COVID-19: AS LIÇÕES DE UM VÍRUS
Por Gecílio Souza
01. O sistema capitalista
A meu ver foi baleado
Este modelo econômico
Que não é acostumado
A atender os anseios
Do povo necessitado
E se auto proclamou
Um Deus a ser adorado
Pode parecer incrível
Mas um troço invisível
Lhe deu um tiro bem dado
02. Todo o mundo atordoado
Com um minúsculo organismo
O mercado entrou em pânico
Parece que um cataclismo
Desembarcou-se no planeta
Os tolos vêem alarmismo
Até as grandes potências
Temem cair no abismo
O Coronavírus, seu moço
Deu um tiro no pescoço
Na veia do capitalismo
03. O próprio liberalismo
Se inclina para a vala
Trôpego e cambaleando
Por causa de uma bala
Os adeptos do modelo
Não gostam se alguém fala
Porém de tempos em tempos
Alguma crise se instala
O capitalismo moderno
Construíu este “inferno”
E nos pôs na antessala
04. A crise de larga escala
Que se instalou no planeta
O Corona é mais veloz
Que a bala de escopeta
Não poupa nação alguma
Ele entra em qualquer greta
Querem saber a origem
Desta virótica faceta
Surgem os falsos pastores
Falando aos expectadores
Que isto é obra do capeta
05. De olho na caderneta
E no bolso do “irmão”
Exploram-lhe a boa fé
Na sagrada embromação
Loteiam até o paraíso
Vendem à prazo a salvação
O seu próspero comércio
É o uso da religião
Mas não cumprem o dever
De falar e esclarecer
A verdade ao cidadão
06. Negam que a situação
É a óbvia consequência
De um modelo econômico
Na curva da decadência
Que supervaloriza o lucro
Lucrar é uma exigência
Subestima o ser humano
E destorce a ciência
Presta culto ao mercado
Toma de assalto o Estado
E decreta sua falência
07. O poder da evidência
Desmente tese em contrário
A força do Coronavírus
Alterou todo o cenário
Pôs em cheque a velha ordem
Do sucesso monetário
Que sabota a empatia
Cá do nosso imaginário
Os liberais hão de convir
E terão que admitir
Que o Estado e necessário
08. O liberalismo ordinário
Com a sua perversidade
Foi anulando direitos
Básicos da sociedade
Precarizando o trabalho
Negando a seguridade
Criminalizou os afetos
Conteve a solidariedade
Mas o Corona apareceu
O mercado se estremeceu
Expôs sua precariedade
09. Com toda a voracidade
De uma fera apocalíptica
O Corona veio com força
Contrariando a estatística
É desafio para a ciência
Desconstrói a crença mística
Atingiu o capitalismo
Em sua básica característica
Que é pôr o ser humano
Sempre em segundo plano
Mas falhou esta política
10. Sob uma visão holística
É fácil se concluir
Que mais cedo ou mais tarde
Algo grave teria que vir
Mas o sistema é insensível
Não foi capaz de ouvir
Os alarmes e os sinais
Que a crise pôde emitir
Precisou da ação terrível
De um organismo invisível
Para o mundo reagir
11. Não se pode mais sair
Livre e seguro na rua
O novo Coronavírus
Se junta à colega sua
Ou seja a dengue assassina
Que avança e não recua
E se somam ao banditismo
Moléstia que continua
Nas entranhas das cidades
Na barba das autoridades
É a verdade nua e crua
12. A volúpia perpetua
Esta sócio-delinquência
Agride o ecossistema
E promove a indigência
Comercializa-se tudo
Às custas da sobrevivência
Dos biomas e da vida
Em nome da concorrência
A tal ganância frenética
É mais do que falta de ética
É crime contra a existência
13. O mercado usa a ciência
Para fins comerciais
Grandes grupos econômicos
Investem seus capitais
No domínio e exploração
Dos recursos naturais
Transformam o ecossistema
Em lucros fenomenais
Liquidam a natureza
E os humanos na pobreza
Comem quaisquer animais
14. Os alimentos vegetais
Foram substituídos
Pelos tais de fest foods
E tantos outros surtidos
A cidade invadiu o campo
Com seus hábitos indevidos
Subestima a natureza
Nos programas repetidos
A TV que muito ilude
Quer iludir a juventude
E os menos esclarecidos
15. Multidões de excluídos
Triplicam-se a cada ano
É a insistência da vida
Desafiando o desengano
A miséria é o suplente
Do capitalismo tirano
Que se proclamou sagrado
E seu oposto é profano
É óbvio que não dá certo
O que põe o objeto
No lugar do ser humano
16. Compõem o cotidiano
Da nossa sociedade
Quatro princípios básicos
Que provam a deformidade
De um modelo fracassado
Mas nega a obviedade
“Sou o tal” e “tudo é meu”
“Busco a minha felicidade”
Hedonismo e egoísmo
Individualismo e narcisismo
Menosprezam a alteridade
17. Ignorou por maldade
Questões urgentes e sérias
Agrediu o ecossistema
Para explorar suas matérias
Descapilarizou o planeta
Multiplicando as misérias
A Terra está ressequida
Porque perdeu suas artérias
A natureza não suporta
E envia como resposta
Novos vírus e bactérias
18. As pestes não tiram férias
Tampouco usam licenças
E os humanos por ganância
Se matam nas diferenças
Opõem-se ao conhecimento
E se apoiam nas crenças
Por questões religiosas
Acentuam as desavenças
Amam a “Deus” e o dinheiro
Enquanto no mundo inteiro
Surgem terríveis doenças
19. Os males não são sentenças
De espíritos superiores
São recados que a natureza
Envia aos seus agressores
Acontece que os humanos
São péssimos interlocutores
Não entendem a voz da Terra
Nem são colaboradores
Quando entendem logo esquecem
E periodicamente aparecem
Vírus mais devastadores
20. Segundo os agricultores
Tempo bom é quando chove
As crises de produção
O bom tempo é que resolve
A segurança alimentar
É a terra que promove
Quando agride a natureza
Com certeza ela devolve
O exemplo contundente
É este vírus mais recente
O Covid-19
21. Agora o mundo resolve
Construir uma solução
Os países se engajando
Outros buscando um vilão
Agora é guerra global
Contra o minúsculo azarão
Por incrível que pareça
O “chefe” da nossa nação
Um chefe de mentirinha
Diz que o vírus é gripezinha
Uma chinesa invenção
22. Desvario de um sem noção
Estúpido e sem competência
Debocha da pandemia
Fere o decoro e a decência
Subestima a letalidade
Desta inédita incidência
As pessoas se isolando
Instinto de sobrevivência
Não se espera a solução
Da crença ou da religião
Agora é a vez da ciência
23. Cada um em sua residência
É um novo comportamento
Isolado e confinado
Luta contra o desalento
Acompanha como pode
O próximo desdobramento
O tédio e a incerteza
Aceleram o agravamento
De uma crise jamais vista
Tomara ninguém desista
De esperar o bom momento
24. É uma guerra em andamento
Contra este terrível flagelo
A melhor trincheira é em casa
Será duríssimo o duelo
Não adianta querer negar
Que a morte ergueu o cutelo
E somente a ciência
Poderá bater o martelo
O próprio liberalismo
Se afogou no ufanismo
E pode virar farelo
25. Tragédia sem paralelo
Se soma às incompetências
E à falta de habilidade
Das principais excelências
O isolamento causará
Prolongadas consequências
Disparada da miséria
Negativas interferências
Desemprego e homícidos
As depressões e suicídios
Dobrarão as ocorrências
26. Desafio às consciências
Esta realidade opaca
O vírus é indiferente
Qualquer classe ele ataca
Colocou a humanidade
Numa única e mesma barca
A ciência vai vencê-lo
Mas ficará a sua marca
O quadro é assustador
Será mais desolador
No período da ressaca
27. A economia que era fraca
Derreteu e se estrangulou
O sistema de saúde
Que era ruim piorou
As reformas que fizeram
O povo é que se lascou
É um blecaute social
Raúl Sexas profetizou
Ele fez a previsão
Na bela composição
“O dia em que a terra parou”
28. Além de parar desandou
Porque o que pára se atrasa
A resposta federal
É criminosa, burra e rasa
Parece um monstro perneta
Com dois bicos e uma asa
Come, defeca e não voa
Enquanto a nação se arrasa
Os Estados entraram em cena
Decretaram a quarentena
Para o povo ficar em casa
29. Esta política se embasa
No perigo astronômico
Que ronda a sociedade
Tal qual um risco atômico
A constituição garante
O princípio isonômico
Para que não prevaleça
O tratamento dicotômico
A lei é clara e não ilude
O direito à vida e à saúde
Supera o bem econômico
30. O trágico se torna cômico
Na mente do mau elemento
Que debocha e tira sarro
Do alheio sofrimento
Sadismo fundamentalista
Sem base e sem fundamento
Um eclipse social
O Covid é violento
Reclusão e paciência
Porque a sobrevivência
Está em jogo no momento
31. Sabe-se que o isolamento
Provoca tédio e cansaço
Mas também faz descobrir
A importância de um abraço
O afeto é fundamental
Nos momentos de embaraço
Infeliz é a sociedade
Que não cultiva este traço
Se o afeto não prevalece
O indivíduo desaparece
Porque ninguém é de aço
32. Não se vive sem um laço
De afeto e/ou amizade
Parece coisa tão simples
Quando há normalidade
Se esquecia a relevância
Daquela proximidade
O Corona faz descobrir
Esta humana necessidade
O vírus é muito nocivo
Mas tem um lado positivo
Desperta a solidariedade
33. Mudar a mentalidade
Da cultura egoísta
Reconstruir os pilares
De uma nação humanista
E repensar os valores
Certamente é a melhor pista
Para evitar que este caos
Muito em breve se repita
Outras tragédias virão
Sem uma transformação
Da doutrina capitalista
34. A crise deve ser vista
Em sua profundidade
Como duro questionamento
Ao ímpeto da modernidade
Que redefiniu o Estado
Inverteu sua utilidade
Enfim é uma crítica aguda
Ao modelo de sociedade
Onde uma parte detém tudo
E retira qualquer escudo
Protetor da outra metade
35. Com maior regularidade
Os males começam a surgir
Moléstias de toda ordem
E o sistema sem conseguir
Resolver seus paradoxos
Sua filosofia é omitir
A própria ineficiência
O povo há de resistir
Se esta crise é malvada
Ainda não vimos nada
O pior está por vir
36. Cedo ou tarde vai explodir
Aqui em nosso hemisfério
Uma sucessão de crises
Este modelo é deletério
Haverão muitos colapsos
E talvez um só critério
Uma das crises severas
Será a do cemitério
Faltam espaços dispostos
Para sepultar os mortos
Mas ninguém leva isto a sério
37. A rua será necrotério
Se esta ordem não mudar
No ritmo que a coisa vai
A cidade vai se inundar
De insetos peçonhentos
Difíceis de erradicar
Suspeito que brevemente
Do subsolo irão brotar
Micro-organismos poderosos
Extremamente venenosos
O caos volta a se instalar
38. Não quero profetizar
Isto é papel do profeta
Me dedico a fazer versos
Sou aprendiz de poeta
E por meio do cordel
Faço a análise e um alerta
Aproveite a quarentena
Não desista de sua meta
Se cuide com segurança
Tenha força e esperança
Que iremos sair desta!
G. S.