Se ele não teve culpa
De o seu cônjuge morrer,
Pois a vida é de momento
E ficar em sofrimento
O outro não vai trazer.
 
Isso não é uma crítica
Talvez apenas lembrança
De quando eu era pequeno
Ainda muito criança
Me lembro dos funerais
De cachaças, comidas e ais
E sua grande mudança.
 
Talvez eu seja retrógrado
Obsoleto, atrasado
E no meu momento “cringe”
Velho e desorientado
Rememoro essas histórias
Presas na minha memória
Daquele tempo passado.
 
Porém uma coisa é certa
A morte ficou banal
O luto já não existe
Não sei se isso é bom ou mal
Eu vivo aqui com meus grilos
Mas choro de crocodilo
Não quero em meu funeral.
 
E quando eu me for, prometam!
Que não colocarão vela
Nem quero caixão marrom
Com aquela faixa amarela
Na sua mãe vá jogar flores
Aquele circo de horrores
Quero as cores da aquarela.
 
E se quiser me dá flores
Plante em minha sepultura
Belas rosas coloridas
Com leveza e finura
Assim terei todo tempo
Pétalas de flores ao vento
Me enchendo de ternura.
 
Porém isso é pra depois
Que me custe vir a morte
Quero viver muitos anos
Com saúde e muito forte
Escrever muito cordel
E cumprir o  papel
Como um poeta do Norte.
 
Mesmo que seja sofrida
Essa vida de labuta
Eu quero ver as mudanças
Das “verdades absolutas”,
Pois nesse sistema bruto
Não há tempo para luto
Só há tempo para a luta.