OS DIAS DE SEVERINO
OS DIAS DE SEVERINO
01
Severino de Oliveira
Seria considerado
Um nome comum demais,
Frequentemente encontrado
Num registro nordestino
Se não fosse o de um menino
Talentoso, abençoado.
02
Paraíba foi o estado
E a cidade, Itabaiana,
Onde nasceu esse artista,
Notável figura humana.
Mil, novecentos e trinta
Trouxe quem já dava pinta
De encantar, ninguém se engana.
03
Pela Força Soberana,
A sua precocidade
Foi tanta que, aos nove anos,
Demonstrou habilidade,
Tocou o seu instrumento,
A sanfona, com talento,
Apesar da pouca idade.
04
Saiu de sua cidade
Ainda um adolescente,
Com quinze já encontrou
Um trabalho pela frente:
Em Recife o seu ofício
Numa rádio teve início,
Pois era bom, competente.
05
Na Rádio Clube, a semente
Do sucesso foi plantada,
Rádio Jornal do Comércio
Também foi agraciada
Com um astro em ascendência:
Tinha bastante audiência,
Foi figura festejada.
06
A sua alcunha foi dada
No decorrer da passagem
Pela Rádio Clube, então,
Passou a ser personagem
Do cenário musical
Conhecido como o tal
Sivuca, bela homenagem.
07
Nessa sua aprendizagem,
De um maestro foi pupilo,
Para aprimorar o dom,
E melhorar seu estilo;
Guerra Peixe, o 'professor'
Viu ali um esplendor
Que era bom mesmo naquilo.
08
Em cinquenta e um, tranquilo,
Gravou seu disco, o primeiro,
Humberto Teixeira foi
No trabalho seu parceiro;
Caiu nas graças do povo
Aquele sujeito novo,
Valoroso sanfoneiro.
09
Um vasto cancioneiro
Tem sua biografia,
"Adeus, Maria Fulô!"
Já mostrava a maestria
De quem, no dedo e na voz
Encantava todos nós
Com a sua melodia.
10
Quanto mais ele crescia,
Precisava, com razão,
Fazer em centros maiores
A sua divulgação.
No Rio foi residir,
Dali logrou progredir
Na querida profissão.
11
Em toda apresentação,
Ele agradava a plateia,
Tanto norte-americana
Como também europeia;
Subindo feito um cometa,
Ganhou luzes no planeta,
Numa autêntica epopeia.
12
Talvez não fizesse ideia
Aquele brioso artista
Vindo de família simples
Que teria esta conquista
Em Paris, muito depois,
No ano de sessenta e dois:
O melhor instrumentista.
13
Entre as cidades da lista
Escrita na sua andança
Colocou as capitais
De Portugal e da França
Porque morou nessas duas,
Após ter ganhado as ruas
Levando fibra, esperança.
14
Passou por uma mudança
A sua vida outra vez,
Foi morar em Nova Iorque,
Destacou-se no que fez,
Com Miriam Makeba ao lado,
Arranjador contratado,
No mundo teve um 'freguês'.
15
Do sueco ao japonês,
Encantou as multidões,
Atravessou continentes
Com as suas excursões,
Unindo pela cultura
E sua desenvoltura
As mais diversas nações.
16
Participou de canções,
Arranjos, filmes, projetos,
Parcerias, inclusive,
Um astro dos mais completos,
Compôs, tocou e cantou,
Até homenageou
Van Gogh, em um dos trajetos.
17
Em capítulos repletos
De grandeza singular,
Sivuca escreveu um livro
De valor, pra se guardar
No cofre do coração
Porque transborda emoção
Na forma e no linguajar.
18
Ele conseguiu estar
Ao lado destes gigantes:
Belafonte, Julie Andrews,
Nelson Riddle, importantes
Motivos de refletores,
Destaques em seus setores,
Sabidamente brilhantes.
19
Famosos comediantes,
Os Trapalhões liderados
Pelo Renato Aragão
Também foram premiados,
Tendo o mestre da sanfona
Duas vezes na telona
Canções nos filmes rodados.
20
Parceiros assemelhados
No talento e na aparência
Sivuca, Hermeto Pascoal
Tinham tanta coincidência:
Os cantores nordestinos
Eram barbudos e albinos,
Gigantes na arte e essência.
21
Eles eram, com frequência,
Mundo afora confundidos,
Faltava o laço de sangue,
Mas foram bastante unidos
Nos palcos onde a luz imensa
Resultava em recompensa:
Saíam sempre aplaudidos.
22
Um dos discos preferidos
No cenário musical
Foi o "Sivuca Sinfônico"
Em que mostra o cabedal
E também o seu cacife
Com a Orquestra do Recife,
Trabalho fenomenal.
23
Usando o dom natural,
Na citada gravação
Foi autor de sete arranjos,
Sendo a concretização
De uma joia lapidada
Onde ficou comprovada
Toda a sua erudição.
24
A carreira em ascensão
Fez dele celebridade.
Contudo, em dois mil e quatro,
Surgiu uma enfermidade
Contra a qual lutou, valente,
Ainda estava latente
Toda a musicalidade.
25
Levando sua amizade
Aos estúdios, fez sucesso,
Cento e sessenta parceiros
Convidou nesse processo.
Fez "O Poeta do Som",
DVD pra lá de bom,
Um show que valia ingresso.
26
Além do dito "congresso",
Contou com a parceria
De uma orquestra, em duas faixas,
O que lhe trouxe alegria:
A sinfônica orquestral
De seu estado natal
Ao mestre se juntaria.
27
Na sua discografia
Mais de trinta lançamentos
Fazem parte de uma história
Repleta de encantamentos.
Enriquecem a cultura
Voz, arranjo e partitura,
Dentre os vários elementos.
28
O artista multi-instrumentos
Partiu da vida terrena
Em quatorze de dezembro
De dois mil e seis... Que pena!
Cumpria bem seu papel
E veio um câncer cruel
Tirar um monstro de cena.
29
Quando o Criador ordena,
A matéria se desfaz,
Mas na obra se eterniza
Todo aquele que é capaz
De deixar, nos corações
Das futuras gerações
Cravejado seu cartaz.
30
Por isso, aquele rapaz
Da Rádio Clube está vivo
Na firmeza da estrutura
Que construiu, combativo:
No mundo está espalhado
O valoroso legado
De que ele fez o cultivo.
31
É muito justo o motivo
Da reverência à memória
De Sivuca, que deixou
A incrível parceira Glória:
Nas artes, também no amor,
Partilhou seu destemor
Numa linda trajetória.
32
Qualquer palma é meritória
Para Severino Dias
De Oliveira, o bom Sivuca,
Porque suas melodias
São essas doces heranças
Nos pedestais das lembranças,
Enfeitadas de honrarias.
FIM
__________
Texto classificado em quarto lugar no Concurso de Cordel "Mestre Sivuca", promovido pela Academia de Cordel do Vale do Paraíba (ACVPB).