Chico Deusdério
CHICO DEUSDÉRIO
Senhor criador eterno
Nosso Deus onipotente
Derrama luz sobre mim
Ilumine a minha mente
Para poder versejar
Uma história comovente
Eu vou relatar em verso
A história de um homem sério
Oriundo do sertão
Cabra macho e de critério
Nascido em vinte e oito
É Francisco Desidério
Foi excelente pessoa
Cujo nome foi mudado
De maneira carinhosa
Deusdério foi colocado
Com Deus constando no nome
Prá ficar abençoado
De fato é engrandecida
Esta pessoa excelente
Amigo de todo mundo
De uma família decente
Abençoado por Deus
Criador onipotente
Nasceu na fazenda Tanques
No interior do sertão
Ajudava na fazenda
Como se fosse um irmão
Se aproximou de Caiçara
Homem bom da região
Chico sempre foi magrinho
Porém era muito esperto
Andava bem ligeirinho
Longe prá ele era perto
Ao receber qualquer ordem
Logo dizia: - Tá certo
Caiçara já conhecia
O seu jeito diferente
E pensou consigo mesmo
Este jovem é valente
Tem uma grande qualidade
Fala a verdade e não mente
Caiçara estava pensando
Numa pessoa prá ajudar
Seu sogro Chico Amorim
E com ele ir morar
Ajudando na fazenda
Para plantar e limpar
Lembrou de convidar Chico
Prá ir morar na Torada
Fazer as lutas de casa
Lá passar uma temporada
Ele disse: - vou na hora!
Comigo não tem maçada
Viajaram a cavalo
Levando sua malota
Caiçara ia na frente
Chico contando lorota
Só prá viagem alegrar
Eles contavam anedota
Chico sempre foi ativo
Só andava na carreira
Fazia muitos mandados
E limpava a capoeira
Tirava lenha no mato
E domingo ia prá feira
Lá na feira do mercado
Procurava algum brinquedo
Prá meninas da fazenda
Queria qualquer folguedo
Deolina e Lucineide
Esperavam desde cedo
Como não tinha boneca
Na feira para vender
Ele comprava caixinhas
De papelão prá fazer
Casinhas para as meninas
Seus sonhos arrefecer
Seu Francisco Amorim
Gostou muito do menino
Indagou depois a ele
Prá não fazer desatino
Se ele topava ficar
Ali mudar de destino
- Eu já disse a Caiçara
Que aqui quero ficar
Portanto avise a meus pais
Com o senhor vou morar
Por isso trouxe a bagagem
Um tempo aqui vou passar
Vamos fixar bem os nomes
Prá não fazer confusão
Chico é o personagem
Francisco é o patrão
Agora tudo explicado
Continua a narração
Logo na manhã seguinte
Tirou leite no curral
Tangeu o gado ao cercado
Alegria era total
Aboiava e cantava
Era um jovem bem legal
Precisou ir cortar lenha
Na mata bruta e fechada
Seu Francisco perguntou
Se ele topava a parada
A moagem estava perto
Não tinha lenha cortada
Ele topou de verdade
Amolou logo o machado
Encheu uma cuia d’água
Se embrenhou no cercado
Meteu o machado no mato
E foi pau prá todo lado
Seu Francisco alegrou-se
Com a sua produção
Era lenha à vontade
Tão grande era o montão
Chico ganhou bom dinheiro
Boa gratificação
Cambitou toda esta lenha
No espinhaço de capricho
Ele e o seu jumentinho
Trabalharam como bicho
Mas deu conta do recado
Mesmo ferindo o rabicho
Na época da moagem
Fazia a luta de três
De madrugada corria
A ninguém dava a vez
Cambitava toda a cana
Agia com altivez
Começava a meia noite
Era esperto em demasia
Arreiava os jumentos
Começava a correria
Ninguém nunca o venceu
Lá naquela freguesia
Nas altas horas da noite
Quando a bruma escurecia
Só se escutava Chico
Que cantava e corria
A passarada dormindo
E a cana ele trazia
Era pau prá toda obra
Tudo sabia fazer
Ia para a cantoria
Mas fazia o seu dever
Ali naquela fazenda
E bonito de se ver
Carregava toda água
Trabalhava no galão
Se tivesse arroz com casca
Arrochava no pilão
Depois ia pro cercado
Apanhar o algodão
Se faltasse qualquer coisa
Na fazenda a qualquer hora
Ele então logo dizia:
- Vou comprar tudo agora!
Ia a rua correndo
No escuro ou na aurora
Lá no roçado ninguém
Trabalhava em sua frente
Ele era o primeiro
Fazia tudo urgente
Proceder de forma igual
Nunca apareceu vivente
Seu Francisco convocava
De homens um adjunto
Chico ia com a negrada
Ali sempre de pé junto
Prá limpar mais do que ele
Só o fazendo defunto
Se andando nas fruteiras
Achasse uma fruta bonita
Madura e bem cheirosa
Fazia logo sua fita
Levava prá dona Amélia
Sua patroa bendita
O fogão lá da fazenda
Era de lenha a chama
Necessitava gravetos
Para acender quando inflama
Todo tarde ele trazia
Gravetos prá sua ama
Numa manhã Lucineide
Queimou-se com leite quente
Precisou comprar remédio
Chico já correu na frente
Não perdeu nenhum segundo
Foi desesperadamente
Chegando lá na farmácia
O remédio não havia
Não voltou, tocou prá frente
Jamais ele voltaria
Sem resolver o problema
Foi a outra freguesia
De madrugada escutaram
De repente um barulho
Era ele na carreira
Chegou trazendo um embrulho
Comprou distante o remédio
Entregou com muito orgulho
Lucineide nunca esqueceu
Este feito importante
Restaurando sua saúde
Num momento cruciante
Diz que nunca recebeu
Gesto de amor semelhante
Trabalhava o dia todo
O suor chega escorria
Chegava em casa a tarde
Para a cidade ainda ia
Seu costume predileto
Era escutar cantoria
Se viesse cantador
De qualquer parte do mundo
Ele não perdia nada
Gosto do verso fecundo
Sentava logo na frente
Seu prazer era profundo
Lá na fazenda havia
Um jumento bem sabido
O seu nome era capricho
Era grande o alarido
Se outra pessoa montasse
Pulava muito o bandido
Ele conhecia Chico
Se gritasse ele atendia
Bastava mostrar o cabresto
Prá perto o bicho corria
Mas se fosse outra pessoa
Capricho já se escondia
Um dia fizeram aposta
Prá ver quem se segurava
Montado no animal
E ver quem agüentava
Quem não caísse do asno
A aposta abiscoitava
Seu Francisco satisfeito
Não lhe deixou faltar nada
Aumentou o seu salário
Lhe deu casa pra morada
Chico e Maria se amaram
Ali na casa caiada
Assim se passaram anos
Naquela vidinha boa
De dia muito trabalho
A noite muita garoa
Ao verificar o tempo
Vê-se que ele se escoa
Maria lhe deu seis filhos
Anselmo, Selma, Anibal
Todos eles bem criados
Fatinha, Jonas, Aderbal
Uma trinca de meninos
Educados com moral
No ano sessenta e oito
Sendo do século passado
O seu patrão se mudou
Prá cidade aposentado
Muitos anos de trabalho
Só na lembrança guardados
Chico ainda era novo
Foi morar com outros patrões
Com os Gomes e Abel
Cada um com seus senões
Tempo bom ficou guardado
Dentro de seus corações
Quatro anos se passaram
Nada de bom ele via
A situação difícil
Entretanto ele sabia
Que um filho de Francisco
Tinha uma padaria
Só que era em outras terras
Pras bandas de Mossoró
Resolveu ir visitar
Acabar com o codó
Pegou o trem e partiu
Desta vez ele foi só
Deixou os filhos pequenos
Lá no sertão esperando
Ia falar com Arnaud
Os planos ia pensando
O trem chorava correndo
Ele chorava sonhando
Ao chegar lá em Arnaud
Foi grande a alegria
Relembraram os bons tempos
Que na fazenda vivia
Acertaram novo plano
Trabalhar na padaria
Chico trouxe a família
Prá esta grande cidade
Construíram uma casa
Foi grande a felicidade
Num terreno de Arnaud
Veja que facilidade
Quando há boa vontade
Amor, consideração
Fizeram casa de taipa
Formaram um mutirão
Com madeira, barro e telha
Houve a inauguração
Chico fazia a entrega
De bolacha e biscoito
Saia na bicicleta
Animado muito afoito
Aumentou a produção
Em sacos mais de dezoito
Já levava dois balaios
Um atrás outro na frente
E não escolhia horário
Meio dia no sol quente
Vendia muita bolacha
Animava toda gente
Os seus filhos aprenderam
Bem depressa a fazer pão
Aníbal era padeiro
Aderbal outra função
Jonas era ajudante
Selma ajudou no balcão
Kaliane era pequena
Ele em seus braços a pegava
Lhe chamava títuzinha
E muito bem a tratava
Sempre foi atencioso
Toda família gostava
Ele sempre foi correto
Não queria nada errado
Arnaud viajou a praia
Passar lá um feriado
Fizeram raiva a Chico
Que ficou aperreado
Ele saiu escondido
Rumo à praia de Tibau
Carros passavam por ele
Olhava com olho mau
Andou mais de sete léguas
A pé sem dar um sinal
Tudo porque tinha algo
Para com Arnaud falar
Não permitia ninguém
Que viesse atrapalhar
Andou todo o dia a pé
Até à praia chegar
Os carros buzinavam
E paravam a seu lado
Ele entrava no mato
Caminhava apressado
Ao chegar lá em Tibau
Estava todo rasgado
Ele sempre foi assim
Grande personalidade
Outro dia os fiscais
Aconteceu na cidade
Quiseram lhe humilhar
Mudar a sua verdade
Ele enfrentou os fiscais
Com bastante valentia
Não entregou a farinha
Se portou com maestria
Os fiscais nunca esqueceram
O feito daquele dia
Ele comprou um terreno
Na vila serra do mel
Levou a sua Maria
Foi morar perto do céu
Trabalhou com muito afinco
Merecia um troféu
Foi o lote de mais zelo
E também o mais cuidado
Os cajueiros mais verdes
Tudo limpo e cercado
Ainda hoje comentam
Está tudo registrado
Porém não é no papel
E sim em muitas memórias
Que registram nos anais
A mais intrigante história
De um homem muito humilde
Que merece toda glória
Seu lote assim permitia
Muitos cajus apanhar
Os melhores e mais doces
Que já se viu no lugar
E da serra ele vinha
A muitos presentear
Ele sofreu duro golpe
Perdeu dois filhos amados
Aníbal e Aderbal
Pela mão de Deus tirados
Deixando só a saudade
Nos corações destroçados
Para efeito de registro
Vou lhe confessar assim
Foram trinta e oito anos
Que morou com os Amorim
Tempo de muita alegria
Porém tudo tem um fim
Deixo para o personagem
Um preito de gratidão
Por tudo que ele fez
Por nós com dedicação
O Arnaud falado sou eu
Sou grato de coração
Minha esposa me chamava
Prá irmos a Aracati
Visitar Chico Deusdério
Mas ele faleceu ali
Vou relembrar todos os versos
Que eu versejei aqui
Como o tempo é sagaz
Parece tem esperteza
Sua Maria já levou
A saudade deixou presa
Qualquer dia vou ali
Visitá-lo em Aracati
Vou fazer-lhe uma surpresa
Tenho idade avançada
Já vi muitos homens sérios
Vi até na caminhada
Tocadores de saltério
Porém nunca vi igual
Homem de honra e moral
Como Chico Desidério
- FIM -