DO JEITO DE ZÉ LIMEIRA

Sou andante que não descriminaliza,

Estive com Carlos Magno e João,

Pitei com Ferrabrás e Salomão,

Vi Teseu montar na Torre de Pisa,

Na Pirea namorei a Mona Lisa

E por anos sentei praça no clero.

Quando em Roma fui assessor de Nero,

Com Cabral tomei café na chaleira,

Sem pensar dei-lhe um chute na trazeira,

Salve a Princesa Isabel benfazeja.

Se meu verso é absurdo, que seja,

Eu escrevo do jeito de Zé Limeira.

Se o Rei Midas viveu na pindaíba,

Márcia foi rainha do Afeganistão,

Rui Barbosa não teve razão,

Colombo descobriu a Paraíba.

Quando se encontrou com o caraíba,

Passou-lhe a perna e tomou seu tesouro:

Terra, sabiá e a arara cor de ouro.

Caim palestrou bêbado na gafieira,

Depois dançou com uma farofeira,

Se fala, Montezuma cacareja,

Se meu verso é absurdo, que seja,

Eu escrevo do jeito de Zé Limeira.

Pilatos grande herói da Galileia

Lutou contra Roma e na Palestina

Foi preso e casou com uma menina.

Fugiu e morou longe da Judeia,

Montou escritório na Prosopopeia,

Pediu e obteve Del-Rei o seu perdão.

Deodoro, quem inventou o avião,

Terminou a vida sem eira nem beira.

Pode dizer: — Uma bela carreira!

Vendi chiclete na porta da igreja.

Se meu verso é absurdo, que seja,

Eu escrevo do jeito de Zé Limeira.

Aglaure e Danuzia, que destreza,

Lutaram juntas frente Borromeu,

Belo rei da Grécia que assim morreu,

Foram em Troia as rainhas da beleza,

Furaram a greve as musas de Theza.

Depois da curtida em Copacabana,

Rezaram missa de fim da semana.

A valquíria Brunirde era trigueira,

Viveu no Olimpo, dormia em esteira,

Sacerdotisa, uma vida em peleja.

Se meu verso é absurdo, que seja,

Eu escrevo do jeito de Zé Limeira.

Inês, rainha que morta, viveu,

Nascida em França, uma bela princesa,

Chegou a ganhar concurso de beleza.

Quando em vida foi ao rei que lhe deu:

a mansão, fazenda e escravo judeu.

Depois teve fuga, foi destronada,

Fez do Brasil sua nova morada.

Nas terras do Saara, pau pereira,

Faz vento frio que arrepia, zoeira

E o índio Caramuru tresmoreja.

Se meu verso é absurdo, que seja,

Eu escrevo do jeito de Zé Limeira.

Em trinta, São Paulo em revolução.

Entraram em guerra com os paulistas:

Soldados treinados e reservistas.

De repente então pousou um avião.

Foi preso numa caixa de sabão.

Luta, com o cerco dos cangaceiros

De noite rezavam como romeiros.

Lampião o soltou, com tornozeleira,

Foi a Sapé e pousou em uma craibeira,

E um curió disse: — Xô, relampeja!

Se meu verso é absurdo, que seja,

Eu escrevo do jeito de Zé Limeira.

Aglaure, Danuzia e Leidi Márcia,

Amazonas de Maryia a Guerreira,

Lutaram de dia na ribanceira.

As filhas diletas dos reis da Trárcia.

Na verdade, padeceram na Dárcia.

Escravas no quebradio de pedra,

Em Roliúdi a devassidão medra.

Seu Delmiro afogou-se na cachoeira,

Foi tocaia detrás de uma touceira.

A bola alumia e o povo festeja.

Se meu verso é absurdo, que seja,

Eu escrevo do jeito de Zé Limeira.

Corisco e Carlo Magno eu só bendigo,

Foram amigos de verdade, afirmo.

Pelos olhos que alumiam, confirmo,

No Pajeú peitaram o inimigo.

Não tinham medo de boi e de perigo.+

Foram homens de confiança seus,

Que no Mar Vermelho, com os judeus,

E trepados num canhão na pedreira,

Atiraram num batalhão. Doideira!

Achar um cristão a viúva deseja.

Se meu verso é absurdo, que seja,

Eu escrevo do jeito de Zé Limeira.

A internete, no tempo de Eva e Adão,

Só transportava arroz, milho e cocada,

Cebola, rapadura e noz moscada,

Salsa, caldinho, jabá e feijão,

Contrabando de pinga e mosquetão.

Foram-se os tempos negros da Lei Seca,

Fabricava-se leite de fubêca.

Agora, mais moderna tem aroeira,

Zifirino, alpercata e pederneira.

Hoje não sou mais a mão que apedreja.

Se meu verso é absurdo, que seja,

Eu escrevo do jeito de Zé Limeira.

Naqueles bons tempos de antigamente

A gente ia a escola estudar o ABC,

Via as letras, ia do A até o Z,

E de frente pra trás e trás pra frente.

E então mudou, agora é diferente,

A escola é só sofisticação.

O menino aprende com a televisão.

Estuda olhando aquilo de primeira

A semana toda, de segunda à sexta-feira.

No sábado e domingo, festa é que deseja.

Se meu verso é absurdo, que seja,

Eu escrevo do jeito de Zé Limeira.

Das velhas histórias da Carochinha,

Minha vó contou a lenda de Alethéa

Que lutou, pelejou com Dulcinéa,

Derrotou a Baronesa Joaninha,

E levou na fuga o ouro de Yayazinha,

Pra vender no Pequeno Polegar.

Fui à festa e bebi até fartar;

Cantei versos e trovas das de feira,

Lá, das minhas andanças na Ribeira,

Fui um poeta que o tempo caleja.

Se meu verso é absurdo, que seja,

Eu escrevo do jeito de Zé Limeira.

Camões foi parido em Jaciobá.

A mãe do menino disse: — Ó, vixe!

Cego?! Ó meu! Será que comi pixe?!

O marido Dom Quixote foi lá.

— Bem que eu disse não viesse prá cá!

E agora, menino o que é que eu faço?

— Bota numa canoa e solta o laço.

O guri, salvo e criado na feira,

Escreveu um livro em pé na goiabeira.

O Imortal, é que ele mais deseja.

Se meu verso é absurdo, que seja,

Eu escrevo do jeito de Zé Limeira.

Cleópatra bela rainha da Lídia

Foi ao Rio visitar Salomão.

Se amaram e tiveram um anão

E ele cantava de Homero "Perfídia".

Foi rei, se achava o novo ás da mídia.

Clementino o Belo da Capadócia,

Num pavão roubou a bela Mara Eudócia

E foram vender mangaio na feira:

Alface e inhame plantados em leira

Lá, nas terras altas de Dona Beja.

Se meu verso é absurdo, que seja,

Eu escrevo do jeito de Zé Limeira.

Cervantes com boêmios celebrava

Do Himalaia a noturna travessia

Disse que Dante da raia fugia

Quando ouvia Beatriz ficar brava.

Ela por certo estaria com raiva?!

Por que Leonardo feia a pintara?!

Certa vez ele pintou-lhe a cara

Parecendo que ela era freira.

Outra vez deu-lhe ares de roqueira,

Logo aquela alma que já não graceja.

Se meu verso é absurdo, que seja,

Eu escrevo do jeito de Zé Limeira.

Sir Shakespeare foi anos caminhoneiro

Do xá curdo Reza do Paquistão;

Almocrevou pros lados do Hindustão,

Em Alagoas tornou se usineiro;

Foi senador no Rio de Janeiro.

Dizem que fumava que nem caipora

Fumo dos bons vindo de Pirapora.

Florbela foi uma santa benzedeira,

Curou Safo de grande bebedeira

Lavando a cara dela com cerveja.

Se meu verso é absurdo, que seja,

Eu escrevo do jeito de Zé Limeira.

Aqui peço licença pois já vou

Garimpar em um poço de petróleo.

Platão quis discursar no capitólio.

Às vezes eu já não sei mais quem sou,

Me adisculpe se atrapalhando estou.

Me disse Brigite deixe de manha!

Não me olhe assim, ou se comporta ou apanha.

Iracema me olhou com ciumeira

Quando dei a Moema bela roseira.

Quem pensa que sou amalucado veja,

Se meu verso é absurdo, que seja,

Eu escrevo do jeito de Zé Limeira.