A cigana analfabeta lendo a mão de Paulo Freire
Chico César aboiou:
“A cigana analfabeta
Lendo a mão de Paulo Freire”
Em canção toda repleta
De vaga melancolia
Na conjuntura abjeta
Este cordel estafeta
Pretende levar ao mestre
Uma missiva elevada
Cuja sintonia orquestre
Trovadores combatentes
Em todo o globo terrestre
E que o rude ele adestre
Como ensinou Paulo Freire
Ocupando o latifúndio
Da mente em cada alqueire
Levantando barricadas
Educação entrincheire
Que nosso cordel peneire
O generoso ativismo
Da fútil frivolidade
De ilusório humanismo
Que confunde educação
Com corda de alpinismo
Para subir é preciso
Na montanha social
Ensino de resultado
Diz a cartilha boçal
Aprender a ser vassalo
E dependente mental
Na obra fenomenal
O educador de verdade
Que se chama Paulo Freire
Contestou a falsidade
Ensinar a ler o mundo
É fator de igualdade
Com bastante acuidade
Probidade e consciência
Foi assim que Paulo Freire
Elegeu como premência
Emancipação do povo
E a sua transcendência
A partir da consequência
Do aluno “ler o mundo”
Para poder transforma-lo
Em um conceito profundo
E essa pedagogia
Teve efeito fecundo
Hoje o povo, moribundo,
Sente a dor que lhe espeta
Imemorial angústia
Nossa elite abjeta
Mantendo o peão na jaula
E a cigana analfabeta
Essa cigana é bisneta
Daquela que em Angicos
No Rio Grande do Norte
Alcançou mais altos picos
Em quarenta e oito horas
Teve ensinamentos ricos
Os poderosos, nanicos,
Temendo o novo saber
Levado por Paulo Freire
Procuraram então conter
A experimentação
Nova forma de aprender
Como é comum ocorrer
Destruíram a experiência
Da alfabetização
Sem a subserviência
Em perspectiva livre
E soberana docência
A quiromante em vidência
E seu saber popular
Leu na mão de Paulo Freire
Aula de valorizar
O dia a dia do povo
Para alfabetizar
E na lição arrogar
Confiança e autonomia
Tendo como referência
O comum do dia a dia
Ensino que até hoje
Seu conteúdo desfia
Paulo, essa pedagogia
Na vida interiorana
Da cidade de Angicos
Ainda hoje atazana
A “educação bancária”
Que não chegou à cigana
Esse conceito profana
A falsa concepção
De que o aluno é leigo
E o professor sabichão
E já faz cinquenta anos
Que isso está na contramão
Porque tacanha visão
Diz que o aluno nada sabe
E o mestre erudito
De todo saber se gabe
Em relação vertical
Onde a permuta não cabe
Antes que o folheto acabe
Direi ao Paulo querido
Que o nosso pobre país
Quase vendido e vencido
Largou a Pedagogia
E continua Oprimido
O que nos tem destruído
É que a inculta classe
Que sedimenta as bases
Desse nosso desenlace
Expõe nos dias que correm
A mais monstruosa face
Que tua alma abrace
Os andrajosos do mundo
Como sempre procedeu
Em sentimento profundo
E nos incite a lutar
Por teu ideal fecundo.