SEM PAI, SEM MÃE EU E ELA

1

Meu avô, um certo dia,

Chamou-me: _ Bosco, vem cá!

Eu quero só constatar

Se você (dê-me a alegria!)

Herdou de mim, a poesia.

Foi logo me dando trela,

De susto, deu um nó na goela.

Aquilo soou como um dote,

Foi logo me dando um mote:

Sem pai, sem mãe, eu e ela.

2

Fiquei ali matutando

Como ia desenvolver

E, num cordel devolver,

Como ele estava esperando,

No mote fui trabalhando.

Seria alguma novela?

É sua história ou a dela?

Brotou-me ali, num relance.

É sobre eles (que lance!).

Sem pai, sem mãe, eu e ela.

3

O Vovô também queria

Outra coisa me passar,

Me escolhera pra me dar

O dom de quiromancia

Além de sua poesia.

Os segredos me revela

Quer ao sol ou à luz de vela,

Como ler a mão de alguém

Sem cobrar nenhum vintém.

Sem pai sem mãe, eu e ela.

4

Tornei-me então, quiromante.

Lia mão por puro robe.

Minha fama logo sobe,

Por pouco fui cartomante,

Mas nunca usei turbante.

Tinha um cravo na lapela,

Chovia assim de donzela,

Só pra eu pegar na mão,

Revelar seu coração.

Sem pai, sem mãe, eu e ela.

5

Só uma estrofe escrevi

Do mote que o Vovô deu

Fi-lo contente, creio eu.

Em seu rosto, um brilho, vi

De si, elogio ouvi:

“Boa rima, tá na tela

“Bom poeta se revela

“De mim, o dom, ‘cê herdou

“Reconhecimento dou.”

Sem pai, sem mãe, eu e ela.

6

Muito cedo comecei

Minha solitária vida.

Sem asa e sem comida,

No trabalho me apeguei

Os amigo’ abandonei

Para o pão ter na tigela,

Então, conheci a donzela

Que hoje é minha senhora

e vivemo como outrora,

Sem pai, sem mãe, eu e ela.

7

Meu avô foi logo lendo

E ficou maravilhado

E disse assim, abismado:

“O que isso que estou vendo?

“Saiu boa e sem remendo.

“Bom poeta se revela,

“Escreve sem corruptela

“Você em veia poética,

“Versos com rima e com ética”.

Sem pai, sem mãe, eu e ela.

8

Foi essa a primeira glosa

Que pro vovô eu compus

Minha verve assim dispus,

Nasce qual botão de rosa,

Fiquei assim, todo prosa.

E agora, meu ser anela

Pois já ganhei minha costela

E hoje como os avós somos.l

O que nem sempre nós fomos,

Sem pai, sem mãe, eu e ela.

9

Já depois de muito tempo

A Jesus me converti

E nunca mais perverti

Realidade em contratempo

Por aquele passatempo.

A verdade, meu ser vela,

E sempre me pauto nela

Deixei a quiromancia,

Deus me usa em profecia.

Sem pai, sem mãe, eu e ela.

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Desenvolvi do mote dado por meu avô, originalmente monostrófico.

Alelos Esmeraldinus
Enviado por Alelos Esmeraldinus em 06/04/2021
Reeditado em 08/04/2021
Código do texto: T7225639
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