RÉPLICA NORDESTINA
Por Gecílio Souza
Se há coisa que me fere
Aborrece-me e me irrita
É dizer que o nordestino
É inferior ao sulista
Para mim é inconsistente
A idéia separatista
Quem defende tal idéia
Tem espírito egoísta
Mostre-me qual o motivo
Não vejo problema à vista
Eu sou baiano e garanto
Que como da minha marmita
Se é mugunzá ou farofa
Para mim nada interdita
Peço aos irmãos lá do Sul
Para não erguerem a crista
Que se ame o habitat
Mas que não seja bairrista
Pois no Norte e Nordeste
Há muita coisa bonita
Onde fica a Amazônia
Pulmão desta terra aflita?
Onde nasceu Chico Mendes
O mártir ecologista?
É aqui que estão o ouro
Diamante e cassiterita
Castanha e pimenta do reino
Aço, petróleo e brita.
Feijão e cana-de-açúcar
Cacau, coco e maguarita.
De onde é que sai o sal
Para nossa mesa bendita?
A macaxeira e o milho
Nisto ninguém nos imita
Respondam-me onde estão
Os campeões da escrita?
Da boa música popular
Aqui é o berço do artista
E a música sertaneja
Quem duvidar nos assista
Somos o coração do país
Aqui a tradição palpita
É a cultura mais autêntica
Preciso ser realista
Aqui tem folia de reis
O povo canta e recita
A literatura de cordel
É aqui mesmo que habita
O mais vivo carnaval
O povo daqui é quem grita
É aqui que há mais rios
Se alguém não acredita
Venha passear na Bahia
E a verdade não omita
Se a gente passa sede
A culpa é do imperialista
Que cerca as águas para si
E para a sua senhorita
Mas vou seguindo aqui
Completando a minha lista
Onde é que está o poeta
E também o repentista?
Daqui sai o teatrólogo
A atriz e o humorista
Nasceu aqui o roqueiro
Raul Seixas o guitarrista
O imortal Ruy Barbosa
Que no reino parlamentarista
Ensinou inglês ao inglês
Sem gramática e sem tablita
E o saudoso Castro Alves
O jovem anti-escravagista
No Nordeste também tem
Um monte de estadista
Por exemplo, Miguel Arraes
Do Partido Socialista
Assim como Waldi Pires
Um deputado petista
Esta terra produziu
O retórico e o romancista
Do Sul nós não temos nada
Exceto o capitalista
Que chega aqui com tratores
E expulsa o sertanista
Transformando-o em mendigo
Vítima da fome maldita
Pois a lei do latifúndio
É o revólver quem dita
Espero que caia no vácuo
O ímpeto segregacionista
Mas às vezes o paciente
Dá lição no especialista
Sabemos que lá no Sul
Há muita gente benquista
Que nos considera irmãos
E tem senso de humanista
Precisamos andar juntos
Construindo a mesma pista
Ninguém é melhor que ninguém
Já dizia o evangelista
Somos apenas diferentes
Que cada qual se divirta
O ser humano é maior
Do que a lei moralista
E é também superior
À moral legalista
Todos morremos igualmente
A morte ninguém evita
Semeemos harmonia
E juntos tomemos birita
Só assim a paz não morre
E se morreu ressuscita
Dividir nosso país
Tomara ninguém permita
Mas se caso acontecer
Nada perde o nortista
Se este povo padece
A coisa está bem explícita
A miséria é uma indústria
Do ego neoliberalista
Não sofremos por querer
O povo não é masoquista
A política econômica
É que mais nos debilita
Quem segrega o nordestino
Não passa de um sofista
Procedente da Europa
Com ranço colonialista
Desdenhando nossa cultura
Extinguindo o indigenista
Impondo arbitrariamente
Uma religião esquisita
Querendo passar a idéia
De um Deus malabarista
Os próprios dizem que Deus
Não é e nunca foi racista
Recebemos o europeu
Com flores e laços de fita
Mas hoje nos discriminam
Em nossa própria guarita
Achamos que viessem aqui
Apenas para uma visita
Mas querem ser nossos chefes
Meu povo não admita
Nós não queremos receita
Nem que a nossa alguém repita
Queremos é que nos respeitem
Somos um povo que medita
Fica aqui nosso alerta
Separar não é conquista
Porque o Brasil é nosso
Já chega de populista
Nós hospedamos a quem
Realmente necessita
Somos bons anfitriões
Mas nosso sangue se agita
Quando alguém nos quer impor
Sua mentalidade escravista
Quem se achar superior
O superior não hesita
Pegue as malas e vá se embora
Por bondade não insista
Caia fora e nunca volte
Que interditamos a pista.
G. S.