MERCÊS ESTÁ MORTA
Há um massacre em curso
Aborda então os pastores
O Cordel tenta falar
Na linguagem dos horrores
Buscando saber dos fatos
Pra estudo dos doutores.
Muitos pesquisadores
Falavam de Mercês Morta
Encontrada debruçada
Próximo daquela horta
Toda cravada de bala
Que a deixou de boca torta.
Primeiro tiro na porta
Quem atirou foi um freguês
Vestido de capa preta
Acertou em cheio a Mercês
Cambaleando em soluços
Mais disparos de um burguês.
Ciscou galinha pedrês
Que tinha o nome Baleia
Saiu gritando bem alto
Acordou a filha Sereia
Naquele cantar tristonho
Advindos dessa pareia.
Aquela noite clareia
Como trem com seus faróis
Pescadores em atritos
Perdem até seus anzóis
Foram cobrir a Mercês
Com quatro grandes lençóis.
Quem terá sido o algoz
Que praticou malefício
Matando a pobre Mercês
Num terrível sacrifício
Aquele burguês foi amante
Freguês deste meretrício?
A Mercês num sacrifício
Que agradava os imigrantes
Mas com ela convivia
Tantos seres intratantes
As meninas da taberna
Eram todas cartomantes.
Liam as mãos alarmantes
Que apelavam pro distrato
Deixando os machos raivosos
Com a quebra de contrato
Imigrantes chiavam:
- Mostre-nos este extrato!
Mercês tirava retrato
Pintava com seu pincel
Aquele antro de covardes
Foi por si só um cartel
Aquelas jovens tão belas
Formavam nobre plantel.
Os buchudos do quartel
Queriam toda a fruta
Muitas negociadas
Naquela tremenda truta
A vida daquela gente
Era de fachada bruta.
Aquela casa na gruta
Serviu pra tanto resgate
Milícias de prontidão
Travavam tanto debate
O que fazer no momento
Deter aquele embate?
Eles queriam combate
E pensavam na embalagem
Matar todo imigrante
E arrancar a cartilagem
Expondo na praça nova
Toda essa camuflagem.
Garotas da regulagem
Numa forma tão ligeira
Juntas e sem exceção
Foram rumo à cachoeira
Com munições do paiol
Apoiadas na capoeira.
O Mestre Zunga Ribeira
Entendedor da matéria
Casado e frequentador
Deste pecado e miséria
Queria ter o assassino
Foi ouvindo tanta pilhéria.
No momento a bactéria
Se estendia pela tenda
As mulheres se uniram
Numa grandiosa venda
Pegaram dos seus maridos
A sua chave de fenda.
Isto virou grande lenda
Naquele corpo coberto
Mercês exala o fedor
Praquele povo liberto
As filhas de criação
Imploravam: - Sangue aberto!
Um capoeirista esperto
Deste ato tirou uma foto
Documentou o episódio
E suplicou a cada, o voto
A confusão estava feita
Gritos em cena: - Eu boto!
Tem que ter urna, eu noto
Num ritmado como adágio
Multidão contra os canalhas
Tinha feito até estágio
Não se viu tantas armas
Febre tornando contágio.
Gente na fila em pedágio
Se somando até Carvalho
Que com a boca explodia
Usando o nome caralho
Neste local de prazer
Virou praça do baralho.
O velho Antônio Encalho
Com seu irmão Chico Valdo
Usando uma carabina
Não sobrou nem o caldo
As mortes nesta cachoeira
Tiveram um grande saldo.
Nem precisaram de laudo
Estou sendo bem sincero
Soldados milicianos
Que nunca, jamais venero
População enraivecida
Instigava: - Não tolero!
A cachoeira do Bolero
Como tudo era possível
A maldade sucumbida
Naquele instante cabível
As meninas do cabaré
Naquela força tangível.
Revolta, porém, incrível
Deixava sangrando a terra
Cada povo invasor
Chegando junto se ferra
Milicos que matavam
Foram mortos pela serra.
Mercês como bode berra
Carro de boi na estrada
População melancólica
Pegou logo sua enxada
Massacrando assassinos
Lhe metendo a paulada.
O freguês que era Bolada
Degolado o miserável
Revolução feminina
Neste dia memorável
Imigrante mais covarde
Teve o final deplorável.
Neste tema mensurável
Se criou ali um ministério
Das decisões democráticas
Se tratando de adultério
O lugar teve reforma
Se acabou tanto impropério.
Foi preciso um cemitério
Documentado em tela
Pra enterrar os burgueses
Daquela cidade bela
No topo de uma montanha
Na gruta da mama Mela.
Povo vivia da rela
Esta foi sempre a fala
Mercês anfitriã dona
No museu tem sua bala
Guardada pros visitantes
Que ficam até sem fala.
Dizem que o Pedro Mala
Aquele temido crápula
Sumiu da grande gruta
E foi se encontrar com drácula
Este tema popular
Deixou no povo a mácula.
O nome Mercês é pápula
Ferida que não se caça
É povo que se aglomera
Naquela guerra de raça
Vinho bebido em vitória
Que se deglute na taça.
No lugar ninguém mais caça
Passarinho tem alpiste
O povo conta anedotas
Tristeza não mais existe
Quem quer ser o valentão
No mesmo tempo desiste.
Fica proibido ser triste
Naquele nobre conjunto
A não ser quando a vida
Torna o ente um defunto
Cordel no senso comum
Dar vez a qualquer assunto.