MINHA INFÂNCIA E ADOLECÊNCIA
ME CRIEI NO INTERIOR
VIVI TEMPO INESQUECÍVEL
NÃO SEI SE FILHO DE RICO
TEVE VIDA TÃO INCRÍVEL
EU DIGO COM TODA CERTEZA
A VIDA ERA UMA BELEZA
UMA COISA INDESCRITÍVEL
APESAR DAS DIFICULDADES
NÓS CRIANÇAS INOCENTES
VIVÍAMOS UMA VIDA FELIZ
COM OS DEMAIS ADOLESCENTES
NUMA FELIZ SENSAÇÃO
ASSIM DEFINO O SERTÃO
ONDE VIVI INTENSAMENTE
LA NO SERTÃO ERA SIM
NÃO HAVIA ELETRICIDADE
NÃO HAVIA TELEVISÃO
MAS HAVIA FELICIDADE
TINHA UM RADIO A BATERIA
QUE ESPALHAVA ALEGRIA
NA NOSSA COMUNIDADE
COLCHÃO DE PALHA DE MILHO
A CAMINHA ERA MODESTA
DE LA SE OUVIAM OS SAPOS
INICIANDO AS SERESTAS
OS VAGA-LUMES ILUMINANDO
E AS CIGARRAS SILENCIANDO
O SEU CANTO NA FLORESTA
A CRIAÇÃO EMPOLEIRANDO
NUM VELHO PÉ DE CEREJA
OS CACHORROS ANUNCIAVAM
MAMÃE VOLTAR DA IGREJA
SE OUVIA GRITO DOS RATOS
ERA O SINAL QUE OS GATOS
RECOMEÇAVAM A PELEJA
À NOITE A ESCURIDÃO
OCUPAVA O SEU LUGAR
SE OUVIA O RUIDO DO CAMPO
OS INSETOS A CANTAR
LA NA VENDA UM LAMPIÃO
COM SEU LIMITADO CLARÃO
CONCORRIA COM O LUAR
E NO BALCÃO DE MADEIRA
DE CANIVETE MARCADO
ONDE ERA FEITO O PALHEIRO
E COM CUSPE ERA LACRADO
E O CABOCLO IA FUMANDO
SUAS VANTAGENS CONTANDO
DO VELHO TEMPO PASSADO
ALI TOMAVAM SUAS PINGAS
COM FOLHAS DE AGRIÃO
E TAMBÉM COM ALECRIM
COM BOLDO E MANJERICÃO
O MEU VELHO QUE ATENDIA
APROVEITAVA E JA BEBIA
SUA PINGA COM LIMÃO
E LA NA RUA OS CAVALOS
RELINCHAVAM IMPACIENTES
POIS TINHAM PASSADO O DIA
VISITANDO SEUS CLIENTES
SAUDADES DA ESTREBARIA
DO BALDE COM ÁGUA FRIA
E DEPOIS O BANHO QUENTE
TINHAM VINDO DA CIDADE
ONDE LEVAVAM A PLANTAÇÃO
LENHA PALMITOS BANANA
BATATA DOCE E MAMÃO
BANHA DE PORCO CASEIRA
TAPETES FEITO DE ESTEIRA
E BORDADOS FEITO A MÃO
DE LÁ TRAZIAM ALIMENTOS
BUCHO DE BOI E CORAÇÃO
MOCOTÓ CABEÇA DE PORCO
EMBRULHADO EM PAPELÃO
E ASSIM PASSAVAM O DIA
UM PROSEAVA OUTRO BEBIA
ENCOSTADOS NO BALCÃO
E LA PELA MEIA NOITE
O LAMPIÃO ENFRAQUECIA
A QUEROSENE ERA ESCASSA
ENTÃO MEU VELHO DIZIA
CABOCLADA VAMOS EMBORA
PRECISO FECHAR AGORA
QUE AMANHÃ É OUTRO DIA
FECHAVA ENTÃO A VENDINHA
CONTAVA AS FÉRIAS DO DIA
COLOCAVA NUM ELÁSTICO
O PEQUENO MASSO ESCONDIA
E A LUZ JÁ QUASE APAGANDO
NA ESCURIDÃO TATEANDO
O PORÃO EU ABASTECIA
LA COLOCAVA AS BEBIDAS
EM CONTATO COM A TERRA FRIA
ERA A REFRIGERAÇÃO
QUE A BEBIDA RECEBIA
NÃO TÍNHAMOS GELADEIRA
SÓ EXISTIA ESSA MANEIRA
PRA AGRADAR A FREGUESIA.
DE MADRUGADA A BUZINA
ANUNCIAVA UM NOVO DIA
ERA A RURAL DO PADEIRO
NAS MADRUGADAS MAIS FRIA
ENTÃO A FAMÍLIA ACORDAVA
E A PASSARADA JÁ ESTAVA
INICIANDO A CONTORIA
GAIOLAS DE QUATRO ALÇAPÃO
UM GATURAMO OSTENTANDO
QUE MESMO APRISIONADO
NOS ALEGRAVA CANTANDO
QUANDO ÍAMOS A ESCOLA
DEIXÁVAMOS LA A GAIOLA
NO PÉ DE AMEIXAS CASSANDO
LEVAVA O GADO PASTAR
PÉS DESCALÇOS NA GEADA
DEPOIS VOLTAVA PRA CASA
CONTINUAVA A EMPREITADA
TINHA PEIXE PRA VENDER
ANTES DO SOL APARECER
RECOMEÇAVA A JORNADA
NO CAMINHO TEIAS DE ARANHA
COM ORVALHOS CINTILANTES
COMO PEDRAS PRECIOSAS
COM SUAS CORES BRILHANTES
E COM CUIDADO EU PASSAVA
COM JEITINHO ME ABAIXAVA
PRA EVITAR OS BARBANTES
FREQUENTÁVAMOS A ESCOLA
COM MUITA ASSIDUIDADE
OS PAIS NOS ACOMPANHAVAM
EM NOSSAS ATIVIDADES
FAZÍAMOS ALI A LIÇÃO
TODOS SENTADOS NO CHÃO
MUITA FORÇA DE VONTADE
A MESTRA ERA AUTORIDADE
POR ELA TÍNHAMOS RESPEITO
ERA UMA SEGUNDA MÃE
QUE ENSINAVA O BOM CONCEITO
POR BURRICE OU POR MALDADE
LHE TIRARAM A AUTORIDADE
AGORA NÃO TEM MAIS JEITO
O MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO
COM UMA ELITE EQUIVOCADA
QUE HOJE ESTÁ NO COMANDO
MUDANDO O RUMO DA ESTRADA
OS PSEUDOS INTELECTUAIS
QUE SE JULGAM OS RACIONAIS
ESTÃO PERDENDO A PARADA
VOU PARANDO POR AQUI
ASSUSTADO COM AS MUDANÇAS
COLOCANDO NAS MÃOS DE DEUS
NOSSA ÚNICA ESPERANÇA
DIZENDO AS AUTORIDADES
QUE A NOSSA SOCIEDADE
JA NÃO AGUENTA A LAMBANÇA
F I M