CORDEL DO AMOR QUE SE FOI
CORDEL DO AMOR QUE SE FOI
- Primeira Parte: ENTREOLHARES
Espera... Guarda contigo
As águas dos olhos meus
N'um último olhar de adeus
Um olhar d'amante e amigo
Onde encontrarás abrigo
Ao levar os olhos teus
No que viveste comigo.
Se por ventura lembrares
Dos meus olhos a te olhar
Me haverás-de recordar
D'outros tempos e lugares
Entre longos entreolhares
Quando ousávamos sonhar
A despeito dos azares...
Foram noites; foram dias,
Acalentando prazeres
Em extremados quereres...
Em lânguidas agonias...
Gozaste-me as ousadias
Sempre com plenos poderes
Sobre as minhas fantasias!...
Tu me amaste co'a urgência
Com que se amam os famintos
De toda entregue aos instintos
Que dominam a consciência...
Onde o desejo e a violência
Se apresentam indistintos
Entre imanência e existência!
Desde os ombros devassados,
Os prazeres prometidos
Na carne nua aos sentidos
Pela língua degustados...
À flor da pele mostrados
Para meus olhos perdidos
Hão-de ser sempre lembrados.
Tive fome de teus lábios;
Tive sede de teus beijos.
Tanto quis n'esses lampejos,
Que meus olhos menos sábios
Sem bússolas ou astrolábios
Perdi n'um mar de desejos,
Que hoje parecem ressábios...:
Este olhar de despedida
Que acontece ora entre nós
Súbito m'embarga a voz
N'uma emoção tão sentida,
Que levo por toda a vida.
E o que quer que venha após
Não muda quanto és querida.
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- Segunda Parte: TÃO PERTO, TÃO LONGE
Tantas vezes eu passei
Na frente da tua casa!...
Meu peito aberto se abrasa:
Do amor o ardor apaguei
Nas cinzas do que sonhei!...
Tantas vezes... Que me arrasa
Te perder quanto me dei.
Como esquecer quem ausente
Mais presente ‘inda se faz?
Como, enfim, estar em paz,
Enquanto dentro da gente
Um turbilhão inclemente
Põe-me a olhar para trás
Ao invés de seguir em frente?...
É triste te olhar nos olhos
E n’eles me ver menor...
Porém, não os ver é pior
Do que os espiar por ferrolhos
Ou andar como se d’antolhos
Nada visse ao meu redor,
Senão d’amor os restolhos...
Porque saber-te tão perto
Fez más as boas lembranças,
Que me trazendo esperanças,
Tornou-me o caminho incerto,
Sonhando embora desperto,
Nas solitárias andanças
Pelo meu próprio deserto.
Porque saber-te tão minha,
Muito embora me deixando,
Vem me assombrar vez em quando.
Pois se a noite se avizinha,
Cogito se estás sozinha
Ou mesmo se em mim pensando
Meu desejo te adivinha!...
Porque saber-te tão linda
A meia hora de distância
Apenas m’enchera de ânsia
Diante d’uma história finda...
Finda, mas que sinto ainda
Na minha total errância
À espera de tua vinda...
Contudo, nossos caminhos
Se afastavam, divergentes,
Co’os deuses indiferentes
A tanto afã por carinhos...
Decerto foram mesquinhos
Em não nos querer contentes
Para deixar-nos sozinhos.
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- Terceira Parte: AOS TEUS OLHOS
Se me fosse permitido
Ver por meio dos teus olhos,
Quiçá um clarear d’abrolhos
Revelasse-me quanto o Olvido
Ocultara do acontecido
Até o silêncio entreolhos
D’um amor enfim perdido...
Dá-me os teus olhos p’ra ver
Como viste o que não vi!
Mostra o que nunca entendi
Para de vez t’esquecer
Ou simplesmente poder
Não ter saudades de ti
Nem esperanças manter.
Deixa-me ver como vês;
Deixa-me olhar como olhas.
Entender tuas escolhas
E cotejar teus porquês
Ao me negares mercês,
Antes que tu te recolhas
À distância uma outra vez.
Em face de teus motivos,
Penso que possa livrar-me
Dos apelos de teu charme
Que os olhos me têm captivos.
Resta esconder-me dos vivos.
Ou senão viver ao alarme
D’estes teus lábios lascivos...
Não fosses do mundo o centro,
Cairia por ti de joelhos
E embora d’olhos vermelhos,
Te veria desde dentro...
Mas, se teus olhos adentro,
Vejo como por espelhos
Os azares que concentro.
Soberbo olhar que m’empedra,
Não o rosto: O coração!
Receio, ao par da ilusão,
Os sós amores de Fedra,
Cuja lendária paixão
Lembra a do tosco carvão
Que diamante se poliedra...
De facto, estrelas cadentes
Após riscarem o céu,
Deixam crateras ao léu
Com desastres surpreendentes
Que tornam selvas crescentes
N’um titânico escarcéu
Pedrinhas esplendecentes...
E do mesmo modo o amor
Após devastar minh’alma,
Levou-me a clareza e a calma
Soterrando-me em torpor...
Nada há mais em meu favor:
Eis quem te houvera a palma,
Hoje a teus olhos menor!...
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- Quarta Parte: ESCUSÁVEL
Coisa horrivelmente chata
Essas lamúrias de tonto!...
Penso ter chegado ao ponto
De não ver quão insensata
A memória quase ingrata
Que te faço no que conto
Tanto que a língua desata.
Melhor te pedir escusas
E me afastar com meus ais
Certo de que amor demais
Evoca sombrias musas
Entre memórias confusas
Dos sonhos tornados reais
Até topar com recusas...
Perdoa estes ais; perdoa
Esta insistência infeliz;
Este extremado cariz
De exagerada pessoa...
Perdoa a enfadonha loa
Que nem condigo condiz
Nem agradável ressoa.
Perdoa-me a cantilena
Que se arrasta aos teus ouvidos...
Considera-os qual gemidos
D’uma alma que antes serena
Mais se agita e s’envenena
Face aos beijos já perdidos
Em tua mirada amena.
Considera-os desatinos
D’uma alma tão perturbada,
Que uma vez desembargada
Fica a especular destinos
Onde amores vespertinos
Tidos por fava contada
Tornem em sonhos ladinos.
Considera-os, entretanto,
Amores, que amores são!
Acolhe a minha ilusão
E mesmo o ardor com que canto
Como desabrido encanto
Que redescobre a paixão
Entre sorrisos e pranto.
Eu assim cuido que sigo
Sem perturbar-te o momento
Com meu audaz sentimento
Buscando em teu colo abrigo.
Tudo o que quero contigo
É levar-te como alento
Do mais doce amor comigo.
Sim, porque o amor que se foi
É o que sempre será...
Sim, este é aquele que há-
De me aquecer com um “oi!”...
Sim, feito aboio de boi
Que me ecoando lá e cá
Tangesse o peito que dói.
Sim, porque este amor passado
Sempre te faz resplendente.
Mesmo que estejas ausente
Sempre te sinto ao meu lado.
E sim, porque enamorado
Eu sempre te tenho em mente:
Amor no peito guardado...
Betim – 11 01 2020