O ANJINHO KAUÃ

Uma Ser que marcou minha vida

se parecia cum anjinho,

Kauã ainda engatinhava

porque era um bebezinho;

Ele tinha uma aura de luz

como o menino Jesus

sendo ele o meu Sobrinho.

Eu ficava deitado na rede

quando o Kauã chegava,

Abria os meus braços e a mãe

no meu colo lhe colocava,

Ficando ele muito alegre

quando eu a balançava.

Às vezes quando a mãe de Kauã saia

eu ficava cuidando dele,

Pra fazê-lo parar de chorar

Só mimando ele;

Fazia careta e ele sorria

corria e ele me perseguia

vigoroso e não imbele.

Eu o pegava nos meus braços

e o lançava um pouco pru alto,

Quando o Kauã descia

de ânimo ficava lauto,

Já me tocando e sussurrando

querendo voltar pru alto.

Nós brincávamos de bola

eu jogava e Kauã me devolvia,

Nesse tipo de vôlei

a bola todo tempo caia;

E quando ele jogava a bola pru ar

surgia o brilho no seu olhar

expressando muita alegria.

Às vezes eu o colocava nas minhas costas

e imitava o rinchar dum jumento,

Com o Kauã segurando meus cabelos

e cheio de contentamento,

Ele me guiava pela a casa

sem sair da parte de dentro.

Kauã também gostava quando

eu me escondia atrás dum cortinado,

E aparecia fazendo careta

ficando ele bem fascinado,

Esbravejando o seu sorriso

Que me deixava bem tranquilo

E os meus males acuado.

Kauã gostava de tomar banho

numa bacia bem peladinho,

As cuias d’água qu’eu jogava

lhe deixava bem contentinho,

E em êxtase ele saltitava

pulando como um tiziuzinho.

Bastava em enrolá-lo na toalha

pra Kauã começar a chorar,

Não aceitava o fim do banho

pois insistia em continuar;

A se manter dentro da bacia

com o patinho na água fria

enquanto água eu metia a jogar.

Toda vez que eu jogava água nele

Kauã sentia um êxtase de prazer,

Saltitava, sorria e pulava

sendo como o alvorecer,

Cuja a luz extinguia o breu

que assomava o meu ser.

Além de brincar e tomar banho

ele gostava muito de mamar;

Quando o Kauã mordia o seio

trabalho dava pra mãe tirar;

Aquela boquinha do seu peito

que produzia menos efeito

que o belisco da lagosta do mar.

Kauãzinho tinha uma irmãzinha

sendo ela mais veia que o Anjin,

Uma vez a vi em casa

pegando-o com os seus bracin,

Segurou ele como gente grande

até deixa-lo aperreadin.

Kauãzinho bateu nos peito dela

querendo sair daquele aperto,

Murmurava e dava soquinhos

contra o outro peito;

Pra sair dos braços da irmã

que exercia um grande afã

apertando o pimpolho sujeito.

Se ele não apreciava a sua irmã

era diferente com o seu genitor,

As brincadeiras com seu papai

lhe rendiam muito humor,

Pelo fato de serem estranhas

porém cheias de amor.

Era de praxe eu ver seu papai

pegá-lo pela barriga e os joelhos,

Pondo uma mão em cada parte

imitava sons de tiroteio;

Com Kauã erguido na horizontal

bramindo risada imperial

e de êxtase estando cheio.

Quando ele colocava seu filho

sob o tanque do motociclo,

O Kauãzinho se empolgava

pra pela rua fazer um giro,

Puxando a camisa do seu pai

e ansiando o desconhecido.

Sempre que ele via o seu pai

Kauã corria prus seus braços,

Nem a força nuclear forte

era mais forte qu’esse laço;

Quando o pai voltava do trampo

Kauã pra ele era um pirilampo

que expulsava seu breu de lasso.

Inúmeras vezes presenciei

Kauã nos braços da minha mana,

Distraído até que o seu pai

aparecia como uma flama,

Kauã estendia os bracinhos pra ele

em vontade soberana.

Às vezes a família se reunia

pra fazerem algo juntos,

Na lanchonete, sítio ou restaurante

eles se divertiam em conjunto;

Nas fotos eu via Kauã de bonezinho

olhando pra lente e contentinho

e isso não tinha sunto.

O Kauã tinha muito medo

de alguns bichos e insetos,

Que apareciam na sua frente

e o deixava muito inquieto,

Ele corria pru colo d’alguém

quando via o oposto do belo.

Se todos nós nos machucamos

o Kauã não era diferente,

Vez e outra este anjinho

em casa sofria acidente;

Que muito nos assustava

mas ele logo se recuperava

e sorria alegremente.

Uma vez eu presenciei

ele descendo uma escada,

Kauã descia com cautela

quando sofreu uma deslizada,

Rolando dois degraus abaixo

no fim caindo em chorarada.

Logo logo nos acalmamos

vendo que não foi grave,

A sua mãe o pegou no colo

e deu-lhe uma aeronave;

Mas o choro ele continuou

até que o seio ela mostrou

e ele agiu como um engate.

Ligando a sua boca no seio

ele parou de chorar de vez,

Concluído a amamentação

engatinhou com rapidez,

Animado para brincar

e sem nenhuma timidez.

Naquele tempo além de mamar

Kauã só comia mingauzinho,

Além de beber na mamadeira

porque não tinha os dentinhos;

Mas o tempo foi passando

enquanto fui observando

a evolução do meu sobrinho.

Quanto mais desafiava a gravidade

mais Kauã deixava de engatinhar,

Um dia vi-lo atravessar o corredor

usando a parede pra se apoiar,

Andando cautelosamente

Sem deixar nada lhe intimidar.

Até que um dia ele conseguiu

vencer a Lei do Físico Inglês,

já andava e corria

só que não falava português;

As suas onomatopeias

isenta de prosopopeias

eram mais claras qui’ú javanês.

Nesse tempo quando ele ia pra casa

geralmente de manhãzinha,

Eu dormindo abria os olhos

sendo afagado pelas mãozinhas,

Do Kauã que logo corria

saindo mais ágil que vinha.

Uma vez ocorreu um acidente

ele caiu da altura da minha barriga,

Bateu de costas no chão

comecei a gritar em agonia;

Enquanto via ele chorar

por dos meus braços desabar

a culpa crua me feria.

Todo mundo veio até a sala

mas tudo ficou logo bem

A mãe pôs ele pra mamar

até deixar o Kauã zen,

Depois ele sorriu e andou

bem rápido como um trem.

Eu usava o aclive da calçada

pra fazer ele descer por ela,

Usando o seu velocípede

e mais lento que uma fera;

O Kauãzinho descia rápido

igual skate desembestado

atropelando minis crateras.

Por vezes eu e Ivanilson:

o meu amigo e vizinho,

Pegávamos uma bola

e levávamos Kauãzinho,

Pra brincar na calçada

jogando um vôleizinho.

Um de nós a jogava pra ele

e geralmente ela caia no chão,

Kauã ia até ela e s’abaixava

pegando-a com as duas mãos;

E ansioso nós dois ficava

vendo pra quem ele a jogava

repleto de satisfação.

Depois dele ter aprendido a andar

transcorreu bastante tempo,

Os bolos de leite que eu fazia

enchia-o de encantamento,

Kauã comia gulosamente

animado e bem sedento.

A frequência com que Kauã ia em casa

começou a diminuir,

A alegria que ele me transmitia

Fui deixando de sentir;

Já meio vazio de sentimento

sua falta trouxe-me desalento

e notícias busquei adquirir.

Um dia eu fazendo um bolo

sua mãe apareceu na residência,

Me disse que ele tava doente

demonstrando impotência,

Com seu vigor e energia de anjo

em estado de dormência.

No semblante e na voz da mãe

havia uma sutil aflição,

Em dúvida eu fiquei

sobre o que sentia seu coração:

Uma angústia não perene

tristeza típica de gente

ou um presságio da escuridão?

Como uma mãe que ama seu filho

ela percebeu que ele passava mal,

Nos primeiros sinais de fraqueza

levou o Kauã ao Hospital,

No Sancho Leite ele foi atendido

de forma rápida e superficial.

Segundo ela o seu Filhinho Kauã

não estava mais traquino,

Os fármacos qu’ele tomava

não ajudava o pequenino;

E aquilo fez eu a ter visão

de nuvens cor de alcatrão

sombreando o meu destino.

Minha irmã pegou uma fatia de bolo

e o pôs dentro de uma vasilha,

Chamando-me pra ir visita-lo

lhe declarei que depois ia,

Sustentando uma fé na cura

e mascarando minha agonia.

Ela continuou vindo em casa

enquanto meu pavio se acabava,

Sendo qu’esta luz da bonança

o breu da tristeza apagava;

Onde a paz era diminuída

a vida ficava intranquila

e o som dos corvos aumentava.

A mãe e a sua cunhada se reversavam

cuidando o tempo todo dele,

Com o pai de Kauã viajando

-vendendo lençóis e redes -

Não sei se este tivera sabença

do estado de saúde dele.

Só sei que depois de cinco dias

sem eu e o Kauã se encontrar,

Fui de repente na sua casa

afim de lhe visitar;

Lá vi-lo com um brinquedinho

nos braços na mãe e peladinho

enquanto ela fazia cozinhar.

Pegando-o nos meus braços

vi que o Kauã tava enervado,

Lançei-o um pouco pra cima

mas ele se manteve desanimado,

Minhas tentativas de anima-lo

somente deram errado.

O Kauã estava pálido

bem mais do que o normal,

Questionando a sua mãe

sobre o que houve no hospital;

Disse-me que lá foi tudo óbvio

a começar pelo diagnóstico

de uma virose trivial.

Me escondi de trás dum cortinado

depois surgindo de trás dele,

Ao invés do Kauãzinho sorrir

manteve uma expressão imbele,

Em seguida fiz umas mímicas

mas não vi alegria nele.

Joguei uma bola pra ele pegar

mas Kauã se manteve parado,

Eu querendo erguer seu astral

só pra deixa-lo animado;

Pus ele na rede e a balancei

depois no velocípede e o acelerei

sem obter bom resultado.

Fui pra casa e deixei ele lá

sob a tutela da sua mater,

Só que uns cinco dias depois

o Kauã eu voltei a ver,

Cuja aquela imagenzinha dele

até hoje marca o meu Ser.

A sua mãe tinha chegado com ele

o Kauã estando nos seus braços,

Dos seus olhinhos saia remela

além de estarem amarelados;

E também bem sonolentos

sem o outrora portento

daquele anjinho imaculado.

Ela levou Kauã pru Hospital Sancho Leite

e soube eu naquela manhã do dia,

Que após ele receber o diagnóstico

pru Hospital Regional de Patos partia,

Afim de receber tratamento

devido a sua pneumonia.

Havia tempo que eu tava em casa

E de tarde Léo Dimas lá chegou,

Léo trabalhava no Sancho Leite

E vi que meu pai muito chorou;

Na porta quando lá apareci

Indaguei meu irmão e dele ouvi

La noticia que me assombrou:

Sobrinho Kauã deixou a Terra

O Anjinho voltou pra onde viera

No Reino dos Anjos ele entrou.

Me lembrando daquele tempo

Assim suponho que foram três,

Reuniões no consultório médico

Tinham sido feitas por vez;

Infelizmente só foi na terceira

Na análise a médica foi certeira

Só que o destino não foi cortês.

Quando fomos na casa da minha irmã

um pouquinho de tempo passou,

Até que o carro da funerária veio

e o caixãozinho lá chegou,

Ao lado dele estava a mãe

que foi a que mais chorou.

Foi quando botaram o caixãozinho na sala

que vi o defunto do Kauãzinho

Flores se estendiam dos pés

até o alto do seu rostinho;

Que afagando minha irmã dizia:

-como pude ter a desdita

de perder o meu anjinho!

A visão dela acariciando o rostinho

me deixava com dó da minha irmã,

Que sentada ao lado do caixãozinho

Estava em estado malsã,

Sussurrando sem parar:

- Acorda Kauã....

Aquele estava sendo um dos piores

dias da minha vida,

Pois pela a primeira vez

não via um átomo de alegria;

Pois além de mim

com a morte do meu Subrin

quase todo mundo sofria.

Só minha sobrinha se mantinha normal

andando pra lá e pra cá,

cuja normalidade

vinha da sua ingenuidade singular,

Quanto a eu e os meus irmãos

ficamos sentado no sofá.

Horas depois o pai chegou

já imergido no desalento,

A visão do defunto do filho

lhe enterrou no sofrimento;

E inconformado ele disse:

- se Deus existisse

meu filhinho taria vivendo!

Naquela noite ao invés de dormir

só fiz chorar em cima da cama,

A partida de Kauã fez com que

fosse apagado minha chama,

De alegria que provinha dele

agora extinta flama.

Na manhã seguinte foi o enterro

e tudo mundo estava lá,

Mãe consolava a minha irmã

que não parava de chorar;

Quanto ao meu pobre cunhado

coitado

só faltou ele surtar.

Parentes próximos e distantes

amigos da minha mãe e do meu cunhado,

A tragédia pegou-lhes de surpresa

deixando todos desamparado,

Quem amava o Kauã em vida

agora sentia muito amaro.

No caminho até o cemitério

eu segurava num lado do caixãozinho,

Junto comigo era mais três

levando o defunto do Kauãzinho;

Enquanto a esposa ficou em casa

o marido perto de mim andava

sofrendo pela morte do filhinho.

Quem não chorou durante o caminho

se emocionou no começo da tarde,

O caixãozinho entrando no túmulo

gerou silencioso alarde,

Cuja a dor descia pelos olhos

dos que só tinham pesar na face.

Terminado o funeral

nós voltamos pra residência,

Meu cunhado e minha irmã

com pesadas consciências;

Em casa decidiram passar o luto

afim de obterem o usufruto

da diminuição da sofrência.

Perto da tarde do dia seguinte

fui pru sítio do meu progenitor,

Lá nem o silêncio e a natureza

amenizou a imensurável dor,

Que maltrata todo aquele

que perdeu quem muito amou.

Horas depois voltei pra casa

e vi a minha irmã na sala,

Cheirando uma roupa do anjinho

enquanto ela chorava;

E ao meu ver me abraçou

dizendo que ainda não aceitou

a morte do filho que amava.

Ela colocou um prato de sopa

e me disse que Kauã gostava daquilo,

Lágrimas descia dos seus olhos

estas não sendo de crocodilo,

Só entendia a dor daquela mãe

quem também já perdeu um filho.

Durante todo esse tempo

eu não vi o meu cunhado lá,

Minha irmã saiu e pai apareceu

vindo de imediato me contar:

-Tu num sabe o que aconteceu

pois o meu genro enlouqueceu

Depois ficar bebo no bar.

Quase que ele ia sendo atropelado

bem lá na pista da Central,

Se eu não o tivesse convencido

ali seria o seu final,

Pois ele se jogava nos carros

em agonia infernal.

Quem tava lá viu tudo

mas ninguém quis intervir,

Se eu não tivesse interrompido

ele teria morrido ali;

fui até ele e ele me disse:

“se Deus existisse

o meu filho estaria aqui”.

Ele tinha perdido a cabeça

sem ela se separar do pescoço,

Foi preciso eu tomar atitude

sendo ignorante e grosso,

Pus ele à força na carroça

e trouxe de jegue o moço.

Pai disse que ele tava estirado

bem lá no quarto do meio,

Horas depois ele apareceu

e andou em saracoteio;

Passou na sala indo pru muro

o dia estava bem escuro

até que um ruído me veio.

Era o som do amolar de faca

vindo lá do final do muro,

Fui lá e vi o meu cunhado

sintonizado com o obscuro,

Enquanto amolava a adaga

segurando-a bem seguro.

Contei o que vi pru meu pai

e este foi até ele,

Depois meu cunhado voltou

com explícita dor nele,

vinda da ferida insarável

da perda inaceitável

que foi a morte do filho dele.

Depois ele foi pra sala

pru lado da minha sobrinha,

Ele e a mãe com ela no meio

alisavam a face da filhinha,

Esta lhes deram razões pra viver

ao distancia-los do fim da linha.

O tempo se foi passando

e fomos levando a vida,

Quem foi afetado pela tragédia

ficou com a alma ferida;

Em forma dum terrível trauma

que pesou na caminhada

de quem amava o Kauã em vida.

Santo André, 24 de Fevereiro de 2021

Helenilson Martins
Enviado por Helenilson Martins em 24/02/2021
Reeditado em 27/02/2021
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