Lembranças
Aqui no sertão certeiro,
Vai dezembro, vem janeiro,
Nada de novo acontece,
Sempre a mesma calmaria
Do começo ao fim do dia,
No domingo a mesma prece.
Às vezes desejo um pouco
A praia, água de coco,
O metrô superlotado,
O trânsito andando lento,
Do shopping o movimento,
O executivo exaltado.
Desejo na multidão,
Andando sem direção,
Aquele olhar de donzela,
Perdido em qualquer rumo,
Enquanto do asfalto o fumo
A torna ainda mais bela.
Lembro da noite a balada
Onde eu, com a rapaziada,
Aprontava sem saber
Que o meu nome na praça
Viraria só fumaça
Com vento forte a varrer.
Da escola tenho lembrança
Da arruaça e da lambança
Que custaram meu recreio,
Porém do ensino não tenho,
Descobri que o grande engenho
Cada um traz em seu seio.
Lembro a filha do empresário,
Este quis me dar salário
E fazer meu casamento.
A moça era pura asneira,
Ela que fique solteira
Ou que vá pra um convento.
Lembro a filha da empregada,
Moça bela, imaculada,
Uma adolescente em flor,
Que comigo se encaixava,
Mas por ser uma ex-escrava
O meu pai não deu valor.
Lembro um menino sem trato
Que engraxava meu sapato,
Recitando um cordel,
E mesmo sem ter um nome,
Não julgava, com a fome,
Ser o mundo tão cruel.
Destes sim tenho saudade,
Porém nunca da vaidade
Grudada nos paletós,
Que marcham rumo ao dinheiro
E este no banco estrangeiro
Os deixa ainda mais sós.
Às vezes penso em retorno
Àquela vida de suborno
Naquele lugar ali,
Mas logo penso comigo
Lá é maior o castigo
Melhor é viver aqui.
Aqui eu sou mais liberto
O portão me é aberto,
Saio à hora que quiser,
A terra guarda tesouro,
O meu milho é o meu ouro,
A mata é minha mulher.
Com pouca boa lembrança,
Inda cometo a lambança
De desejar reviver,
Aquela vidinha ingrata;
Do homem, esta alma peralta
Gosta mesmo é de sofrer.
Eduardo Persa