A VIZINHA DONA EMÍLIA

Foi quando vim pra Santo André

que passei a nutrir devoção,

Pela nova vizinha que conheci

que se fixou no meu coração;

Esta sendo a Dona Emília

que toda vez que me via

sorria e acenava com a mão.

Dona Emília era uma senhora

que tinha o saber dum ancião,

Eu sempre via ela bem ali:

fumando detrás do seu portão,

E quando nos encontrávamos

só havia espaço pra emoção.

Vez e outra eu ia no portão

e ela começava a dissertar,

Sobre os saberes de vida

adquiridos no seu caminhar;

Eu ouvia seus ensinamentos

sobre alegrias e tormentos

que muito teve a me ensinar.

Um dia de noite eu estava

voltando pra casa já cansado,

Ao me ver na rua ela apontou

um dedo pru céu estrelado,

Olhei pru alto e vi um eclipse

que me deixou fascinado.

Eu e a Dona Emília nos abraçamos

e ficamos a observar no firmamento,

O brilho da lua diminuindo

como o sol poente em andamento;

Até que a luz do astro voltou

e a Dona Emília se iluminou

cheia de encantamento

Outro dia eu estando na garage

ouvi um som de baque no chão,

Fui no jardim e levei uma sacola

apanhando lá um abacatão,

Levei o presente pra Dona Emília

e ela sorriu em gratidão.

Aqui é mais do que anormal

atenderem mendigo na porta,

Mas pra Dona Emília não era

porque ela era muito bondosa;

Uma vez vi uma cena bonita:

ela dando a ele uma marmita

Enquanto sorria contentosa.

No dia que minha irmã morreu

contei pra Dona Emília o ocorrido,

Bastou eu ouvir suas palavras

pru meu tormento ser esvaído,

Aqueles dizeres de conforto

de paz havia me enchido

Às vezes eu acordava cedinho

e via Dona Emília no amanhecer,

Fumando detrás do seu portão

dando tragadas com prazer;

De óculos e cigarro na mão

com sorriso e bom coração

embelezando o alvorecer.

Era da janela do meu quarto

que eu avistava seu quintal,

As cenas que dali presenciei

também foram pru memorial,

Este dedicado a Dona Emília:

sinônimo de Aurora Boreal.

Um dia avistei da janela

um pequeno e uma pequenina,

No quintal com a Dona Emília

que os chamavam de pestinhas;

Ambos corriam pra lá e pra cá

ela os perseguia sem parar

parecendo outra criancinha.

Noutro dia enquanto chovia

a Dona Emília fumava no quintal,

A fumaça se fundindo na neblina

dava um ar antípoda do bestial,

Cena poeticamente serena

atuada por alguém não galalau.

Tinha uma filha que morava com ela

mas as vezes esta “sumia” de lá,

E ficando a Dona Emília sozinha

eu só via a irmã lhe visitar;

Esta sendo a Dona Olga

Bela como a aurora

e sem o hábito de fumar.

Quando de trás do portão ela me via

Dona Emília fazia um gesto de abraçar,

Lançava as mãos envolta dos ombros

cujo gesto eu começava a copiar,

Assim nossas almas se abraçavam

apesar dos corpos não se tocar.

Ela era sempre muito simpática

comigo, sua irmã e todo mundo,

Não sei como ela era sozinha

mas diante de mim era jocundo;

Apesar da idade era agitada

um caráter airoso a imperava

de um jeito bem profundo.

Um dia desse ela me contou

sobre uma grande fonte de perigo,

Que era a luta entre as pessoas

que se travavam como inimigo,

E que não enxergava o próximo

cegada pelo egoísmo.

O tempo foi se passando,

Nosso laço se fortaleceu,

No decorrer de três anos

Dona Emília me embeveceu;

Com seu sorriso e compaixão

sarou feridas do coração

de traumas que me ocorreu.

Mas o clichê de toda história

é que todas têm início e final,

E o fim deste cordel chega

bem nas vésperas do natal,

era 2020 e eu saí de casa

quando obtive a notícia trágical.

Hélia era a filha de Dona Emília

E ela saiu pra fora da casa,

Lá no quintal andou em zigue-zague

Estava chorando e muito agitada,

Nisso outros vizinhos apareceram

Indo pra dentro desapareceram

Lá no interior da moradia;

Só quando a ambulância chegou

O enfermeiro com um desfibrilador

Na casa entrou em correria.

Meu vizinho saiu da casa dela

Assim eu fui lhe perguntar,

Relatou a mim o ocorrido:

Teve Hélia chegado e veio a achar,

Inerte a Dona Emília caída

Na grama do muro e sem vida

Só restou seu legado pra ficar.

Santo André, 8 de Janeiro de 2021

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Grato ao querido Poeta Olavo ter me presenteado com estas quatro maravilhosas interações:

(1ª)

O meu pai tinha uma mania

De não poder ver mulher

Que ele dava em cima

Para o que der e vier

Mas um dia se estrepou

Quando ele se engraçou

Com o que parece mas não é.

16 de Dezembro de 2020

(2ª)

Não basta ter só vontade

Se você tiver timidez

Não devemos ter receios

Por ter chegado a sua vez

Por que nunca irá se arrepender

Por ter gostado do que fez.

28 de Dezembro de 2020

(3ª)

O fim está chegando

E o início também

Vai embora todo mal

E se apresenta novo bem

Que todas vidas perdidas

Não assolem mais ninguém.

29 de Dezembro de 2020

(4ª)

Faz tempo que me mudei

Pra aquela cidadezinha

De gente simples e maneira

Que não saem da linha

Mas não pude me sossegar

Por bela loura admirar

Que hoje é minha vizinha.

8 de Janeiro de 2021

Também sou imensamente grato a grande querida Aila Brito por está belíssima interação:

D. Emília com certeza

Repousa agora no céu

Lugar bendito das almas

Que fez valer seu papel

Mulher benquista e honrada

Por esse vate exaltada

Num excelente cordel.

8 de Janeiro de 2021

Helenilson Martins
Enviado por Helenilson Martins em 08/01/2021
Reeditado em 05/12/2022
Código do texto: T7154730
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