Cantoria astral.
Assentado num mourão
que nem um papa capim
toquei nas cordas da noite
um solo de bandolim
uma peitica chorou
quis voar logo voou
aquietou-se distante
numa noite fria e nua
vendo a gema da lua
chorar em quarto minguante.
Voltei de novo a tocar
nas cordas da brisa fria
a serra bruta tremeu
deserta alta sombria
a aroeira copada
floresceu na madrugada
na vastidão das colinas
aonde lenta caia
sobre a grama macia
o gotejar das neblinas.
Um vapor vindo do mato
perfumou os arredores
as brenhas e os monturos
e as florzinhas menores
coloriram as ramagens
em simples homenagens
a tão dolente canora
sentindo a leve presença
da borboleta imensa
beijando sua corola.
Um rebanho ruminava
no campestre esquisito
onde gigantes coqueiros
sumiam no infinito
o nevoeiro gelado
soprou no mato cerrado
um tenebroso gemido
que ate o pardo carão
no tocar da solidão
pensou já haver morrido.
Toquei queimando as cordas
das labaredas da praça
compus nas cinzas das almas
uma canção de fumaça
um fantasma colossal
se contorceu em espiral
por entre folhas e ramas
um braseiro crepitante
estalava todo instante
uma cantata de chamas.
Os rios largos e fundos
esborraram nos jardins
duas belas gaivotas
como um par de querubins
voaram sobre os cumes
com milhões de vagalumes
a clarear com nobreza
os prados e os pomares
vendo eu tocar nos ares
na lira da natureza.
Nos acordes do orvalho
as rãs fizeram um coro
umas nas outras montadas
atadas num só namoro
a brúna com meiguice
balançou sua velhice
as galhas tortas antigas
testemunhas de quimeras
ouvindo eras e eras
o tocar dessas cantigas.
A cuia preta da noite
emborcou-se sobre tudo
qual um jazigo profundo
gelado triste e mudo
o sereno desolado
feito um choro sagrado
pranteou no firmamento
o cometa que vagava
ouvia que eu tocava
na harpa do pensamento.
Uma estrela cadente
assobiou no espaço
num brilho azul celeste
alumiando o aço
da folha do cata vento
girando todo momento
na dimensão sideral
então dos altos dos mastros
toquei nas cordas dos astros
uma serenata astral.
Os sonhos e as visões
os encantados os santos
soluçaram pela noite
uma frieza de prantos
dentro da rocha cavada
uma coral enrolada
tremeu com o que ouviu
a caipora imortal
dentro do oco do pau
se encolheu e dormiu.
De repente um silêncio
nem som nem brilho nem nada
o mundo se tornou mudo
calou-se a madrugada
olhei o vasto escuro
infindo, denso e puro
sereno forte divino
em cavalos de faxeiros
Surgiram anjos vaqueiros
cantando um novo hino
Em um clarão cintilante
eu me senti transportado
como um corvo de fogo
num horizonte dourado
era a alva do dia
dando fim a cantoria
com a cortina de lã
luzindo a exaltar
qual a vela no altar
da catedral da manhã.