No cangaço foi assim!
No papel de cordelista
Desejo dar novo passo
Hoje eu pretendo escrever
Um pouco sobre o cangaço
Era meu desejo antigo
Sem delongas, quero e faço
As discussões são enormes
Sofrendo o cangaço ofensa
Se foi do bem ou do mal
Isso não faz diferença
O que desejo, portanto
Viva, que a cultura vença
Das facetas que eu li
Do universo feminino
Das mulheres que viveram
No cangaço nordestino
Falaram em mais de sessenta
Cumprindo este destino
Maria Bonita fora
Ao lado de Lampião
Destaque entre as mulheres
Na história do sertão
Ela quis e desejou
Atendeu seu coração
Casada, muito brigava
Com um simples sapateiro
Mas confessou para a tia
Seu desejo verdadeiro
Conhecer e acompanhar
Lampião, o cangaceiro
Com treze anos de idade
Dadá fora raptada
Muito nova, uma menina
Na mesma noite estuprada
Sangrando e com muita febre
Foi socorrida e cuidada
Dos treze aos dezesseis anos
Foi morar com uma tia
Do cangaceiro ofensor
Por quem ela ainda nutria
Ódio, rancor e desgosto
Lembrando ou quando lhe via
Depois de moça formada
Autorizou, Lampião
Corisco veio e a levou
Vítima, algoz, união
Lhe tratando por esposa
Conquistou seu coração
O tempo curou a dor
Fechou também a ferida
O ódio, rancor e choro
Da cópula não consentida
Transformou-se, diz Dadá
No grande amor de sua vida
Outra mulher que marcou
A história com certeza
Por ser delas tão formosa
Por ser tão grande a beleza
Foi Lídia de Zé Baiano
Falo com imensa tristeza
Zé Baiano conhecido
Por ser tão rude e cruel
Juntou-se com a bela moça
Lhe tratou com ouro e mel
Muitos presentes lhe deu
Vestido, perfume, anel
No cangaço havia regras
Internas, pra se ter paz
Cobiçar mulher do próximo
Dentro do bando, jamais
O doido que assim agisse
Ia conhecer Satanás
A mulher que adulterasse
Por ter sido advertida
Com muita severidade
Pelo par era punida
Primeiro era maltratada
Depois lhe tirava a vida
Numa atitude atrevida
Lidia deu um falso passo
Na ausência de Zé Baiano
Em “Bem-Ti-Vi” deu um laço
Sem perceber que “Coqueiro”
Seguia-lhe passo a passo
Ao terminar o encontro
Por “Coqueiro” assistido
Ela foi chantageada
Num ato vil, atrevido
Ou você deita comigo
Ou conto pra seu marido
Lidia confusa, assombrada
Num ato de altivez
Respondeu não serei sua
Nem hoje nem de outra vez
Prefiro a morte tirana
A você ser meu “freguês”
O sol já se despedia
Quando no coito chegou
Muito cansado, afobado
Zé Baiano que apeou
Inocente, com meiguice
Procurou Lídia e abraçou
Ao redor de uma fogueira
No seio da escuridão
Costume daquele bando
Fazer a Deus oração
Porém “Coqueiro” inovou
Não rezou, fez delação
“Coqueiro” disse, falou,
Direto pra Zé Baiano
Você se dedica a Lídia
Só que é dela outro plano
Se deitar com “Bem-Ti-Vi”
Por segundo, dia e ano
O cangaceiro traído
Gargalhou, deu grande riso
Minhas mãos boto no fogo
Por Lídia se for preciso
Mulher a quem me dedico
Não merece este juízo
E verdade, Zé Baiano
Falou Lídia sem pensar
Porém o cabra “Coqueiro”
Só veio me dedurar
Por que quis me possuir
Pra poder nada falar
Eu recusei este imundo
Porque sou dona de mim
O corpo que estás vendo
É meu tin tin por tin tin
E se você não aceitar
O casório hoje tem fim
Zé Baiano apavorado
Por tudo que lhe foi dito
Pegou Lídia pelo braço
Transtornado, muito aflito
Arrastou pra um pé de pau
Lhe amarrou, eis o conflito
Lampião contrariado
Mandou segurar “Coqueiro”
Sentenciou sua morte
Num julgamento ligeiro
Pois cabra dissimulado
Só para enganar coiteiro
Pois se Lídia lhe cedesse
O que se propôs no trato
Você jamais nos dizia
Se ocorresse outro fato
Confiança é um patrimônio
Vital pra quem tá no mato
Lampião falou pra “Gato”
Mate este vagabundo
“Gato” atirou na cabeça
Fez um buraco profundo
Acusação e sentença
Aplicada num segundo
Zé Baiano se armou
Em busca do traidor
Corisco pulou no meio
Disse, pare por favor
“Bem-Ti-Vi” é do meu bando
Cuidarei dele, Senhor
Com choro, grito e com dor
Lidia ficou pendurada
Zé Baiano noite a dentro
Viu sua honra humilhada
Se martirizou, sofreu
Com a alma ajoelhada
Quando amanheceu o dia
Deu de mão ele da enxada
Começou cavar o chão
Pra ela a nova morada
Clemência pediu demais
Por ninguém foi escutada
Zé Baiano enraivecido
Terminou logo o serviço
Se armou com um porrete
Graúdo e muito roliço
Se dirigiu para ela
Foi terminar o serviço
Sem o perdão concedido
Lídia foi brutalizada
Cabeça, braços e pernas
Nenhuma parte poupada
A “cabrita” estava morta
Restava ser enterrada
Dadá confessou depois
De uma cena que lembrava
Na noite após o enterro
Algo que lhe assombrava
Zé Baiano como um lobo
Enlouquecido uivava
Este acontecimento
Deve ter reflexão
No mundo que se matava
Conhecido mundo cão
Pior que estuprar, matar
Estava uma traição
Se Lídia fosse assassina
Nos impusesse o terror
Talvez fosse uma heroína
Lhe chamariam de flor
Mas foi morta e condenada
Porque traiu, fez amor