CORONELISMO DE SANGUE

Naquela chuva de trovões,

Relâmpagos e clarões,

Os negros ali cavaram.

Cavaram ali um buraco

Perdido naquele charco,

E lá mesmo eles ficaram.

Depois de o buraco cavar,

E o patrão lhes ordenar

Que descessem o baú,

Resultado de pilhagens,

Falcatruas e rapinagens

Lá pras bandas do Assú!

Após enterrarem o ouro

Levaram chumbo no couro,

Do desalmado patrão

Que temendo ser traído

Por um escravo fugido,

Executou-os à traição!

Matou os dois escravos

Antes para ele, bravos

E fiéis até a morte.

Embaixo de uma ingazeira,

Atirou com mão certeira

E selou-lhes sua sorte

Matando sem piedade

E com toda crueldade

José e o preto Simão!

Que caíram sobre o baú

Feito estrume e Pau,

Como a guardar o caixão.

Caíram sobre o esquife,

Mortos por um patife

Que tinham como patrão

Que ungido da ganância

E uma criminosa ânsia

De matar a traição.

Matando também os cães,

Animais valentes, titãs,

Enterrados com os donos

Naquele buraco fundo

E escondidos do mundo,

Jaziam no abandono!

Nem mesmo os urubus

Os gaviões, caititus

Presenciaram a carniça.

O coronel João Queiroz,

O homicida e algoz

Com toda sua cobiça

Usando uma pá de terra

E sua mente perversa,

Cobriu o buraco da cova.

Usando afiado facão,

Fez uma cruz de pinhão

Marcando aquela desova

Dos comparsas em assaltos,

Em roubos e sobressaltos

No sertão do Seridó.

Era o século dezenove,

Ano de noventa e nove,

De violência e pó.

Fez um mapa detalhado

Daquele local marcado

Onde escondera a fortuna...

Descrevendo num diário

Cada ponto necessário,

Para em hora oportuna

Resgatar o seu tesouro

E desfrutar de seu ouro

Naquele chão enterrado!

Circulando com o olhar

Tudo naquele lugar,

Com jeitão desconfiado.

A chuva caindo em demasia

Tornando-se uma agonia,

De fazer frouxo chorar.

Mas aquele Coronel,

Ambicioso e cruel,

Nada tinha a recear.

Ninguém mais sabia

De suas faltas e cabia

Ter dado à cumplicidade,

Um fim bem merecido;

Para não se ver rendido,

Por sua desonestidade.

No Rio Grande do Norte

Era o senhor da morte

E também senhor da vida!

Era quem dava sentença

Alimentando a crença

Daquela gente sofrida

Que tinha parte com o cão

Aquele sujeito malsão,

De extrema crueldade...

A quem todos temiam,

A quem todos serviam

Privados da liberdade

De decidir ou escolher

De optar ou de crescer.

Sem consultar o Coronel!

E quem desobedecia,

O castigo logo via,

De uma forma cruel.

Tinha o sítio queimado,

O rebanho dizimado

E a jagunçada no pé...

Prontos pra tirar o couro

De quem teve o desaforo

De ir contra o Coroné.

A casa incendiada

A mobília confiscada,

Destruída a plantação!

Se tivesse filha moça.

Ia sofrer o desgosto

E a grande humilhação

De vê-la ali desonrada,

Estuprada e emprenhada

Pelo mais vil e cruel,

E violento tirano

Sádico e desumano

Com título de Coronel.

Sabia o potiguar

Que não podia enfrentar

O Coronel João Queiroz!

Que desafiava a justiça

E rezava sua missa,

Da maneira mais feroz!

Com a sua mão de ferro

Impunha medo no berro,

A todos os sertanejos!

E nas vilas, nas cidades.

Todas as comunidades,

Em todos os lugarejos!

Tinha nas mãos a polícia,

Os jagunços, a milícia

Os políticos do estado.

Tinha nas mãos o vigário

E todo o seu sacrário

Com ele compartilhado.

Horas de confessionário

Que ele o emissário

De Deus aqui na terra

Não lhe negaria perdão

Diante da confissão

De seus pecados de guerra!

O seu vigário sabia

O que o coronel fazia

E não o denunciava.

Não que concordasse,

E a covardia apoiasse

Mesmo por que, calava...

É que segredo de confissão

Era parte de sua missão,

Coisa de não se revelar.

Fortalecia o ministério

A discrição e o mistério

De ouvir e não comentar.

Com certeza seria morto

Se falasse daquele torto

Que tudo faria pra silenciar

Qualquer que denunciasse

Seu lado bandido e usasse

Do direito de lhe enfrentar.

João Queiroz na sua fúria

E em toda a sua usura

Vivia sob os caprichos

De sua bela mulher Inês

De linda e bronzeada tez,

Razão de muitos cochichos.

Corria à boca pequena

Que Inês bela morena

Fora trazida do sertão

Paraibano e roubada;

Diziam que sequestrada

Pelo Coronel João.

Que satisfazia seus desejos

Com mimos e gracejos

E luxos que podia comprar!

Tinha um ciúme doente

De seu amor inconsequente,

Único e amor sem par.

Certo dia deu um flagrante

Na mulher com um amante

Em sua sala de estar.

Matou o sujeito à bala

Estirado em sua sala

Que ousou lhe cornear.

Sua mulher, oh coitada.

Levou muita punhalada

Do seu impune marido,

Que usando de prestígio

Abafou seu homicídio,

Na honra de ser traído!

Como ele tinha dinheiro

Prestígio em seu terreiro

Comprou a lei e a justiça

Começando pelo delegado

Comprou juiz e advogado

E o vigário em sua missa

Só não fugiu do destino:

Morreu doido em desatino

Correndo de seus fantasmas

Gritando por ruas e becos

Se arrastando em rios secos

Fugindo de muitas almas

Que mandou pro outro mundo

Fruto de egoísmo profundo

De sua maldade inconteste.

Morreu sozinho pelos matos

Dormindo com cães e gatos

O safado cabra da peste!

FIM