Cordel do Circo Encantado
Não há nada mais inóspito
Que o interior de um país,
Onde o real coração
De um povo humilde e feliz,
Encontra-se com as dores,
Nos vários interiores,
Onde o sertão é raiz.
O lugar onde o Moderno
E o Tradicional se encontram,
Dão-se as mãos num gesto terno,
E para o lúdico apontam,
O homem supera a tudo,
E vence o sofrimento agudo,
Nas auroras que despontam.
Na paisagem sertaneja,
De aridez e luz solar,
Habitando nos espaços,
Que convém chamar de lar,
O homem usa a destreza
E transforma a natureza
Em seu mundo basilar.
Vai formando coletivos,
Dividindo experiência,
Nos povoados, aldeias,
Nos rincões de convivência,
Onde o linguajar brejeiro,
Traduz o tom corriqueiro
Da efêmera existência.
E quando se quer saber
De algo ou se divertir,
É só ir numa bodega
Mais próxima que existir,
Lá, de chique a brega toca,
Tem “brebôte”, tem “fofoca”
E tem comédia pra assistir.
Tem os “causos” dos mais velhos,
Tem cachaça e pão francês,
Tem bala pra molecada,
Tem calote de freguês,
Mote, cantiga e toada,
Piada, jogo e zoada,
Fiado pra o fim do mês.
No Sertão, literatura,
É um cordel pendurado,
De onde, às vezes, o caboclo,
Declama um verso inspirado,
E quando tem cantoria,
Poeta improvisa e cria,
Enquanto o povo é o jurado.
A vida segue seu ritmo
Constante e inalterado,
Até que em certa época,
Num momento inesperado,
Um circo mambembe instala
A trupe, de cuia e mala,
Num terreno inexplorado.
Arqueada por um tronco,
Uma lona improvisada,
Acomoda um picadeiro
De terra pisoteada,
E ali, um malabarista,
Da gravidade despista,
Sem garantia de nada.
Enquanto a bilheteria
Não registra multidões,
De repente, se percebe,
Que um palhaço e dois anões
Começaram a brigar,
Mesmo antes de chegar
No centro das atenções.
A plateia está ordeira,
Em tamboretes, sentada,
Numa única fileira,
Ri da cena inusitada,
Num contrastante cenário,
Vindo do imaginário,
De uma gente obstinada.
Causos, músicas e versos,
Palhaçadas e reisado,
Na história aqui contada,
Têm lugar reservado,
Tudo isso o texto acumula,
Por isso se intitula
Cordel do circo encantado.
(Para a FICICON da EREM Professora Ione de Góes de Barros, inspirado em texto do Professor Anderson Farias).
Fábio Luiz dos Santos:., 28.11.2017