VÓ MARIA É PATRIMÔNIO
DA CULTURA POTIGUAR
(Cordel que compõe a 4ª edição da
Coleção DEZ MULHERES POTIGUARES
Uma Coleção composta por dez mulheres
homenageadas por dez mulheres cordelistas,
cujas capas dos cordéis são xilogravadas também
por mulheres)
Ao meu Deus, Pai de bondade,
Dirijo o meu pensamento
Pra falar de uma mulher
Que desde seu nascimento
Teve o destino traçado
Tendo o amor como elemento.
A Vó Maria de Lourdes
De Lima representante
Das rendeiras lá da Vila[i],
Está sempre a cada instante
Ensinando o que aprendeu
Em uma época distante.
Vó Rendeira, Vó Maria,
A 13 de abril nasceu,
No ano de trinta e quatro
Do Século vinte e cresceu
Em Pirangi, onde a renda
Tomou conta do seu eu.
Ainda muito criança,
Diz ela: Eu observava
Com atenção as rendeiras
E facilmente trocava
Brincadeiras infantis
Pelo rendar que eu amava.
Fugia das brincadeiras
De bonecas só pra ver
O trabalho das rendeiras.
E isso enchia o meu ser
De um desejo sem medida
De tudo aquilo aprender.
“Comecei a fazer renda
Aos sete anos de idade.
Desde aí não parei mais.
Pra mim foi fácil, em verdade,
Pois amando o que fazia
Eu tive facilidade.
A primeira peça feita
Por mim, três metros media.
Meu pai levou para a praia
E, para sua alegria,
Lá, vendeu por um cruzado.
Sem saber quanto valia”.
As peças que se seguiram
Quando vendia entregava
O dinheiro para a mãe
Que com cuidado guardava
Pra comprar roupa e calçado
Quando de tal precisava.
Casou-se bem jovem com
Um machista que a deixava
Cuidando só dos seus filhos,
Pra trabalhar. Só voltava
Para deixar-lhe mais um.
Isso muito a incomodava.
Mas Maria é mulher forte,
Persistente e lutadora,
Além de rendeira vende
Dos outros. É vendedora,
Vendilheira, vendilhona...
Na luta é mesmo doutora.
Assim, vai seguindo em frente,
No que gosta trabalhando
Com amor pelo que faz
A garotada criando
Até que cada um deles
Vá sua estrada encontrando
Com o incentivo do filho
João Batista, ela criou
Um ambiente de encontros
Em sua casa[ii] e chamou
Suas amigas rendeiras,
E a tradição avivou.
E aquele barulho seco
Das bobinas de madeira
Soa como boa música
Nos ouvidos da rendeira
Que troca bilros cantando
De forma bela e faceira.
O toc, toc mais lembra
Um show de sapateado
Que, aqui, saem das mãos,
No troca, troca apressado
Dos bilros nas mãos de fadas
Criando um belo bordado.
Uma almofada cilíndrica
É a plataforma da dança
Das mãos das nossas rendeiras
Que produzem esperança
Na forma mais delicada
Que a mente delas alcança
Dona Maria de Lourdes
De Lima que é “Vó Maria”,
Já com idade avançada,
Ano a ano e dia a dia
Segue firme em seu ofício.
Isso lhe traz alegria.
E incentiva as companheiras
A nunca deixar parar
A luta pela cultura
Da renda no seu lugar:
Na Vila de Ponta Negra
Que ela adotou como lar.
Sendo o ofício de rendeira
Ofício de tradição
Que de fato é tão antigo
Quanto a colonização
Do Brasil, devemos dar-lhe
Toda a valorização.
Grande risco de extinção
Das rendeiras do lugar
A Vila de Ponta Negra
Já viu as mesmas passar!
Mas o ofício repassado
Vem pra revitalizar.
Junto com suas amigas
Criou a Associação
Das Rendeiras onde todas
Se doam de coração,
Uma auxiliando a outra
Com carinho e atenção.
De segunda à sexta-feira
Toda a tarde é dedicada
Lá na Tapiocaria
Da Vó, à grande empreitada.
Vó Maria sempre à frente
Nunca se mostra cansada.
As pessoas trabalhando
Montando panos de mesa,
Redes e roupas diversas
Cada qual de mais beleza!
Trabalhos feitos com amor,
Com cuidado e com destreza.
Vó Maria é fundadora
Do Núcleo de Produção
Da Vila de Ponta Negra
Onde faz exposição,
Guarda, vende,... E apresenta
As rendeiras em ação.
É assim o dia a dia
Lá no espaço cultural
E gastronômico da Vila,
Um lugar especial
Que é procurado por todos
Que vêm conhecer Natal.
Sempre à frente do seu tempo!
Sempre disposta a aprender!
Vó Maria aprende e passa
A cada aluna, a dizer:
“Se tá errado, dirmanche!
Para direito fazer”.
Flor do Caribe, a novela
Que a Rede Globo filmou,
Os biquínis produzidos
Pelas rendeiras mostrou.
Vó Maria, junto a elas,
De tudo participou.
Sua bela trajetória
Já foi bendita e louvada!
Sendo por vários políticos
Também homenageada.
Maria representando
As Marias nessa estrada.
Dia vinte e dois de agosto
De dois mil e dezenove
É formalizado o Núcleo
Das Rendeiras. Isto move
Vó Maria que os percalços
Da luta, nunca demove.
Durante vinte e dois anos,
Ininterruptamente,
Os encontros ocorreram.
Mas, de forma consciente,
Por causa da pandemia,
Parou tudo de repente.
Nos diz Maria Mahré,
Falando de Vó Maria:
Ela é doce, meiga, amiga...
Porém na sua alegria,
É braba quando precisa
Nas lutas do dia a dia.
Poder-se-ia falar
Da nossa Mestra Rendeira
Muito mais! Porém aqui,
Ainda mesmo que eu queira,
Sendo um texto reduzido
Não cabe a sua carreira.
Agradeço a Vó Maria
A permissão pra falar
De si e da sua obra
Um pouco. E posso afirmar:
VÓ MARIA É PATRIMÔNIO
DA CULTURA POTIGUAR.
Rosa Regis
Natal/RN – 14 de fevereiro de 2021