O Rico e o Pobre

Todos os dias se podia observar,

Sentadinho em seu banquinho,

O sapateiro a trabalhar e cantar,

Estava feliz em seu cantinho,

Consertava os sapatos direitinho,

Os clientes não tinham a reclamar.

Do outro lado da mesma avenida,

Naquela pacata e calma cidade,

Outro homem tinha outra vida,

Era um banqueiro da mesma idade

Que como ele já passara a mocidade,

Mas também se empenhava na lida.

Tinha bens e bastante dinheiro,

Mas vivia em constante reclamação,

Pois não se sentia todo inteiro,

Não dormia e tinha má alimentação

Porque se enchia de preocupação

Cercado por um bando de caloteiro.

Enquanto o sapateiro feliz cantava,

O banqueiro triste se estressava,

Enquanto o primeiro repousava,

O segundo na cama rolava,

Um na simplicidade ali estava,

O outro com conforto se arregalava.

O sapateiro tinha muita docilidade,

O banqueiro não era nada divertido,

O primeiro distribuía felicidade,

O segundo sempre bem abatido

Vivia a se proteger dos bandidos,

Não tinha uma vida de qualidade.

O sapateiro vivia dia por dia,

O banqueiro pensava no futuro,

O sapateiro a si mesmo dizia:

“Nunca vendo meu trabalho a juro,

Quem não vive bem eu esconjuro,

A vida pra mim é só alegria”.

O banqueiro se pôs a refletir:

“Minha vida é só uma canseira,

Não consigo ver o tempo fluir,

Não consigo ficar numa cadeira,

A minha vida não é brincadeira,

Não posso parar, tenho que agir”.

“Eu tenho tudo que que desejo,

Brinquedo de rico tenho de montão,

Mas não brinco, muito menos festejo

Nem sei o que é ter diversão,

Todos os dias luto para ter mais,

Ficar pobre não pretendo jamais,

Vivo a comprar e vender ação”.

E o banqueiro passou a observar

O vizinho sem nenhum tempo ruim

E com os botões pôs-se a pensar:

“Se pobre, ele já é tão feliz assim

Imagina rico como então seria?

Que imensa felicidade ele teria?

Talvez ensinasse algo pra mim”.

Mandou-o chamar em sua casa

E lhe ofereceu uma refeição,

Enquanto a batata estava na brasa,

Já foi lhe lançando a questão:

“O senhor parece um homem de fé,

A fórmula da sua alegria qual é,

Ganha bem em sua profissão?”

O sapateiro então gargalhou

Considerando o outro sarcástico

E o banqueiro então emendou:

“Seu humor é algo fantástico,

Mas quanto ganha por ano?

Me diga se estou sendo leviano

E perdão por parecer pleonástico”.

O sapateiro riu outra vez:

“Peço desculpas, meu senhor,

Mas à pergunta que me fez

Não tem resposta e, por favor,

Não pense que estou fugindo

Ou informação lhe omitindo,

É que não sei mesmo o valor.”

“Dia após dia vamos vivendo,

Administrando o pouco que dá,

Mas às vezes nada tendo

De dinheiro para administrar

E se um dia agente come algo,

No outro a barriga fica sem saldo

Esperando o lucro enfim chegar.”

O banqueiro boquiaberto falou:

“Se com tão pouco é contente,

Um bom dinheiro eu lhe dou

E viverá melhor com sua gente,

Muito mais feliz você será,

De uma boa vida gozará,

Receba essa quantia suficiente”.

O homem uma bolsa lhe entregou,

Muita bufunfa ela continha,

O sapateiro humilde recusou

Ao perceber que estava cheinha,

Mas o banqueiro lhe implorou

Que aceitasse aquela doação,

Pois ele a fazia de bom coração,

Então o pobre a mala segurou.

O sapateiro quis agradecer,

Mas palavras naquela hora

Ele não conseguia dizer,

Foi se dirigindo para fora

E a emoção não podia conter,

Seus sonhos se realizariam,

Muitos bens eles possuiriam,

Com a família viveria no prazer.

E lá se foi fazendo os planos

De reformar a sua moradia,

De trocar todos os panos

E muitos objetos ele compraria,

Pois eram agora ricos humanos

Que não sofrem com miséria,

Seriam uma família séria,

Pobreza não lhes causaria danos.

Com sua mulher compartilhou

A boa notícia que ele possuía:

“Marida, rico seu esposo ficou

Agora nossa vida é só alegria.”

As notas a ela, ele mostrou,

Ela, suas lágrimas não conteve,

Mas um grito com a mão deteve

E como uma criança ela chorou.

Quando a noite enfim caiu

O homem guardou a sacola,

Mas dormir ele não conseguiu,

Pois repouso com medo não rola,

Já que o pavor lhe perseguiu

De que alguém lhe roubasse

E pobre outra vez lhe deixasse,

Então o sono simplesmente fugiu.

O sapateiro vivia na ansiedade,

Já não mais cantarolava,

Perdera sua peculiar felicidade,

Com sua mulher descontrolava,

Em casa não mais a serenidade,

Do dinheiro não gastou nada,

Evitava dar qualquer bandeirada

E atrair os ladrões da cidade.

Mas então pensou o sapateiro:

“Não tenho como antes alegria,

Vou devolver o saco de dinheiro,

Isso será um ato de sabedoria,

Vou já à casa do banqueiro

E na situação dar uma reviravolta,

Pois quero minha vida de volta”

Assim o fez em um ato certeiro.

O sapateiro voltou a ser pobre,

Pela sobrevivência de novo lutaria,

Pois a prata, o ouro ou o cobre

Mais felicidade a si não traria,

Se na carteira o dinheiro lhe sobre,

Tranquilidade no coração lhe faltará,

Já que paz e sossego não mais terá,

Então o valor do simples redescobre.

(Adaptação do Conto de La Fontaine)

Autoria: Aberio Christe