O ONTEM E O HOJE Francisco Luiz Mendes
O ONTEM E O HOJE
Francisco Luiz Mendes
Ontem a gente passeava
Lá no parque da cidade
Ninguém se preocupava
Era só festividade
Enfim, pintava e bordava
Com certa tranquilidade.
Mas hoje está diferente
O parque se acha fechado.
Nesse momento presente
Lá diz o comunicado
Lazer permanece ausente
Por tempo indeterminado.
Ontem que felicidade
A vida solta corria
Sem qualquer dificuldade
Era aquela alegria,
Pois ficava-se à vontade
Tristeza não existia.
Hoje a vida se trancou
E não se tem mais prazer
Subitamente mudou
Maneira de se viver
Todo o povo ficou
Sem saber o que fazer.
Ontem lá naquela praça
Que total descontração
Certa piada sem graça
Ouvia-se uma irrisão
Essa não vale uma traça
Lorota sem emoção.
Hoje a praça está vazia
Nenhum riso por sinal
Onde está toda alegria?
O silêncio é total
Aquela voz que se ouvia
Se emudeceu, afinal!
Quem ontem foi se banhar
Que belo fim de semana!
Ninguém podia faltar
A tal momento bacana
Também pra se bronzear
Lá se foi a caravana.
Ondas que vão e que vêm
Hoje só a apreciar
A praia está sem ninguém
Ao longe onda a balançar,
Mas que vontade se tem
Naquela onda surfar.
Ontem aquela pelada
Casado versus solteiro
A torcida organizada
Já preparava o braseiro
Ai quem errasse a jogada
Ouvia-se: __ É caneleiro...!
Hoje casado e solteiro
Cada qual no seu plantão
Alguém ficou noveleiro
Encontrou nova opção
Justamente o caneleiro
Está nessa escalação.
No ontem dominical
Com missa, sagradamente,
Na Capela do arraial
Unia-se aquela gente
Gratos ao Celestial
Por mais um dia presente.
Missa hoje pela tevê
E lá naquela Capela
O povo não mais se vê
O fiel de sentinela
Indagando o porquê
Não pode mais rezar nela.
Ontem, que festa junina!
Fogueira pra todo lado
Menino flerta menina
Moça arranja namorado
Com a jovem dançarina
Rapaz ficava abobado.
Na festa de São João
A fogueira está apagada
Não se tem paqueração
Nem flerte da meninada
Bailarina da atração
Hoje não é mais cobiçada.
Ontem, pois, se planejava
Pra nas férias viajar.
Aquele dia chegava
Coração a disparar
A bagagem arrumava
Por fim, adeus meu lugar!
Europa era o destino,
Porém o plano mudou.
Hoje nem para Ouro Fino
Sua família embarcou
Esse encontro natalino
No aeroporto acabou.
Ontem que emotividade
Na festa de casamento
Que total felicidade
Ali naquele momento
E nessa solenidade
A alegria era o alento.
Hoje casório adiado
Que tamanha frustração
Fica noivo aperreado
Noiva naquele chorão
Calendário é apertado
Não tem outra data, não...!
Ontem num aniversário
Se abraçava e se beijava,
Mas que bonito cenário.
Sempre se cumprimentava
O senhor sexagenário
Com sua amada bailava.
Esse aniversariante
Hoje ele está isolado
Os parabéns, só distante
Assim o bolo é cortado.
O momento é vexante
Sem um alguém do seu lado.
Lá naquele batizado
Ontem era diferente
No recinto do afilhado
Podia se estar presente,
Mas além de convidado,
Achegava-se mais gente.
Hoje depois do batismo
Com a bênção do vigário
Dispensa-se o formalismo
Segue-se o itinerário
E, por fim, esse modismo
Foi em outro calendário.
Ontem, pois, tudo normal
Calçada do Vizinho.
Um bate-papo legal
E tinha até cafezinho
Momento bem literal
Misturado com bolinho.
Hoje o vizinho sumiu
A prosa não mais existe
Ali ninguém mais o viu
A rua ficou tão triste
Sequer escuta um psiu!
A mudez inda persiste.
O encontro familiar
Ontem era indispensável
Um dia de abafar,
Que instante mais afável!
Enfim, espetacular,
Sem dúvida adorável.
Hoje eu estou no meu canto
Vivendo acuado até
Ninguém sai do seu recanto
Para qualquer bate-pé
A vida virou um espanto
Já não tem o mesmo axé!
Bela tarde domingueira
Ontem pelo estádio afora
O tremular da bandeira.
Adentre moço e senhora!
E a torcida alcoviteira
Cutucava sogra e nora.
Hoje só arquibancadas
Veem a pelota rolar
Flâmulas estão guardadas
Quem sabe voltam a agitar
Nora e sogra separadas
Outra vez voltam a brigar.
O trio carnavalesco
Ontem que grande atração
Por fim, algo pitoresco
Arrastando a multidão.
Quem era fanfarronesco
Acompanhava o festão.
A grande festividade
Que atraía uma nação
Hoje, pois, virou saudade
De peso no coração.
Ah, quanta felicidade!
Já comenta o folião.
Mas quanta saudade, sim!
Desse ontem que passou
E no mais belo tim-tim,
Coisa boa se brindou.
Que contentamento, enfim,
Quanta saudação ficou.
Hoje se modificou
Não é a mesma alegria
De repente algo travou
Esse nosso dia a dia
O mundo então desabou
Em desalento e agonia.
Um ontem que especial
Mais ainda confidente
Um abraço cordial
Dum amigo ou dum parente
Era o diferencial
Na vida de muita gente.
Hoje simples cumprimento
Já não é, possivelmente.
Vive-se em isolamento,
Não é como antigamente.
Tudo era deslumbramento
O agora é um repelente.
No ontem foi sem igual
Pouco de tudo rolou
Oh, que bom tempo, afinal!
Muitas vidas, pois, marcou.
Liberdade era total
Por fim, lembranças deixou.
Hoje o riso se escondeu
Atrás de uma mascareta
Sua elegância perdeu
A face ficou zambeta
Quando o olhar se recolheu
A vida ficou ranheta.
Ontem tudo se podia
Tendo o céu como limite
Se alguém pensava, fazia.
O bastante era o convite,
Proibição não havia
E ninguém dava palpite.
Hoje tudo é proibido
Nada podemos fazer.
Porque o momento é temido
Tudo pode acontecer
Até um simples tossido
É motivo pra correr.
Ontem se tinha lazer
Não faltava diversão
Podia-se até escolher
Tipo de variação
Era aquele bel-prazer
Ser ter preocupação.
Hoje o tal divertimento
Passa a ser arma letal.
A alegria num momento
Tristeza num hospital
Dor, aflição e lamento
É manchete de jornal.
Ontem tava no roteiro
Churrasco, fim de semana.
Uma vaquinha e ligeiro
Aquela turma bacana
Arrecadava dinheiro
Até lá da Mãe-joana.
O encontro não mais existe
Hoje já é outra cena
E numa tevê se assiste
O aviso da quarentena
O âncora ainda persiste
Respeite sua quinzena.
Naquela roda de samba
Ontem grande exibição
Aquele notável bamba
Expunha sua canção
Assim a noite descamba
Lá naquele barracão.
Hoje já é outro cenário
Barracão está vazio
O bamba está solitário
Um tanto meio arredio
O seu viver é um calvário
Mesmo no seu casario.
Ontem em qualquer lugar
Lá estava a liberdade,
Pois se podia abraçar.
E sem temerosidade
Por aí a festejar
Com sua cara-metade.
Hoje teme-se o futuro
O mundo vive assustado
E vai-se passando apuro
O momento é delicado
Ficando mais inseguro
E o povo mais acuado.
Ontem, foi-se livremente
Mundo afora passear.
E muito tranquilamente
Pela vida se jogar
Feito bobo adolescente
Querendo alguém conquistar.
Hoje, cadê a liberdade?
Vive-se no limitado
Não se sai pela cidade
Direito esse foi tirado
Adeus, jovem mocidade!
Dê lembranças ao passado.
FIM.