A CARTA
Nesse bonito cordel
Que minha mão escreveu
Vou contar, caro leitor,
A maneira que se deu
Um caso misterioso
Que comigo aconteceu
Tem dia que a gente acorda
Com aquele sentimento
Lembrando um fato marcante
Ou um acontecimento
A lembrança de alguém
Que não sai do pensamento
E assim eu despertei
O sol, para mim sorrindo,
Uma doce sensação
O dia amanheceu lindo
Meu jardim cheio de flores
E seus botões se abrindo
Agradeci ao Senhor
Profecei a minha fé
Me banhei, troquei de roupa,
Depois tomei o café
Saí para o trabalho
E fui caminhando a pé
Já de volta do trabalho
Como de costume faço
Um almoço saboroso
Bateu logo um cansaço
Aquele sono da tarde
Direto no meu regaço
Fui à varanda da casa
Para poder descansar
Deitado em uma rede
Eu me pus a balançar
Ouvindo o ranger do torno
Comecei a cochilar
A campainha tocou
Levantei na mesma hora
Dirigi-me até a porta
Caminhando sem de mora
Escutei um, ô de casa!
Eu respondi, ô de fora!
Era um sujeito estranho
E não era conhecido
Trazia uma encomenda
Uma carta tinha trazido
que havia sido enviada
por alguém muito querido
Disse: o senhor é José?
Respondi, sou sim, pois não?
- José de Arimatéia,
com muita satisfação.
- E qual é a sua graça?
- Pode me chamar de João
- Me desculpe o incômodo
de chegar uma hora dessa
- Vim deixar-lhe esta carta,
quem me mandou teve pressa
- É da sua querida avó,
Pede que leia depressa
Não entendendo direito
o que ali se passava,
Minha avó há muitos anos
que morta ela já estava
Abri a correspondência
Pra ver do que se tratava
A carta, escrita à mão,
Cheia de sinceridade
Rabiscada com carinho,
com amor, simplicidade
De início começava
falando sobre saudade.
Que estava muito feliz
Morando num bom lugar
Na carta ela dizia
Que, em breve, ia voltar
Para me dar um abraço
Quando vir me visitar
Ao ouvir do mensageiro
O que ele havia dito
Fui olhar o remetente
Achei meio esquisito
No final, a assinatura,
O nome “Sinhá” escrito
- Desculpe, esta assinatura...
Perguntei, quem é Sinhá?
- Sua avó. Você não lembra?
Ela logo chegará
Pediu que entregasse a carta
E que não demorará
- Minha vó já é falecida.
Para o céu ela subiu
Eu era uma criancinha
No dia que ela partiu,
Dela nem lembro direito.
Onde é que já se viu!
Sim, eu sei, veja aqui!
Está aqui registrada
- Uma carinha feliz
Ela fez bem desenhada
Colocou o dedo carnudo
sobre a folha amarelada
Disse o sujeito estranho
Com o seu rosto enrugado
Aquele cabelo crespo
Meio encaracolado
Parecia um viajante
Que veio lá do passado
Deu meia-volta e saiu,
De forma silenciosa
Deixou no ar uma brisa
Com um perfume de rosa
Um aroma agradável
Cheiro de tarde chuvosa
Não sei explicar direito
O que houve, afinal.
Aquele sujeito estranho
Era um ser divinal?
Ou seria ele um anjo?
Ou um ser espacial?
Parei diante da porta
Um pouco estonteante
O vazio do horizonte
Eu mirei por um instante
A matéria estava ali,
mas o espírito distante
Uma voz lá da cozinha
Ecoou no meu ouvido
Minha esposa, Teresa,
Viu que eu tava distraído
Então ela perguntou:
- Quem está aí, querido?
Com as suas mãos de fada
Já estava preparando
O nosso café da tarde,
No bule, tava esquentando
Os seus bolinhos de chuva
Ela estava fritando
- O que houve, meu amor?
- Estou com a impressão
que você viu um fantasma
ou uma assombração!
- E esta carta, de quem é,
que está em sua mão?
- É da minha querida avó,
mas eu não sei explicar
- Ela escreveu na carta
dizendo que vai voltar.
Respondi a minha esposa
com espanto no olhar
- Vou pôr mais água no bule!
Me falou assim, Teresa.
- Vou fritar mais uns bolinhos
preparar uma surpresa
Será que ela vai gostar?
Disse com delicadeza
Um mistério, um Dejavu,
Aconteceu nesse dia
A compreensão humana
Jamais compreenderia
Nem pode compreender
Nossa vã filosofia
*Adaptado do texto A CARTA do amigo e colega de trabalho Alexandre César