OS "CHIFRES" DE NICOLAU E SUA TRÁGICA HISTÓRIA
POR JOEL MARINHO
 
Já falei de tanta coisa,
E esqueci do Nicolau
Aos meus queridos leitores
Peço desculpa, foi mal,
Narrá-lo-ei essa história
De um jeito original.
 
Sentei no banco da praça
Ao lado de um velhinho
Ali pensando na vida
Com os cabelos branquinhos
Falei a ele, bom dia!
Me respondeu bem baixinho.
 
Bom dia, sou Nicolau
E qual é a sua graça?
Pelo bafo já senti
Um cheirinho de cachaça
Lhe respondi sou Joel
Pobre poeta de praça.
 
Me perguntou, toma uma?
Eu disse, muito obrigado!
Estou fazendo dieta
Ele me disse, coitado!
Pare com isso, rapaz!
Temos os dias contados.
 
Ainda quis retrucar
Mas achei melhor calar
E resolvi de repente
Sua cachaça aceitar
Tomei um gole de pinga
Vi todo o mundo rodar.
 
Depois da segunda dose
Já nos tornamos “amigos”
E a conversa fluindo
Sem mais noção de perigo
No final dessa conversa
Ele chorava comigo.
 
Eu então lhe perguntei
Onde é que o senhor mora
Ele fechou o sorriso
Deu um suspiro pra fora
Minha cama é esse banco
Minha casa céu e flora.
 
Então fiquei curioso
E perguntei, tem família
Ele me disse, já tive
Uma mulher e duas filhas
Mas a desgraça de um chifre
Me colocou nessa “ilha”.
 
Vou lhe contar minha História
Já que você é poeta
Quem sabe até não escreve
Sobre a vida desse atleta
Que perdeu tudo na vida
Ainda passou por pateta.
 
Quando eu tinha 20 anos
Fui atleta de primeira
Ganhei medalha de ouro
Fui o melhor na carreira
Se colocasse Usain Bolt
Eu botava na poeira.
 
Fiz um sucesso danado
Era um monte de mulher
Todas elas me queriam
Veja você como é
Eu morto de apaixonado
Dei uma de Zé Mané.
 
Casei com aquela morena
Que jurou amor eterno
Eu nos meus carros de luxo
Andando com caros ternos
Mal sabia que caía
De boca naquele inferno.
 
Tive logo duas filhas
Que nem sabem quem eu sou
Depois que aquela mulher
Com outro me corneou
Levou todo meu dinheiro
E hoje aqui estou.
 
Além de me cornear
Deu na justiça entrada
Um pedido de pensão
E pra ela uma mesada
No final eu me ferrei
Saí daquilo sem nada.
 
Minha carreira acabou
Pois eu cai na bebida
Dei tudo àquela mulher
E só me sobrou a vida
Essa que você está vendo
Tristonha e muito sofrida.
 
Depois disso eu arrumei
Mais mulher que Salomão
Mas parece uma sina
Acredite nisso ou não
Cada uma era um chifre
Eita desgraça do cão!
 
Até que um dia topei
Com a peste de um travesti
Que me fez jura de amor
Mais uma vez investi
Maldita àquela hora
Que me casar insisti.
 
Era um travesti careca
Baixo, feio e barrigudo
Eu pensei, agora sim
Obrigado, Deus por tudo
Se ainda eu levar chifre
Será um grande absurdo.
 
A nossa lua de mel
Já começou toda errada
O bicho roncava tanto
Que a um trator acordava
E para acabar com tudo
A noite toda peidava.
 
Mesmo assim eu fui feliz
Estava bem satisfeito
Não era um grande amor
Tampouco era perfeito,
No entanto eu pensava
Com esse agora me ajeito.
 
Morávamos numa casinha
Pobre, mas ele arrumava
Eu trabalhava de dia
Pra ver se nada faltava
Quando eu saía dizia
Que a mim tanto amava.
 
Um dia vim do trabalho
Cheguei em casa mais cedo
Ouvia gritos lá dentro
Já fui ficando com medo
Quando eu quebrei a porta
Descobri o seu segredo.
 
Ele estava me traindo
Com o peste do carteiro
Eu zangado que estava
Já fui abrindo o berreiro
Caia fora da minha casa
Cobra sutil, traiçoeiro.
 
E pela primeira vez
Eu parti para agressão
Estava tão furioso
Já fui lhe metendo a mão
Quebrou o “pau” do nariz
E eu fui parar na prisão.
 
Puxei seis meses de cana
Em uma delegacia
Até que um defensor
Pediu pra me ver um dia
Ao saber da minha história
Tirou-me da agonia.
 
E quando eu voltei pra casa
Ele estava com o carteiro
Perdi casa, perdi tudo
Fiquei só e sem dinheiro
Vim nessa praça morar
Como um vil forasteiro.
 
Depois de ouvir calado
Aquele homem carente
Tentei falar engasguei
Senti uma lágrima quente
Tomei um gole de pinga
Que adormeceu os dentes.
 
Eu falei, seu Nicolau
Que triste sina essa sua
Com um começo brilhante
Pra hoje viver na rua
Vou escrever sua história
Essa tristeza tão crua.
 
Obrigado, caro poeta!
Por ter me dado bom dia
Pois apesar de viver
Aqui nessa freguesia
Quase ninguém me enxerga
Sou uma caixa vazia.
 
Comigo aqui tem mais três
Cada um com sua História
E quando eles morrerem
Levarão toda a memória
Pois para a sociedade
Não passamos de escória.
 
Depois de muita conversa
E umas doses de cana
Descobri aquela vida
Que em nada era bacana
Quem chegou ao estrelato
Vivia pobre sem grana.
 
Isso serve como fonte
Aos nossos jovens atletas
Cuidado com as decisões
Não dê uma de pateta
O inferno já está cheio,
Mas mantém a porta aberta.
 
Toda semana eu ia
Conversar com o Nicolau
Ele me contava histórias
E de todo o ideal
Que tinha quando atleta
De ganhar um mundial.
 
Passei cerca de dois meses
Sem ir lá lhe visitar
Um dia resolvi ir
Para o velhinho encontrar
Porém quando lá cheguei
Encontrei só seu lugar.
 
Perguntei aos seus colegas
O que tinha acontecido
Um sorriu e me falou
Que ele tinha morrido
Está morando no céu
Tomando umas escondido.
 
Os meus olhos marearam
Já o tinha como amigo
Nem pude me despedir
Daquele nobre mendigo
Entretanto, sua história
Não irá morrer comigo.
 
Por isso que fiz questão
De escrever sua História
Não será como milhões
Que levam suas memórias
Para sucumbir na cova
Sem nome, sem lar, sem gloria.
 
Espero que vocês gostem
Da história do Nicolau
Teve mais chifre que um alce
No seu ninho conjugal
Pergunte para um mendigo
Qual foi mesmo o seu castigo
Se surpreenderá no final.