Minha singela história

Suplico ao Deus das luzes

Senhor de toda a glória

Que ajude a este humilde

Iluminando a memória

Para poder versejar

Narrando a sua história

No ano quarenta e sete

Sendo do século passado

Janeiro dia vinte e três

Nasci e fui  bem amado

La na fazenda Torada

A minha mãezinha amada

Me dava leite de gado

De numerosa família

Filho de Chico Amorim

No cartório é Francisco

Deixe-me explicar assim

Homem de grande valor

Deu a todos muito amor

E também o deu a mim

Lembro muito minha mãe

Trago na recordação

O seu nome é Amélia

Mulher de grande visão

Ela teve vinte filhos

Criou dezesseis nos trilhos

Com amor no coração

Eu sempre fui sonhador

Desde o tempo de menino

Mesmo na luta de casa

Só fiz alguns desatinos

As mangas jasmin furei

Os açudes arrombei

Apanhei igual ao sino

Pois foi, deixe eu contar

Eu sai de casa cedo

Fui ao sítio de manhã

De nada eu tinha medo

Na baixa de arroz passei

Vários baldos encontrei

Pensei que era brinquedo

Arrombei achei bonito

Gostei daquela enchente

Muita água escorrendo

Prossegui e fui em frente

Fui a todos arrombando

Água bem fria rolando

Por cima dos pés da gente

Cheguei na mangueira em frente

Bem no meio do baixio

Procurei mangas maduras

Naquela hora de frio

Eu não encontrei nenhuma

As verdes de uma em uma

Furei, veja meio feitio

Fiz a volta na mangueira

Não subi, fui pelo chão

Fui furando com a unha

Veja só a minha ação

Inocente, ia furando

As mangas atrás chorando

Igual leite de pinhão

O meu pai por lá passou

Conheceu minha pegada

Voltou pra casa irado

Com a cara avermelhada

Ai a pisa foi feia

Foi bem uma dúzia e meia

De grandes e boas lapadas

Baldos podiam arrombar

Mas não por meu intermédio

Mangas não iam pingar

Nem que fosse prá meu tédio

Oh  bicho bom é a peia

Não é santo de areia

Mas é um grande remédio

Aprendi me corrigi

Sem guardar nenhuma panta

A vida lá continua

Com café, almoço e janta

Lembrança de vida boa

Trabalhar cantando loa

Mas sem forçar a garganta

A escola era ao lado

Naquela casinha branca

Cartilha de ABC

Professora muito franca

As letras fui emendando

O estudo aumentando

No saber que alavanca

No inverno muita planta

Para limpar de enxada

A fazenda muito linda

Toda de verde pintada

Pois nascia a jitirana

Da cor do sitio de cana

Oh vida boa danada

O tronco do capim verde

O rebanho sempre cata

Um bezerro escramuçando

Quão ligeiro acrobata

Prá matar a nossa fome

Mamãe traz, a gente come

Um bom prato de batata

Nunca mais pude esquecer

O banho no açude em frente

Patos marrecos a nadar

Passando perto da gente

Duas casacas de coro

Repetindo em seu choro

Na disputa mais fremente

A continuação do estudo

Eu fiz sem nenhum responso

Estudei muito e aprendi

Nunca fui aluno sonso

Todo dia o trote lento

Cavalgando num jumento

Á cidade Almino Afonso

À noite a gente dormia

Na rede armada na sala

Bastava papai mandar

Calem! a gente calava

Só se ouvia um boi mugindo

O telhado refletindo

O cheiro da chuva rala

Na moagem ainda lembro

A garapa na panela

No gigante os bois rodando

Nunca esqueci a tela

O tangedor aboiando

O mel fervendo e pulando

Cheiro forte de gamela

Um dia eu escutei

A professora falar:

- Tem futuro, d. Amélia

O estudo continuar

Arnaud é inteligente

E será conveniente

Mandá-lo pra outro lugar

Mamãe depois me falou

Que em Mossoró havia

Uma senhora da família

Leitor, veja a sintonia

Era a minha madrinha

Que cedo já ido tinha

Morar lá e eu não sabia

Uma carta foi escrita

Para madrinha Didi

Gentilmente perguntando

Se eu poderia ir

Já respondeu de bom grado:

- Mande já meu afilhado

Para estudar aqui

Ainda lembro a viagem

Da fazenda à cidade

Fui com tio Zé Caetano

Amigo bom de verdade

O jumento vai andando

Do olho a lágrima rolando

Num soluço de saudade

Ainda quero dizer

Que uma juriti eu tinha

Criada numa gaiola

Lembrei disto agorinha

Acho que senti igual

Entre ela e o pessoal

A saudade da bichinha

Ao chegar na estação

Era tudo diferente

Ele comprou as passagens

A malota em nossa frente

O trem na curva gemendo

A fumaça descrevendo

Uma imagem plangente

Chegamos em Mossoró

Por volta do meio dia

Fomos ao destino certo

Que ele já conhecia

Fui muito bem recebido

Por todos muito querido

Mas a dor permanecia

Já na semana seguinte

Seguimos ao seminário

Para fazer umas provas

De conta e vocabulário

Exame preliminar

Para poder adentrar

Lá naquele educandário

Passados uns poucos dias

Recebi o resultado

Chegava um envelope

E dentro escrito aprovado

Foi grande a alegria

Já avisei em qual dia

Voltaria ao povoado

Que diferença tremenda

Há entre a vinda e a volta

Uma é muito dolorida

Na outra a dor se solta

Uma cantiga bem boa

O peito alegra e entoa

Para apagar a revolta

Ao chegar na estação

Da minha terra natal

Foi grande a recepção

Muita gente no local

Veio gente da fazenda

Outros da rua na agenda

Foi tudo muito legal

Na fazenda houve festa

Para todo mundo ali

No alpendre muitas redes

E também a juriti

Todos alegres falando

Ali me homenageando

Grande emoção eu senti

No seguinte fevereiro

Voltei para o seminário

Já bem mais acostumado

Já sabia o itinerário

Foi no dia dezesseis

Comecei  primeira vez

A estudar fazer rosário

Ainda lembro o local

Lá na praça do congresso

Vejo aqui na minha mente

Os três prédios eu confesso

É patrimônio tombado

Pelo meu peito marcado

No coração submerso

Ali passei quatro anos

De sessenta para a frente

Progredi nos meus estudos

Mas achei conveniente

Nunca tive vocação

Prá ser padre ou sacristão

Sair amigavelmente

Vamos situar no tempo

Eu só tinha quinze anos

Nunca tinha namorado

Era como um puritano

Ou como um botão em flor

No terreno do amor

Não tivera desengano

Fui prá casa de um amigo

O seu nome é Dãozinho

Ozinha é sua esposa

Foram pérolas no caminho

Casal bom e muito altivo

Talvez o diminutivo

Expressem este carinho

Um dia na padaria

Na rua Zé de Alencar

Passou uma moça bonita

Eu comecei a olhar

Perguntei qual o nome dela

Daquela linda donzela

Que jovem tão singular!

Depois eu soube é Núbia

Alguém ali respondeu

Se há amor à prima vista

Este amor ali nasceu

Sempre que meu olho a via

Coração forte batia

E ela correspondeu

Um dia nos encontramos

Na praça da conceição

Enquanto mais conversava

Mais aumentava a feição

O amor é uma semente

Que nasce dentro da gente

E cresce no coração

O amor tem seus percalços

Minha família não queria

Meu irmão veio de carro

Buscar-me um belo dia

Prá recife iam me mandar

Somente para estudar

Como o meu peito ardia!

Quando Deus traça um destino

Ninguém vai mudar seus planos

Em novembro, dia três

Daquele presente ano

Nos casamos na capela

Tão bonitos eu e ela

Juntamos os nossos panos

Foi na praia de tibau

A nossa lua de mel

Naquela paisagem linda

Que o amor abre o seu véu

Como ele é doce e quente

Que adoça e queima a gente

Como um forte fogaréu

Recordações ainda guardo

Do meu primeiro trabalho

Na cervejaria Brahma

Vi a cor do bom cascalho

A gente vai trabalhando

E o dinheiro vai pegando

Como a rede de tresmalho

Sessenta e sete o ano

Vinte e sete foi o dia

Lembro foi no mês de julho

Karla Michelle nascia

A mãe sofrendo e vai

Mas a dor quem sente é o pai

Como em mim isto doía

Esperei muito um filho

Mas nasceu menina linda

Não vou contar os detalhes

Mas de tudo lembro ainda

Vimos nossa filha amada

Em tanto tempo sonhada

E era muito bem vinda

Arranjei outro emprego

A despesa aumentava

Agora éramos três

O dinheiro já não dava

Na outra firma então

Fui pesador de algodão

Um pouco mais eu ganhava

Sessenta e oito era o ano

Eu pagava aluguel

Soube que havia casas

Lá no Walfredo Gurgel

Ainda lembro o dia

Que tive a maior alegria

Ao morar perto do céu

Foram tantas emoções

Que tive nesta mudança

Eu estava bem feliz

Nesta hora de bonança

A casa era pequenina

Eu, Núbia e nossa menina

Tempo de muita esperança

Foi naquele mesmo ano

Deus nos deu outro presente

Nascia Kaline Mirelle

Alegrando o lar da gente

Parto normal e ela vinha

Nossa segunda rainha

Mais uma flor lá presente

Já no ano de setenta

Tivemos copa do mundo

O Brasil foi tri-campeão

Não esqueço um segundo

Fato marcante viria

Abrimos a padaria

Projeto grande e profundo

O leitor veja a importância

Do projeto em nossa vida

Através dele podemos

Dar proteção e guarida

Na família investir

Poder também possuir

Mais bens, melhor acolhida

No ano setenta e um

Deus nos deu mais um presente

Nasceu mais flor na roseira

Perfumando o ambiente

Chegava  Kátia Samara

Que prá nós foi jóia rara

Alegrando toda a gente

Vi nesta época, leitor

Outra possibilidade

Pois o Banco do Brasil

Fez concurso na cidade

Trazia no peito um sonho

Mas faltei fiquei tristonho

Perdi a oportunidade

O governo neste ano

Construía o porto ilha

Núbia está na padaria

E eu fui por esta trilha

Na empresa Ribeiro Franco

Trabalhei tive um arranco

Naveguei na sua quilha

Sim, fazia o pagamento

Da folha em alto mar

Era grande o sofrimento

Toda semana ia lá

Pegava a lancha no cais

Balançava até demais

Chegava até a enjoar

O leitor sabe do arranco

Que falei ali atrás

É porque com o dinheiro

Que ganhei já fui capaz

As máquinas eu compraria

Para a minha padaria

Veja como a gente faz

Industria estruturada

Já nos deu a condição

Produto de qualidade

Aumento de produção

Tudo era de primeira

Pude vendê-los nas feiras

De toda a região

No ano setenta e quatro

A empresa paulistana

Concluiu o porto ilha

Eu sai, peguei a grana

Investi na residência

Primeiro andar excelência

Tudo bonito e bacana

Melhorou a condição

O negócio expandido

Socorremos muita gente

Ao meu povo tão querido

Várias casas fui comprando

A uns cedendo, ajudando

Deixando o povo assistido

Eu não sou pretensioso

E nunca fui egoísta

Não guardei grana em banco

Jamais fui acionista

Meu prazer era ajudar

Alegrei-me em alegrar

Eu sempre andei nesta pista

Em torno de sete casas

Eu comprei para os parentes

Além de emprego e terrenos

Deixando todos contentes

Socorro de grande monta

A Deus irão prestar conta

É bom deixá-los cientes

No ano setenta e nove

Mais uma filha pequena

Deus nos dava de presente

Era Kaliane Yslena

Com riso e simpatia

Trazendo muita alegria

Para todo o ambiente

No ano oitenta e um

Compramos casa em Tibau

Lá fizemos muitas festas

Veraneio e carnaval

Se fosse tudo contar

O leitor iria cansar

De tanto ler meu jornal

Quero contar só um fato

Que passou num carnaval

Grande som e batucada

Tocador, instrumental

Muita gente ali na mesa

Havia grande despesa

Tudo do meu capital

Deixamos nosso negócio

Na mão de gente incapaz

Muita comida e bebida

Bastante gente atrás

A casa bem lotadinha

Minha esposa na cozinha

Gastando todo seu gás

Oitenta e quatro o ano

Um filho a Deus eu pedia

Para sarar desengano

A oração atendia

Se o justo faz oração

Vem filho do coração

Trazendo muita alegria

Deus nos dava aquele filho

Tão longamente sonhado

Arnaud filho é seu nome

Logo assim foi batizado

Filho é bênção de Deus

Alegra os anseios meus

O time está encerrado

No ano oitenta e cinco

O negocio já sentia

Aquela falta de zelo

Frente a nossa padaria

Ainda havia mesmo assim

Três carros em frente a mim

Gastando bem todo dia

Tive a idéia interessante

De mover outro negócio

Pensando em completar

O dinheiro e o ócio

Abri o bar paraíso

Para isto foi preciso

Dinheiro, trabalho e sócio

Foi o tempo mais atroz

Que passei em toda a vida

Ficar a noite em claro

Levar a esposa querida

Canseira e muito enfado

A padaria de lado

Na longa estrada perdida

Agüentamos dois anos

Nesta luta tão tremenda

Havia até movimento

Despesa e pouca renda

Deus parece não faz nada

Se o labor não lhe agrada

Tive que procurar venda

Crescem os filhos vão casando

Igual a um passarinho

A saudade vão deixando

E vão voando do ninho

Pensava os filhos são meus

Depois vi que são de Deus

Vamos ficando sozinhos

No ano noventa e três

A angustia era pesada

Todo mundo revoltado

Na trilha da caminhada

No céu brilhou uma luz

E tivemos em Jesus

Nossa dor atenuada

Deus mostrou sua bondade

Tudo Ele assiste e vê

Nos deu oportunidade

Através do ECC

Foram os três dias mais lindos

Muito amor e Ele vindo

A nós dois nos socorrer

Nos caminhos do Senhor

Vi que o amor dEle é alto

Tive o honrado prazer

Fizemos de sobressalto

Um templo de pregação

Louvor e adoração

É a Igreja do Planalto

Agüentamos quatorze anos

Só ali na padaria

No ano dois mil e um

Deus então já abriria

Pega na mão com firmeza

Nos traz para Fortaleza

Porta de grande alegria

Hoje já temos dez netos

Veja que prazer profundo

Desculpe você leitor

São os mais lindos do mundo

Como é bom beijar um neto

A gente sente o afeto

No coração, lá no fundo

Deus nos deu casa e comida

Até aqui não faltou

Enquanto dormimos à noite

Tudo providenciou

Isso dizemos a ti

De forma que até aqui

O Senhor nos ajudou

Tinha um sonho adormecido

Guardado dentro do peito

Era trabalhar num banco

Pois pra isso tinha jeito

Mas precisava estudar

E num concurso passar

Para realizar meu feito

Após seis anos passados

Na cidade Fortaleza

Só encontrei duas formas

De botar o pão na mesa

Em vendas eu trabalhava

Minhas filhas ajudavam

Trago a imagem bem acesa

Um dia lá na cidade

Lembro o dia e a hora

Eu procurava trabalho

Por este mundão afora

Um cara olhou pra mim

Falou algo muito ruim

Achei melhor ir embora

A minha raiva foi tanta

Não sei como não fez mal

Mas a transformei em força

Fiz na venda um vendaval

Trabalhei noventa dias

Ganhei até com alegria

Viagem Internacional

Ele me chamou de velho

E muito me humilhou

Vi que era preconceito

A forma como falou

Não sei se digo ou se faço

Você é igual bagaço

Que a porca magra chupou

Voltei pra casa chorando

Com aquela humilhação

A partir daquele dia

Tomei uma decisão

Estudar muito no curso

Ser aprovado no concurso

Com muita obstinação

Todo dia madrugada

Ainda era escuro

Me trancava no banheiro

Preparando meu futuro

Estudei de capa a capa

Nenhum capitulo escapa

Até ficar bem seguro

Fiz a prova consciente

Como aluno esforçado

Cheguei bem cedo ao local

E fiquei ali calado

Marquei todas as questões

Que sabia sem senões

Pra poder ser aprovado

Três anos ainda esperei

Sem saber a solução

No ano dois mil e onze

Enfim com muita emoção

Era grande a alegria

Pois enfim chegou o dia

Da minha convocação

Após trinta e cinco anos

Vi algo que ninguém viu

O bagaço ressecado

Das cinzas secas surgiu

De um sonho adormecido

Fui assim admitido

Lá no Banco do Brasil

A gradeço toda a sua atenção

R egistrada nesta leitura tão bela

N ão poderia deixar a ocasião

A qui pinta esta linda aquarela

U ma vez mais repito - obrigado

D desculpe algum traço torto nela

Arnaud Carlos de Amorim