A CRIAÇÃO DE HOJE EM DIA
POR JOEL MARINHO
 
A infância está mudada
Já faz um pouco de tempo
Desde que o mertiolate
Não causou mais sofrimento
E arranhado no joelho
Não causa nenhum tormento.
 
Bicho do pé extinguiu
Não existe mais frieira
Menino de hoje em dia
Não sabe o que é coceira
Não lava mais uma louça
Nem vende picolé na feira.
 
E sobre esse assunto
Não quero polemizar
Cada qual cria seus filhos
Do modo que desejar
E eu não me meto nisso
Para não me estressar.
 
Mas criar uma criança
Sem ela pisar no chão
Parecido um bibelô
Isso é coisa do cão
Faz o menino molenga
Não aguenta um empurrão.
 
Depois que acabou a gripe
E criaram o resfriado
Não se come mais catarro
Menino ficou mimado
Só come papinha pronta
Carimã é do passado.
 
Inventaram o iogurte
Eita coisa do capeta
Sua fórmula é só corante
A boca não fica preta
Para matar o sapinho
Não se usa mais violeta.
 
Cresce na maior frescura
Não toma banho de chuva
Come maça e não manga
Em vez de farinha, uva,
É uma coisa sofrível
Igual roça com saúva.
 
Os brinquedos são comprados
Trazidos todos da China
Não se usa o intelecto
Do menino e da menina
Deixa as crianças patetas
Veja só que triste sina.
 
Para acalmar as crianças
Dão logo um celular
Fica o dia patetando
Dedo pra lá e pra cá
Em pouco tempo estão cegos
Só com óculos pra enxergar.
 
Não tem mais perna de pau
E nem joelho esfolado
Nem mais marcas de pereba
Nem cotovelo ralado
Quebra-se a testa já correm
Na UPA são costurados.
 
Não se sara mais ferida
Com cinza, sal e limão,
Se fizer isso, meu Deus!
É tamanha a exclamação
Dizem logo vai dá tétano
E estragar o pulmão.
 
Posso está exagerando
Sei que o tempo passou
Talvez os pais hoje tenham
Um pouco mais de amor
E eu que estou obsoleto
Nisso que o mundo se tornou.
 
Talvez seja só saudade
Dessas coisas do passado
No meu tempo de menino
Eu era desenrolado
De uma lata de sardinha
Fazia um carro arrochado.
 
Corria dentro do mato
No meio da tiririca
Rasgava o dedo no toco
E “balava” as peiticas
Capinava “barba de bode”
Tomava água na bica.
 
Hoje em dia, Deus o livre!
De dar água a criança
Que não seja mineral
Olha só quanta lambança
Vai parar no pediatra
Doente sem esperança.
 
E dessa forma as crianças
Crescem sem desenvolver
Tem tudo o que precisa
E sem esforço fazer
E na primeira barreira
Começa a querer morrer.
 
Sei que existe a doença
A chamada depressão
Mas vem crescendo demais
Essa desgraça do cão
Creio que está ligado
Em se ter tudo nas mãos.
 
E quando vem a pressão
Não sabem como lidar
A dor que sentem é tão grande
A ponto de se matar
Não que isso seja regra
Mas tem a ver com o educar.
 
Eu não vou mais alongar
Pra não ser mal interpretado
Crie do jeito que quiser
E não como eu fui criado
Cresci com banho de chuva
Comendo manga e não uva
Esse é o meu legado.