SEDUÇÃO DE CUTELO

Doutor, Zefa de Inocenço,

Veio cum cerca Lourenço

Pra riba d’eu...

Dixe que tava gostando

D’eu. Tava ela pensando

Que enganava eu?

Logo eu, cabôco da roça,

Que não atolero troça,

Alguém zombando de mim?

Mas, ela cabôca esperta

Dixe que tava certa,

De nós acabar juntin!

No começo não dei trela

E fechei minha cancela,

A qualquer chamego seu...

Pensei ir desconversando,

Mas ela foi se achegando,

Atrás do chamego meu.

Eita, mulher descarada.

Tampo de mulher safada,

Essa Zefa seu doutor!

Como uma onça acuada,

Deu-me uma bocanhada,

Que me fez gemer de dor!

Pensei em fugir da nega,

Mas ela que nem manteiga

Derretia em minha mão!

Oinho miúdo, resfolegando,

Que nem égua galopando,

Doida por um esfregão!

A ensandecida muié,

Fez aquele funaré

Comigo no matagal...

Tal qual uma égua no cio,

Pulando num rodopio,

Naquela coisa animal!

Jogou-me numa coivara

Feixe de lenha de vara

Que foi bonito de ver...

Parecia uma cadela,

A fulaninha magrela,

Se mexendo pra valer...

Dizendo muita besteira,

Umas merda umas leseira,

Um monte de palavrão...

Fungava que só o demo,

Canoa levada a remo

Navegando em ribeirão!

Hora era um bicho bravo,

Sofrendo que nem escravo,

Chorando que nem cristão...

Hora era sinhazinha,

Toda mandona a Zinha,

Rapariga de tostão.

E naquela estripulia,

Dava até uma agonia

Vê a nega em combustão.

Queimando a relva macia

Com aquele fogo de azia

Ardendo em brasa, tição!

Com aquele riso torto,

Meio vivo meio morto.

Nos espasmos do seu gozo...

Ela quase fora de si,

Sentindo-se fora dali

No estertor mais gostoso

Dizendo seus absurdos

O alarido dos surdos

O chororó dos sentidos...

Eu me sentindo usado,

Comido e triturado

E os músculos vencidos!

E foi naquele remelexo,

O atrito de dois seixos,

Naquela festa carnal...

Pensando no mundo nosso,

Naquele posso, não posso,

Acabou-se o bacanal.

Pegaram a gente no erro

Na baixada, lá no Cerro.

Nus naquele ato animal...

Nós dois nus na chapada

Sob o olhar da cabraiada,

Olhar de bicho do mal.

Queria me comer vivo,

Ver minha queda no crivo

E o calor de suas balas.

Eram olhares malignos,

Aqueles olhares indignos

De relatar-se em falas.

Inocenço montava cavalo,

Com sua crista de galo

Pronto pra me censurar.

Corria os olhos nos filhos

Todos com aquele brilho

Pensando em me matar!

Quando vi a coisa preta,

Pra resolver aquela treta

Eu teria que lutar.

Se não quisesse morrer,

Teria que me defender

Ou ver a morte chegar.

O que Zefa fez foi chorar,

Tentando me incriminar

De abusar da boa moça...

Logo ela que num instante

Deitou no mato insinuante,

Sem pressão e sem força.

Me chamando de tarado

De louco, de obcecado,

Safado! Coisas assim...

Fiquei arretado de raiva,

Logo eu Gaudêncio Paiva,

Filho de Zé Joaquim!

Tenho lá minha vergonha

Não sou bicho de peçonha

E também não sou santo...

Mas por um rabo de saia

Todo cavalo na baia

Pula cerca mesmo manco.

Inda mais que a cachorra

Atenta, quis a desforra,

Para me tirar do sério...

Como tem mulher traíra,

Dessas que desperta ira,

E leva para o cemitério.

Mulher tampa de caixão

Safada movida a paixão,

Um convite ao adultério.

Como a Zefa venenosa

Vil, arisca e escabrosa,

Que tem lá o seu mistério!

Eita magote de gente

Com a sina de serpente

Que veio em cima d’eu...

Tudo de faca-peixeira

De cacete de madeira,

Pra rasgar o lombo meu.

Um sujeito quis folgar,

Dizendo: _ Vou lhe furar!

Pulei e a faca foi no vazio.

Dei outro salto e escapei

De outro talho e escorreguei

No chão molhado do baixio.

A turba trincando dente,

E fedendo a aguardente

Queria fazer o pior:

Punir tirando a vida

Do amante da perdida,

Na safadeza maior.

Ao ouvir:_ Vou lhe capar!

Eu quase fiquei sem ar,

Imaginando a desgraça...

Procurei olhando torto

O sujeito que ia ser morto,

Por querer fazer trapaça.

_ Vou capar o desgraçado!

_ Porque um cabra capado,

Não mexe com moça alheia...

Disse um tal de Zé Elia

Uma cabra que não valia,

Que lhe cobrisse na peia!

Por que o sujeito ruim

Veste roupa de Caim

E beija com traição.

Não usa de honestidade

Porque só a falsidade,

Serve-lhe de solução.

Ah, aí fiquei furioso.

E igual um cão raivoso

Investi na parentada...

Contra pai, tio e irmão,

Raça de nego cagão

Que briga de quartelada!

Saquei da faca peixeira

E foi aquela gemedeira

Não sei nem quantos furei...

Só sei que o alarido,

De longe era ouvido,

Dos cabras que retalhei!

Veio um tal de Robertão,

Com cara de bicho malsão

E me deu uma cutucada

Bem abaixo da virilha,

Quase pegando a braguilha

Raspando na malfadada

Dei um salto tão ligeiro,

Que o safado matreiro

Ficou logo amarelão...

E na ponta da minha faca,

Foi deixando a sua caca

Espalhada pelo chão!

Levou uma cutucada

Que deu logo uma cagada,

De cabra frouxo e cagão

Saiu correndo pelo mato,

Segurando o próprio fato

Balançando em sua mão!

Já a nega Zefa, gritava,

Ria e se descabelava,

Igual uma possuída...

Chorando por irmão e pai

Que naquele cai não cai

Via sua gente ferida.

O pai chorava de medo

Com aquele pesadelo

De ver os filhos caídos...

Ensanguentados no chão

Gritando a maldição

De estarem ali feridos.

Tudo pela ignorância

Da família e sua ânsia

De acobertar o errado...

Uma mulher mal falada

Quenga desavergonhada

Com mancha no passado.

E triste do pobre sujeito

Que tiver esse defeito

De lhe pegar pra casar.

Vai levar chifre o coitado

O bicho mal assombrado

A fazer medo e espantar.

Vai levar chifre o coitado

Com o chifre pendurado

A lhe enfeitar a cabeça...

De jeito que nem o padre

Sacristão, juiz ou frade,

Arranjará quem mereça.

Pra sossegar o seu facho

Só lhe arrumando macho,

Um alguém pra lhe servir.

É casar a rapariga,

Vagabunda d’uma figa!

E lhe botar pra sumir!

Por que bicho peçonhento

Venenoso, vil, nojento,

Não merece companhia!

E Zefa é perigosa

Sem jeito e ardilosa,

Um inferno de ousadia.

Gritei para o pai dela

Que balançava na sela

Quase a ponto de cair:

- Olha aí, Zé Inocenço!

Você que ta aí, penço.

Mande sua gente sair.

Vamos deixar como está...

Sua filha lá e eu pra cá

Na mais correta distância.

Bote uma pedra em cima

Leve Zé Elia e Dima

Mande chamar ambulância!

Senão o sinhô vai morrer,

Se não parar de tremer,

De ataque do coração!

Ter uma filha medonha,

Safada e sem-vergonha,

Não é boa coisa, não!

Mas não vá morrer agora!

Pegue seu povo, vá embora...

Leve a sua família!

Esqueça esse sofrimento,

Esse desapontamento

Com a doida de sua filha.

De minha parte, vá em paz!

A violência não faz,

Justiça a coisa alguma...

Só causa tristeza e dor

Mortes, feridos e horror,

Não traz vantagem nenhuma.

E foi como eu disse doutor.

Fui mais vítima que agressor,

Defendi-me pra não morrer.

Por causa de uma fulana,

Filha da puta, sacana,

Estou enrascado pra valer.

Encrencado com a justiça

Feito rolha de cortiça

To boiando em sua lei...

Por isso doutor: Me prenda!

A este meu pedido atenda,

Bote-me no seu xadrez!

Eu feri homens de bem

Homens que na honra tem,

A ignorância e a insensatez!

Condene este meu crime;

Só assim é que redime

Um homem de bem de vez.

(FIM)