A GATA XANA
Quando eu era bem menino
Gostava de ir pru sítio passear
Lá tirava frutas das fruteiras
No riacho límpido se banhar
Também caçava de estilingue
E nas ribaçãs atirar.
Lá, além da linda natureza
Existia os belos animais
Como uma gata siamesa
Tão bela quanto os florais
Olhos da cor de esmeralda
Com pele cinza e nevada
Tinha o encanto das austrais.
O nome dela era Xana
Na época ela tava grávida
Se não fosse um imprevisto
Teria parido uma dádiva
Pena que ela parecia feliz
Como de parir fosse ávida.
Sempre quando eu ia pra lá
Via meu avô junto com Xana
Afagando a pelugem dela
Sobre a cadeira que balança
Ali eu via um elo verdadeiro
Um laço forte e bem inteiro
Onde a vida era mansa.
Xana miava preguiçosamente
Sentada no colo do ancião
Bastava eu sentar perto e ela
Se erguia, na maior satisfação
E pra junto de mim ela vinha
Como se tivéssemos conexão.
Vovô nos contava anedotas
Das suas épocas de mocidade
Atento eu e a Xana ouvíamos
Fortalecendo nossa amizade
A prosa dele era poética
de pura beleza estética
Que nos enchia de felicidade.
Quando eu bradava “iirru!”
Xana exclamava “miau!”
Isso quando vovô chegava
No fim do conto monumental
Nosso som soava uníssono
Como uma nota musical.
Enquanto eu e vô almoçávamos
Ela alisava minha panturrilha
Como quem dizendo:- Me dá
Um pouco que tem na vasilha.
Eu lhe dava pedaços de frango
Xana miava comendo o rango
Achando aquilo uma maravilha.
O meu primo Erick me dizia:
- Ivan, ela porta a premonição.
Porque muito antes de vó morrer
Xana miava com desolação
E só quando vó partiu pru céu
Foi que Xana cessou a tensão.
Xana até ajudou num caso
Quando vô tinha sido furtado
Sumira mil reais do seu cofre
E o ladrão não fora achado
Até que seu filho lá apareceu
Xana olhou-o a e miar meteu
E vô ficou muito desconfiado.
Meu avô me contara tudo
Que vendo aquilo desconfiou:
- O que Xana tá querendo dizer
Miando com raiva e estridor?
Só João sabia a senha do cofre
O que penso Xana testemunhor?
Desgostoso vovô começou
A pressionar o próprio filho
Acusando-o de roubar o cofre
A emoção deste saiu do trilho
João ali começou a chorar
por fim pôs a se confessar
Que furtou pra jogar no bicho.
Xana também estava além
Da sua bela natureza animal
Noutro dia vendo uma cobra
Atacando o ninho do pardal
Ela foi lá e expulsou-a
Deixando a ave e a cria vital.
Gatos tem almas solitárias
Mas a da Xana era diferente
Ela gostava de ser acariciada
Por qualquer tipo de gente
A sua única exceção
É que ela tinha intuição
Para evitar um delinquente.
Quem ia no sítio as vezes via
O comportamento incomum
O que a Xana fazia era único
E não havia mais nenhum
Que como ela se banhava no rio
Que na city dava zunzunzum.
A tia D’águia bem que falava:
-Pra ela ser gente só falta falar.
Pois todos sabiam que a Xana
Fazia do miau o seu linguajar
O roubo do cofre é referência
Que reflete a sua experiência
Em se comunicar.
E assim muitos a conhecia
Pela sua natureza atípica
Ela não só comia carne
Como também comia jetica
E no São João ela devorava
Tigelinhas de canjica.
Agora a grande novidade
Era o barrigão da gata
Todo dia que se decorria
Muito mais ele s’inflava
Parecendo a qualquer hora
Que como o sol pari a aurora
A bela cria a Xana dava.
Porém do nada ela começou
A miar um som bem agourento
Ao invés de continuar alegre
Xana demonstrava lamento
O veterinário examinou-a e disse
- não é nada, será bem o nascimento.
Mas não foi o que constei
Três dias após esta consulta
Bem cedo eu andava pelo sítio
Quando vi algo que me surta
Na beira do rio ela jazia morta
Como uma vítima de cicuta.
Havia uma cabecinha
Esta sendo de um filhote
Lindo saindo do fucim da Xana
E já atacado pela morte
Nenhum sinal de vida avistei
Imagem da morte só captei
Logo eu tive um devaneio
Seu barrigão se conservava
Os filhotes lá dentro estava
Nessa vista eu tive enleio.
Morreram ou estavam vivos?
Assim eu me perguntei
Revolta no barrigão não vi
Tudo tava inerte e acabei
Inferindo que eles morreram
No céu dos bichos se meteram
Só com saudades fiquei.
Santo André, 28 de Julho de 2020