VAQUEIRO DE BRINCADEIRA (ENSAIO NO CORDEL)

Quando menino eu brincava,

de boi brabo laçar no mato.

pegava ali uma melancia,

e uns galhos lhe enfiava...

Pra servir de chifre, dizia,

Vai boi brabo, boi véiii!

De uma cunca de palmeira

Fazia a minha montaria,

Indo pro fundo da capoeira

Era aquela maior gritaria,

Primo pega logo esse boi...

De galope no ventania!

Francivaldo ia pro lado,

Jocitã no outro estava,

Edgar como era espertão,

Espiava o tocar do gado...

Lá da rama de bezerra,

Com medo se admirava!

Aquilo era só pra valente,

Medroso não enfrentava...

Edvar como era esperto,

Corria, peidava e fungava!

Ninguém ficava por perto,

O fedor não suportava...

O mais simples era o Adão,

Menininho ainda de tudo...

Um galho quebrava na mata,

De medo ele ficava mudo,

E o rebombar do trovão?...

Era o Francílio batendo lata!

Cansado eu nunca ficava,

Podia brincar todo o dia,

Até chovia e relampejava,

Entardecia e eu não via...

Passava a hora de comer,

Mas eu nem fome sentia!

No mato tem muito perigo,

Cobra, espinho e bicho bruto,

Mas menino lá sabe disso,

Num liga nem pro umbigo...

Vejo um tatu eu já chuto,

Sem dó e sem compromisso!

Já quase o dia a findar,

O sol lá se escondendo...

Vovó se taca a chamar,

E a gente saia correndo,

Era um beiju com café,

Que a gente ia comendo!

Dormia logo, bem cedo,

Pra noite passar ligeiro...

Cansado de tanto aprontar,

Ficava logo com medo.

De vovó com jeito brejeiro,

Uma surra fosse nos dá!

Mas ela vinha contar estória,

Pra nós mansinho dormir,

Assim renovar as energias...

Guardando tudo na memória.

E por anos, sim, aqueles dias,

Faz parte do nosso existir!

O tempo não é companheiro,

Pois passa muito ligeiro...

Fica só mesmo a lembrança

Do tempo bom de criança...

Ah, se fosse bem diferente,

Mas a vida é Água corrente!

E tem que ser mesmo assim,

Ninguém nasce pra semente...

Nasce, cresce e envelhece,

Depois morre docemente...

E quando já está no fim,

Quer que tudo recomece!

Eu, vaqueiro de brincadeira,

Nunca tive tal pretensão...

Hoje sento em minha cadeira,

Começo a lembrar do sertão,

Das roças, das vaquejadas...

Dou mesmo muitas risadas!

Nunca uma roça eu botei,

Nem fui ao mato laçar boi...

Era coisa só de criança,

Lá tudo ficou e se foi...

Mas adquiri confiança,

E à minha terra eu voltei.

Nada do que deixei encontrei,

Não tinha mais aquela mata,

É claro que logo eu chorei...

Lembrança é como chibata,

No lombo de um sofredor,

O cabra se lasca de dor.

Poeta Camilo Martins

Aqui, hoje, 25.11.2014

16h22min [Tarde]

Estilo: Ensaio no Cordel