DESABAFO DO CORNO MANÉ CANGAIA

Eu me chamo Manuel

Da cidade de Sapé

Me casei com Florisvalda

Filha caçula de Zé

Esta maldita infeliz

Se tornou minha mulher.

Hoje em dia perdi a fé

De voltar pra minha terra

Posso ser morto por lá

Na faca, de foice ou serra

Quero só desabafar

Feito bezerro que berra.

A mãe dela só me ferra

E diz: - Chico é cretino!

Senhora Nair continua:

- Te chamava de sovino

Dele tu levastes pisa

Tocastes o grande sino!

Florisvalda sem menino

Fez devoção com igreja

Lá se envolveu bem direito

Oh! Meu Deus que nos proteja

Chico Tripa era seu nome

A beata lhe corteja!

- O sacristão me deseja!

Cínica, é condenada

Dizer sem ter o pudor

Que tamanha desgraçada

Não respeitou nem o título

De fiel super casada.

Fincou-me bela chifrada

Igual surra de chulipa

Me dá tristeza até hoje

Quando lembro lá de Pipa

Penso naquela pousada

Apanhei com pau de ripa.

A seita de Chico Tripa

Não tomou conhecimento

Fez desconhecer meu drama

De todo meu sofrimento

Indiferente no caso

Restando constrangimento.

Florisvalda Nascimento

No começo do casório

Desvaloriza marido

Adentrando no cartório

Chifre dos pés à cabeça

Quase vou pro sanatório.

Sacristão tem ofertório

Coordenando reuniões

O bicho pegava todas

Nestas várias ocasiões

Caiu nessa, Florisvalda

Vivendo das emoções.

Centenas humilhações

Naquele bairro passava

Tendo muito desprezo

Tanta tristeza chegava

O meu retrato chifrudo

Gente no poste colava.

A cabeça suportava

Maldição tão verdadeira

Florisvalda, a santa Mãe

Que se tornou cangaeira

Digo que faltou coragem

Lhe respeitei vida inteira.

Sacristão na bandalheira

Tome cheiro no cangote

A safada derretia

Tomando água de pote

Chico Tripa era sabido

E soube bem dar o bote.

Seu peito ficou caçote

Tripa só amolengar

Experimento que falo

Mas tenho que lhe contar

Hoje ela mora bem longe

Me deixe continuar.

Muito triste ficar

Abraçando com meu filho

Assim choramos nós dois

Sem perdermos nosso brilho

Sabemos que narrativa

É como trem solto em trilho.

Frangote sem empecilho

De prontidão desconfiei

Cagado e cuspido o cabra

Francisco, o nome botei

Sua mãe nega até hoje

A verdade te contei.

Bem me lembro que passei

Acredite meu querido

Florisvalda sem cabeça

Fez nosso amor esquecido

Porque sou corno Mané

Me sinto desprotegido.

Chico magrelo fingido

Na cama quente na brasa

Dava quatro numa noite

A fêmea: - Você arrasa!

Comigo só frigidez

Naquela tão bela casa!

Este fato todo vaza

Entenda meu desabafo

Sempre reclamava tudo

Daquele meu simples bafo

Depois deste certo tempo

Ficou somente no abafo.

Tudo não passa de gafo

Pois, estou quase chorando

Que ela nunca se entregasse

Pelo que vinha passando

Cada lágrima nos olhos

É um rio desaguando.

Que continuem se amando

O destino cada um traz

Torço, portanto pro bem

É assim meu bom rapaz

Chico Tripa deixa a bata

Na fazenda, capataz.

Cangaia tanto mal faz

Na coluna vertebral

Não reclamo dessas dores

Fazendo um abdominal

Sou formado nessa vida

Tenho o curso do Mobral.

A Florisvalda imoral

Nunca tenho como sair

Tento negar para o mundo

Corro, difícil fugir

Fique filho bem atento

Não vá daqui escapulir.

Cangaia dói por sentir

Entra nos rins do idiota

Vivo pedindo dinheiro

Apanhei de um agiota

Quando olhei, era sim, o Chico

De cinto, de ouro e de bota.

Satanás quer sua cota

Sabendo da precisão

Fiquei somente devendo

Quase morro de paixão

Veja no que passa o pai

Mesmo depois da traição.

Choro sem ter coração

Não sei expressar minha dor

Pra criar filhos assim

Não peço nenhum favor

Este tempo tá mudado

Fala assim Nosso Senhor!

Nunca fome se passou

Crio com tranquilidade

Fique meu filho sabendo

És semente da maldade

O vício que dela brota

É soma da crueldade.

Nesta vil simplicidade

Quero tanto ver a lua

Sei que é muito tarde

Nunca terei a vida tua

Se compreendes enredo

Acharás a vida crua.

Banca de jogo na rua

De baralho ou dominó

Encontrarás o teu pai

Ou talvez no xilindró

Se quiseres conhecer

Procuras no pôr do sol.

Esqueça sim, esse nó

Seja rebento mais forte

Nem vivo, penso ficar

Preferindo só a morte

Agora tu tens dois pais

És um menino de sorte.

Vamos pra banda do Norte

Desbulhando a trajetória

Não sei qual a conclusão

Desta tão simples história

Fique também à vontade

Buscarei minha memória.

Não temos escapatória

Vou respirar bem profundo

Olhando bem alto o tempo

Me fiz lembrado no mundo

Muitas vezes por fraco

Outras sendo vagabundo.

Porém, pecador imundo

Pior que receber vaia

É ter a cara mais lisa

Tudo num rabo de saia

Pois, onde tiver um corno

Lá está Mané Cangaia.

F I M

João Pessoa-PB, 07 de maio de 2007.

BENTO JUNIOR
Enviado por BENTO JUNIOR em 22/02/2021
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