MARIANA, PEQUENA TRAVESSA
Uma pequena menina
De quatro anos de idade,
Usando de uma vaidade
E de um ciúme danado,
Numa atitude traquina
E um jeito bem expansivo,
Arranjou um bom motivo
De aos pais trazer cuidado.
Nossa pequena travessa,
Cujo nome é Mariana,
Quando nasceu a Joana,
Sua caçula irmãzinha,
Botou logo na cabeça
Que dela ninguém gostava,
Pois ela sempre sobrava...
Tudo era pra Joaninha!...
O olhar da tia Fernanda,
Os carinhos da vovó...
A bebê virou xodó
Até dos homens da casa.
E conforme a vida anda,
Os que por ali passavam
Da bebê sempre falavam,
Pra ela arrastando asa!
Sentia-se esquecida;
Tinha perdido o lugar!
Nos cantos sempre a chorar,
Querendo que alguém notasse
E sem ser apercebida!
Nessa grande agonia
Mariana passava o dia;
Esse era o seu impasse!
Então pensou a menina,
Certa noite, em sua cama:
"Sei que papai não me ama;
Nem mamãe, nem vó Piedade;
E nem a prima Celina,
Que agora só olha pra mana,
Tudo pra ela é Joana...
Joana é a novidade..."
Quando não tinha a bebê,
Tudo era pra Mariana:
Todo presente bacana;
Toda sorte de fortuna!
O dia era um matinê,
E todos faziam festa;
Era uma linda seresta,
Sem espaço, sem lacuna!
Naquela comunidade
De âmbito familiar,
Ela podia contar
Que era toda a atração!
Para falar a verdade,
Dos primos até a nona,
Dos carinhos era a dona;
Motivo de afeição!
Então nasceu a Joana,
Com toda a sorte de graça,
Aguçando a pirraça
Da irmãzinha maior.
A pequena Mariana
Vivia aborrecida,
Triste e desenxabida...
Só de olhar dava dó!
E foi num dia bem cedo
Que a pequena criatura
Executou a travessura,
saindo pé ante pé,
E sem demostrar ter medo,
Ganhou o portão da rua...
Foi uma atitude crua,
Nas palavras do tio Zé.
E depois, já na estrada,
Andou coisa de meia légua,
Sem parar, sem uma trégua...
Com só uma finalidade:
"Já que estava abandonada
Dentro do próprio Lar,
Tudo iria abandonar...
Indo morar na cidade!"
De repente, deparou
Com rua larga, comprida,
Da cidade, a avenida...
Foi grande o seu lamento;
Desesperada, chorou
No meio de tanta gente
Que andava indiferente,
Sem notar o movimento.
E carro pra todo lado;
Barulho, buzina e tal...
Diferente do quintal
Onde ela sempre brincava
Viu prédio envidraçado
E outros de muita altura...
Mas não tinha a formosura
Da vila em que morava.
Todos andavam com pressa,
Não desviavam o olhar...
Até que veio a calhar,
E um guarda, na sinaleira,
Percebeu, muito depressa,
Que tinha algo errado
Naquele jeito assombrado
De Mariana, a maneira.
E pegando-a pela mão,
Assim foi lhe perguntando:
"Por que você está chorando?
O que foi que aconteceu?"
Diante da proteção
Daquele homem fardado,
Seu pranto foi suavizado,
E ela assim respondeu:
"É por causa da Joana,
Que pegou tudo que é meu:
Papai e o vô Dirceu,
Tia Fernanda e até
A Celina e a Ana,
As primas que eu mais gosto.
E agora eu já aposto,
Nem mesmo a mamãe me quer!"
Com os olhinhos brilhando
E muita desenvoltura,
Falava sem ter censura,
E sem medo de errar.
"De longe eu fico olhando
Que até a vó Piedade
Passa o dia, na verdade,
Da nenê, a rodear!"
Depois de ouvir a ofensa
Da pequena cidadã,
O guarda, senhor Hernan,
Carregando-a em seus braços,
Logo pediu a presença
Do Conselho Tutelar,
Para então reintegrar
A pequena aos seus laços!
No carro oficial,
Indo pra repartição,
com ar de admiração,
Olhava pela janela,
Vendo um mundo desigual.
Pessoas pedindo esmola;
Outros, tipo um cartola,
De broches toda a lapela.
E passando pela ponte,
Viu, nas águas do riacho,
Entre as sujeiras, um tacho
Que parecia de metal.
E na margem bem defronte,
Tinha alguém que lá pescava,
Enquanto a vida passava...
Numa visão bem geral.
E já na repartição,
Quase na hora do almoço,
Começou um alvoroço:
A pequena sentia fome,
E por toda a divisão
Derramava o seu queixume,
E, como era de costume,
Da mãe chamava o nome.
Enquanto isso, na casa,
Um tremendo desespero,
Puxado pra o exagero
Tomava a situação.
A pobre dona-de-casa,
Dando falta da pequena,
Tremeu as pernas; a cena
foi de grande aflição!
Correram na vizinhança
E por todos os lugares,
Mas só recebiam olhares
De triste interrogação.
'E por tanta insegurança,
Será que algum estranho,
De jeito meio tacanho,
Andou pela região?'
Então o senhor Dirceu,
Chamou o filho de um lado,
E com ar asserenado,
Usando de uma malícia
Que o tempo lhe concedeu,
Disse com a voz bem branda:
"Tua irmã, a Fernanda,
Já ligou para a polícia."
E assim arrematou:
"Parece que Mariana,
Com ciúme da Joana,
E usando de uma vaidade,
Logo que o dia desatou,
Ela pegou a estrada
E fez longa caminhada,
Até chegar à cidade.
Na avenida principal,
Um guarda a viu chorando,
E acabou a encaminhando
Pro Conselho Tutelar.
Mas está tudo normal;
Não há mais o que temer...
O que temos a fazer,
É por ela esperar."
Foi bem no final da tarde
Que acabou a travessura;
Ela chegou de viatura,
Nos braços de um oficial.
E foi com grande alarde
Que receberam a menina;
até a mais pequenina
Também fez seu festival.
Também contentes ficaram
As primas Celina e Ana;
Logo que viram Mariana,
Correram para abraçá-la.
Todos os homens deixaram
os afazeres de lado
E, num gesto apaixonado,
Ficaram pra cortejá-la.
Todos queriam abraçar
A dona da aventura,
A menina travessura
Que visitou a cidade.
A mãe, querendo chorar,
Mas agora de alegria,
Foi a que mais fez folia,
Depois de dona Piedade!