A COLA NOS SEIOS

No meu tempo de estudante,

Era tudo em modo antigo.

As mais gostosas lembranças

Guardarei sempre comigo.

Não havia violência,

Reinava grande inocência,

Ninguém corria perigo.

Algum risco até que havia,

Mas nada em comparação

Com a tal vida moderna,

Que ameaça o cidadão.

No geral, era suave,

Nada havia de mais grave.

Era a pura diversão!

Rolavam sempre paqueras,

No recreio e na saída.

Todo mundo ali sonhando

Com o amor de sua vida.

Tudo com bastante jeito,

Para não faltar respeito

E ver a coisa perdida.

Certas garotas pra frente

Fingiam que davam bola,

Mostrando certo interesse

Por um colega escola.

Era apenas uma tática,

De safar-se em matemática

Pegando dele uma cola.

Falando em cola, me lembro

De uma história bem marcante,

Envolvendo uma loirinha

E um professor implicante.

Todo mundo percebia,

Que alguma coisa haveria,

Naquele assédio constante.

Professor de matemática

Tinha fama de durão,

Não era de muita graça,

Gostava era de equação.

Enchia o quadro de conta,

A turma acabava tonta,

Sem aprender a lição.

Com a loira era pior,

Pois era um tanto tontinha.

Com número e operações,

Afinidade não tinha.

E o professor, Zé Mané,

Pegava sempre em seu pé,

Muito mais do que convinha.

O certo é que a tal aluna

Era um encanto de fato.

Corpo já bem definido,

Garota de fino trato.

Um vestidinho apertado

E, além do mais, decotado,

Desenhando um V exato.

Sendo muito extrovertida,

Bulia com a sala inteira.

Mas do que mais eu gostava

Era, quando, na carteira,

Para escrever, debruçava.

Todo mundo, então, ficava,

Da loucura, quase à beira.

E o professor, satisfeito,

Observando o cenário.

Devorava a garotinha,

Com o olhar mais ordinário.

A turma inteira observava,

Mas falar não arriscava,

Que ninguém seria otário.

Sem maiores consequências,

As aulas iam passando.

A garota no seu canto,

A turma inteira estudando.

Sempre um ligeiro temor:

E a prova, professor?

Será de que forma e quando?

Chegando o dia esperado,

Daquela prova temida,

Todo mundo concentrado,

Tentava achar a saída,

Para ser logo aprovado,

Finalmente liberado

Para ser alguém na vida.

O professor, lá na frente,

Fingia ler um romance,

Mas, da turma enfileirada,

Não perdia nem um lance.

Nenhuma cola rolava,

Pois ninguém ali pensava

De ao azar dar uma chance.

Mas a moça foi ficando,

Sempre mais angustiada.

Pelo jeito, da tal prova,

Ela não sabia nada.

Pegou com máximo jeito,

A cola que tinha feito,

Por sobre a perna dobrada.

E de forma sorrateira

Foi consultando o papel.

A prova já quase pronta,

Mas o professor cruel,

Foi chegando de mansinho

E pediu o papelzinho,

Sem fazer muito escarcéu.

Pois, a garota vexada,

Mas sem demonstrar receio,

num gesto muito ligeiro,

guardou a cola no seio.

O professor, alterado,

Se plantou ali do lado

E o negócio ficou feio.

Ordenou para a menina,

Em tom de severidade,

Que ela lhe entregasse a cola

Por espontânea vontade.

Caso contrário, seria

Ele quem a tiraria,

Pela sua autoridade.

A menina reagiu

Contra aquele desrespeito.

Eu sei bem dos meus deveres,

Mas conheço o meu direito.

Vou lhe quebrar o nariz,

Se o senhor for infeliz,

De pôr a mão no meu peito.

O homem, descontrolado,

Sentiu da raiva o calor,

E decidiu convocar,

Presença do diretor.

Mas nem teve precisão,

Pois, com tanta confusão

Ele já estava ao dispor.

Nesse intervalo, a garota

Pegou o papel dobrado,

Me passou e, no caderno,

Escondi bem despistado.

Quando o diretor, tranquilo,

Quis saber o que era aquilo,

Estava tudo acabado.

O professor explicou

Que a loira tinha guardado

A cola por entre os seios.

E que ele foi ameaçado

De levar tapa na face,

Se, por acaso, tentasse

Pegar o papel dobrado.

A menina então cresceu

Invertendo a acusação.

Reclamou com o diretor

Da grande perseguição

Que todo dia passava.

Que o homem a devorava

Na mais feroz obsessão.

Levantando-se, nervosa,

Foi à frente e falou, brava

Que ia mostrar para todos

Que a cola ali não estava.

Já começava a mostrar

e o diretor pra encerrar

falou que nem precisava.

Depois daquela bagunça,

Professor advertido.

A loira – tristeza nossa -

Não pôde usar mais vestido.

Mas, naquela noite, em casa

Cheguei com meu rosto em brasa,

Pelo fato acontecido.

Abri meu caderno, então,

E senti da loira o cheiro.

Percebi forte influência

Me invadir o corpo inteiro.

Peguei, com todo cuidado,

Aquele papel dobrado

E pus sob o travesseiro.

Quando o dia amanheceu

Saí da cama apressado,

Pra fazer todo serviço

Por meu pai determinado.

Minha irmã no quarto entrou,

E bem dobrado encontrou

O tal papel perfumado.

Achando bem divertido

Ficou fazendo pilhéria.

Eu lhe disse, já sem jeito,

Que aquilo era coisa séria.

Era forma muito boa

Para ajudar a pessoa

A decorar a matéria.

Não sei se ela acreditou,

Mas perdi logo o receio.

Por mais de duas semanas,

Fiquei naquele aperreio.

Quando à noite me deitava,

Sem falha, sempre lembrava.

Aquela cola no seio.

Bela e honrosa interação do poeta Edson Oliveira.

Caro Fernando Belino,

que história bem contada!

Seu cordel está perfeito,

não está faltando nada.

Minha escola também tinha

uma bonita loirinha,

paixão da rapaziada!

Fernando Antônio Belino
Enviado por Fernando Antônio Belino em 14/01/2021
Reeditado em 31/01/2022
Código do texto: T7159911
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