A FORMIGA E A CIGARRA

A formiga, sossegada,
cuidava da sua casa
e nem sonhava na vida, 
de ter companhia de asa.
Andava pra lá e pra cá, 
sempre muito atarefada, 
mas era séria e não há
uma foto com risada,

nem na parede da sala,
nem mesmo ao lado da cama,
pois ela em tudo que fala,
é bem séria e não faz drama.
A formiga vive bem
e nunca vai à cidade;
é o campo que lhe convém, 
ali vive sem maldade.

Nunca se pôs a cantar
umas músicas sem graça,
que sempre ouvira soar,
quando passava na praça,
em busca de suprimento.
Até ficava irritada,
fugindo de tal tormento, 
seguia sempre apressada.

Sua vida era perfeita
tinha disciplina, então.
Se a tarefa estava feita, 
ninguém reclamava, não.
Todo o seu mundo era calmo
e assim, sempre ela dizia:
-Não quero mudar um palmo,
adoro o meu dia-a dia.

Mas um dia, no caminho,
da árvore preferida, 
ela ouviu um barulhinho
e uma casca viu caída.
- De onde vem esse desastre?
Foi isso que ela pensou...
-Vai que um novo mal se alastre,
o que eu faço, aonde vou?

Resolvida a resolver
o assunto incomodante,
olhou pra cima pra ver,
com um ar muito importante,
uma coisinha cinzenta,
ou talvez com cor nenhuma.
Era mesmo, é barulhenta;
semelhava à coisa alguma.

Mas se entendia importante,
cantando como um tenor,
até achava irrelevante,
ter ou não algum pendor,
para a arte de cantar.
Cantava de qualquer jeito
o seu barulho ia ao ar
dissonante e imperfeito.

Convencida de que o mundo,
era festa e alegria,
a cigarra ia fundo 
nas notas da melodia.
Frequentava até bailinhos,
não saía da cidade,
pois ali os burburinhos,
a livravam da saudade,

que sentia de outros tempos
em que vivera feliz.
Apreciava os inventos
e trouxera de Paris
o perfume que passava.
E também no seu cantinho
muito chique ela mostrava,
ter um novo pergaminho.

Ficava tão distraída, 
parada ali a cantar,
que nem pensava na lida,
nem sonhava em trabalhar,
pra poder na hora certa,
na hora da precisão,
ter alimento e coberta.
Nisso, não pensava então.

O que tinha lhe bastava
e assim nunca lhe ocorreu,
que à formiga incomodava, 
com aquele canto seu,
ruidoso e desafinado.
Acontece que a formiga
habituou-se a tal fado,
àquela velha cantiga

e o caminho percorria,
às vezes achando graça, 
das cantilena que ouvia.
Deixou de ver ameaça,
na cigarra barulhenta.
Sabia que logo vinha 
o inverno com a tormenta;
um abrigo, lhe convinha

suprir a tempo, em fartura.
E ria mesmo, de espanto,
quando aquela criatura
via, sem pensar num canto
onde pudesse abrigar-se,
da chuva, como do vento,
quando o inverno chegasse.
Assim, no seu pensamento,

sem muito se preocupar,
meio assim naturalmente,
um jeito de melhorar,
o seu sofrível repente,
ensinou ao bicho de asa:
-Já que ficas no caminho
dessa passagem tão rasa,
vê se aprende um jeitinho

de cantar mais afinada.
Se a cigarra já aprendeu, 
daí, eu não sei mais nada...
E a formiga, o que sofreu,
dizem que sofreu calada.
Mas quando canta a cigarra,
ela sorri, conformada
e aceita aquela algazarra.

Nilza Azzi

(Baseado na fábula de La Fontaine)