Confissão de meus pecados quando eu era vivo

No tempo em que eu era vivo

Cometi alguns deslizes

Se fui um vil pecador

Eu não sei, assim o dizes

Mas acho que a perversão

É mal de muitas matizes.

Se minha vida maldizes

E o meu fim comemora

Farei aqui um relato

Dos meus pecados de outrora

Pra completar sua lista

Vou relatar nesta hora.

Mandei a vergonha embora

Mesmo porque já tou morto

Defunto não tem recato

Pra contar seu viver torto

Narrarei minhas infâmias

E sem nenhum desconforto.

Escapando do aborto

Nasci em cinquenta e cinco

Na cidade Cajazeiras

Numa barraca de zinco

Para não perder a rima

Ali não tinha nem trinco.

Com essas coisas não brinco

Mas já comecei pecando

Mordi o bico do peito

De uma santa e achando

Que era o rei da quebrada

Mas terminei me ferrando.

Enquanto estava mamando

Mijei no corpo da santa

Mesmo com o sacrilégio

Fui amado pela infanta

Que passou a me ofertar

O café, almoço e janta.

Soltava pela garganta

Um berro escandaloso

Para chamar a atenção

Em artifício manhoso

Acordando a rua inteira

Vexando meu pai zeloso.

Fui um menino dengoso

Cagão, mijão e gosmento

Com oito anos de idade

Quase tomava no assento

Engoli muitas pitombas

Entupindo o fedorento.

Foi o primeiro tormento

Pelo pecado da gula

Caroço no fiofó

Tinha que ninguém calcula

Mãe tirava com a colher

Em operação tão chula.

É coisa que encabula

Falar nisso, mas eu digo:

Comecei batendo bronha

Com dez anos e prossigo

Vendo a galinha cagar

O desejo mais antigo.

Não sabia do perigo

Do pecado da luxúria

Cometi muito delito

Por causa dessa incúria

Tanto consorte traído

Que corri da sua fúria.

Pode parecer injúria

Mas já fiz uma desfeita

A um padre avarento

Com sua fé imperfeita

Roubei a biblioteca

Mas eu explico essa peita:

O vigário de direita

Me mandou pintar uma tela

Sobre a Virgem Maria

Caprichei na aquarela

Não me pagou o serviço

Ainda levei um rela

Pra me vingar da querela

Abiscoitei uma obra

Da estante do padreco

Em traidora manobra

Nesse mundo mercenário

É cobra engolindo cobra

O que na verdade sobra

É muita ira e avareza

Dos pecados capitais

Conheci toda baixeza

O pecado da inveja

Exponho agora na mesa.

Jamais cometi proeza

De ser mestre popular

Por isso morri de inveja

Do cantador ao luar

Do palhacinho de rua

Ou mestre do boi-bumbá

Cheguei até a flertar

Com a profissão de ator

Mas na nobre atividade

Eu só tive dissabor

Fui um canastrão inepto

Sem voz, sem jeito, sem cor.

No mundo do desamor

Eu só tive vaidade

A soberba e arrogância

Aumenta com a idade

Só depois que eu morri

Vi a imbecilidade.

Lembro de toda maldade

Que pratiquei quando vivo

Ira, avareza e preguiça

Eu sempre fui um cativo

Dos pecados capitais

Fiz um colossal cultivo.

Remexendo no arquivo

Vejo aqui meu lado oculto

Como já sou falecido

Eu não peço meu indulto

A má conduta ficou

Como cadáver insepulto.

Eu tomava como insulto

A palavra “trabalhar”

Deitado na minha rede

Vendo a vida passar

O pecado da preguiça

Eu exercia no bar.

Não fui cabra de lutar

Covardia foi meu lema

Bater asa dos problemas

Foi a tática suprema

Nunca enfrentei contenda

Em situação extrema.

Desafeto do Sistema

Porém sempre timorato

Fui inimigo do Rei

Perseguido como um rato

Afundado no esgoto

Ou escondido no mato.

Fui um sujeito pacato

Mas, no fundo um sicofanta

Ordinário, sorrateiro,

Um pirata e uma anta

Desprezível trapaceiro

Com veneno na garganta.

Namorei uma infanta

E também a irmã dela

Enganava uma e outra

Como enredo de novela

Ardiloso Don Juan

Que ao pústula nivela.

Esbanjando na gamela

Dessa vida dissoluta

Tornei-me na outra vida

Um grande filho da puta

Só não fui bolsonarista

Rufião de prostituta.

Também não fui um biruta

Um maluco alienado

Mas gostava de mentir

Fantasiei um bocado!

Como todo jornalista

Fui picareta safado.

Um mancebo mal amado

Nunca fui correspondido

Falava namoro à moça

Ela dizia ao marido

Fui comer uma donzela

Quase que era comido

Neste momento convido

O meu ilustre leitor

A fazer seu testamento

Os seus pecados dispor

Botar tudo no papel

Sem se importar com o fedor.

Eu sou seu inspirador

Dizendo minha verdade

Confessando minha culpa

Assumindo a maldade

Depois de morto se vê

Da vida a vacuidade.

Assumo a paternidade

Dos pecados que narrei

Transgressões, faltas e erros

Muitas cagadas que dei

Todavia após a morte

Tudo é nulo por lei.

Se um dia eu brochei

Foi nesse falecimento

A verdade veio à tona

No meu aniquilamento

Que a vida não é tudo

Mas é mesmo cem por cento.

Fábio Mozart
Enviado por Fábio Mozart em 28/01/2020
Código do texto: T6852820
Classificação de conteúdo: seguro