É A SERPENTE OU A MULHER
I
Numa utopia um casal
Que toda gente invejava
Eram ambos um só corpo,
Conforme Deus planejava
Para os dois a eterna união
E que um dia só o caixão
Um do outro os separava.
II
O Diabo bem que tentava
Desfazer o casamento,
Mas sem jamais conseguir
Desistiu do mal intento,
Deixou ambos em amores
Maria José das Dores
Com José Maria Bento.
III
No mau dia trouxe o vento
De algum lugar qualquer,
Nada mais do que a inveja
De uma maldosa mulher;
Por ter sido mal amada
Ficou logo apaixonada
Por alguém que a não quer.
IV
Pensou logo em desfazer
A união de um feliz casal:
“Se ele não pode ser meu,
Na certa vai se dar mal,
Desfaço essa união de vez,
Faço o que o Diabo não fez
Pois sou Mulher, afinal”.
V
Sempre na espreita há mal
Que ouve até pensamento,
Assim que o Diabo a ouviu,
Desafiou-a no momento:
“Jurei, tentei e até gostaria
Separar José e Maria,
Mas fracassei no intento.”
VI
Empresto-lhe meu talento,
Mas duvido que o consiga
Separar quem Deus uniu,
A não ser que o sim se diga,
Quando se quer dizer não
Jurando uma falsa união
Para um conviva de briga.
VII
Sou Bruxa e de ti, amiga,
Dê-me apenas permissão
Para agir conforme ordena
Meu maldoso coração:
Para tanto sou Mulher,
Sobre quem ama e a quer,
Garanto a separação.
VIII
A Bruxa com má intensão,
{E bruxa é sempre mulher}
Foi falar com a esposa
Para o que der e vier,
Dizendo que seu amado
Há muito era cobiçado
Por uma rival qualquer.
IX
Você faça o que quiser,
Mas é bom ter sensatez:
Depois que o José Maria
Amar-lhe muito outra vez
E dormir, como só ele,
Corte um fio da barba dele,
Sem que ele veja o que fez.
X
Todo o amor entre vocês
Pra sempre continuará,
E a outra que o deseja
Com sua paixão morrerá
Quando o coração dela
Cessará de bater nela
Por ser uma mulher má.
XI
A Bruxa seguiu pra lá
À procura do marido,
Deixando àquela esposa
Seu uno lar dividido;
E no coração confiante,
Um ciúme infamante
Maldosamente inserido.
XII
Daquele amado querido
A bruxa se aproximou,
Dizendo que sua esposa
Ama outro e planejou
Matá-lo durante o sono
E entregar ao vero dono
O coração que ele amou
XIII
Na mentira acreditou
O pobre José Maria
E retornou desconfiado
Naquele final de dia,
Beijou a Maria José,
E alegando dor no pé
Deitou-se na cama fria.
XIV
Fazer amor não queria,
Estava muito cansado,
Fingindo estar sonolento
Virou-se pra outro lado,
Até começou a roncar
Com a esposa a o observar
Desconfiada e com cuidado.
XV
Aproximou-se do amado
Toda sisuda e enciumada
Pra cortar um fio de barba
De uma cara descarada,
Só por não suportar mais
Dúvida atroz que jamais
Fora por ela pensada.
XVI
Quando a navalha afiada
Ela encostou na garganta
Do amado José Maria,
Eis que ele se espanta
E, acreditando na bruxa,
Salta de sua cama e puxa
Um punhal de sob a manta.
XVII
Com desconfiança tanta,
Em Maria José das Dores,
Aliada a uma fé tão certa
Na Bruxa dos dissabores
Bom José Maria Bento
Cego de amor e ciumento,
Murchou o jardim de flores.
XVIII
Não se canta aqui louvores,
Mas só se chora a tristeza
De uma união desfeita
Por inveja e malvadeza;
Neste tema não dou cabo,
Mas desconfio que o Diabo
Não é o dono da esperteza.
XIX
Quem tem maior sutileza
A Serpente ou a Mulher?
Pergunto neste poema
Para o sábio que souber:
Fria víbora que rasteja
Se o meu coração deseja
O aconchego da mulher?
XX
Respondo a quem quiser
Me ouvir com a alma sã,
Se um dia a Mulher e a Cobra
Tramaram-se de manhã,
Foi no apanhar de uma fruta,
Dormindo o Homem na gruta,
E a Mulher deu-lhe a maçã.