COISAS DO MEU SERTÃO

No meu sertão é assim

Trabalho duro é rojão

Bafafá é bate-boca

Pé de seda é assombração

Galo cantou é agouro

Zombar é tirar o couro

É assim no meu sertão.

Dor na coluna é chamada

De espinhela caída

O cabra ou senta ou abanca-se

Não existe outra saída

Verificar é espiar

Fazer fofoca é futricar

Viver bem é boa vida.

A Botija é um tesouro

Bem enterrado no chão

Quem morre não leva ouro

E dinheiro também não

Escondida em lugar seguro

A fortuna no futuro

Serve à outra geração.

Pra uma criança febril

Não tem outra explicação

Foi quebrante ou mal olhado

Quem fez a judiação

De olhar pro bichim assim?

Eita povo de olho ruim

De outra vez não escapa não!

O que é ninho de rato

Na linguagem do sertão?

É desordem e bagunça

Falta de organização

Deixar de lado é abandonar

Embuchar é engravidar

Vida boa é no sertão!

Mexer ovo com farinha

E assar na frigideira

Vira uma malassada

Comida bem brasileira

Bem típica do sertanejo

Que sempre tem o desejo

De nunca comer besteira.

Manga com leite faz mal

Se não matar deixa aleijado

Provoca uma indigestão

Chamada de bucho inchado

O leite só se mistura

com cuscuz ou rapadura

Nunca com figo de gado.

Se um sujeito é destemido

Arrogante ou prepotente

Não tem medo do perigo

Metido a cabra valente

No Sertão ou no Nordeste

Chamam de cabra da peste

Só pra ver o movimento.

No sertão não se mergulha

Você faz é tibungar

Tibunga de água a dentro

E começa a nadar

E quando sair do rio

De tanto tremer de frio

Começa a entrevar.

Entrevar é ficar torto

Na linguagem do sertão

Cabeçudo é ser teimoso

Não é por ter cabeção

Desbocado é sem pudor

É quem fala sem temor

Tudo que é palavrão.

Dar com os burros na água

É ser também mal sucedido

Acuado é sem saída

Quanto se está em perigo

Garganta é também gogó

Calcanhar é mocotó

Ter catinga é ser fedido.

Diz-se que é gororoba

Um alimento grosseiro

Baque é o mesmo que queda

E capanga é pistoleiro

Um bofete é uma bolacha

Cheiro de corpo é inhaca

Rápido ou veloz é ligeiro.

Não há quem possa dar jeito

Se o cabra é enraivecido

Só tem outro nome a dar

Ao sujeito enfurecido

Diz-se que é enfezado

Esse indivíduo danado

Às vezes até atrevido.

Falando em partes do corpo

O sertanejo tem sorte

Onde alguns tem o pescoço

No sertão se tem cangote

Os quadris se chamam quartos

As costas é espinhaço

Eita sertanejo forte!

Endurecer o cangote

É desobedecer

É ter opinião forte

Sem se deixar amolecer

Não faz o que o outro quer

Não deixa outro qualquer

Sua mente distorcer.

O nariz se chama venta

E a garganta é goela

Quando estes dois inflamam

É comum ficar sequela

Sinusite é estalecido

Não passa despercebido

Por que nos óio há remela.

Ainda há quem duvide

Da riqueza da linguagem

Fuça é o mesmo que rosto

Afirmo sem sacanagem

No sertão se fala assim

É um orgulho pra mim

Sertanejo tem bagagem.

O sertanejo é humilde

Mas é também importante

Não gosta de coisas fraca

Que seja insignificante

Diz logo que é mixuruca

E se brincar ele encuca

Mudando até o semblante.

O homem do meu sertão

Não escuta muita asneira

Anda a pé dentro da lama

Não tem micose é frieira

E se sentir dor de barriga

Diz logo que é lombriga

Provocando a caganeira.

Se o chão estiver quente

E começar a chover

Não se põe cabeça fora

Com medo até morrer

Pois dizem que tem mormaço

Trancam-se sem embaraço

Para não adoecer.

Se eu quiser que um amigo

Fique encasquetado

Faço muita raiva a ele

Até ficar irritado

Não o deixo dormir direito

E ainda digo que o sujeito

É também encafifado.

Quem trabalha lá na roça

De terra entende bem

Sabe todas as medidas

Nenhuma dúvida tem

Um pedaço onde é plantado

Chama de eito, o roçado

Não pede ajuda a ninguém.

Rir do outro é caçoar

Também pode ser mangar

Se revelar um segredo

Também é desembuchar

Molhado é ensopado

Oh sertão velho danado

De tão rico linguajar.

Cada expressão tem valor

Só precisa definir

Também tem um apelido

Pra quem gosta de mentir

É contador de lorota

O cabra que não se importa

Em criar caso sem existir.

Se o sertanejo estiver

Em situação de desagrado

Doente ou sem ter dinheiro

Ou mesmo desempregado

Não há quem perdoe uma dívida

Metem o pau na sua vida

E ainda chamam de lascado.

Pé rapado é outro nome

Para quem não tem dinheiro

Pra namorar uma donzela

Precisa ser fazendeiro

Se não for, pode arredar

Deixar de azucrinar

O juízo do parceiro.

Meter o pau é falar mal

Da vida do cidadão

É fofocar pelas costas

Porém pela frente não

Seja mentira ou verdade

A vítima da falsidade

O homem aqui do sertão.

Se uma conversa for vazia

E não agrada a ninguém

Se não faz nenhum sentido

Perder tempo não convém

O sertanejo se apressa

E diz: - Que conversa é essa?

Não venha com nhé-nhém-nhém!

Há muito o que se falar

Das coisas do meu sertão

Mas por aqui vou parar

E em outra ocasião

Voltarei a escrever

Tem muito o que aprender

A linguagem do sertão.

É um orgulho pra mim

Ter nascido neste chão

Com todos esses costumes

Com tanta variação

Nossa linguagem é rica

E a mensagem aqui fica

Tenha orgulho do sertão!

MARIA APARECIDA DE SOUSA CARDOSO

SÃO JOÃO DO RIO DO PEIXE, 05 DE MAIO DE 2020.

Maria Aparecida de Sousa Cardoso
Enviado por Maria Aparecida de Sousa Cardoso em 04/06/2020
Código do texto: T6967640
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