Memórias de um Sargento de Anti-Milícias

O Sargento João de Deus

Da família Rafael

Serviu no quartel do Quinze

Quase chega a coronel

Só não subiu na patente

Porque gostava de mel.

O mel de que ele gostava

É feito de aguardente

João de Deus tomava todas

E o Capitão, descontente,

Rebaixou o nosso herói,

Saiu da linha de frente.

Rasgando a vida nos dentes

João de Deus foi frequentar

Toda festa da cidade

Todo cabaré e bar

Conheceu três mil amigos

A vida era farrear.

Teve uma época que ele

Num boteco foi morar

Para não ter o trabalho

De ir pra casa e voltar

Já acordava avinhado

E começava a voar.

A vida de João de Deus

Foi mesmo uma eterna festa

Combateu o bom combate

Bebeu com o diabo de testa

Foi um amigo sincero

Hoje só saudade resta.

Certa vez o João de Deus

Na cidade Itabaiana

Casou-se com duas donas:

A Mari e a Juana

Gostou tanto das danadas

Trocava até pela cana.

Como era um cara bacana

E muitíssimo inteligente

João de Deus pegou diploma

De advogado quente

Nunca ganhou uma causa

Nesse sistema doente.

Como um homem sem corrente

João de Deus foi libertário

Viveu livre, como quis

Cuidando do seu herbário

Curtindo o som dos Beatles

E dando o dedo a otário

Porque nisso foi lendário

Como autêntico anarquista

Sem ódio ao dominador

Mas sem baixar sua crista

Sem medo de ser feliz

No nosso mundo fascista.

Eu fui fazer uma lista

Dos amigos que deixou

Parei no número mil

A soma extravasou

De inimigo, só um:

O câncer que o matou.

Foi locutor de uma rádio

Chamada Multimistura

Com quatro cabras de peia

Fazendo uma releitura

Da realidade infame

Repensando a conjuntura.

Homem de muita leitura

Zombava do preconceito

Libertava as fantasias

Com os amigos do peito

Pitacando sobre tudo

Cachimbando “amor-perfeito”.

João de Deus filosofava

Tomando uísque com soda

Nesse clima de alegria

Audácia fazia roda

Só não soltavam o botico

Pois assim também é foda!

Nada no mundo incomoda

Quem veio aqui pra festar

Foi essa a filosofia

E seu modo de pensar

Ele fez suas escolhas

Ninguém pode condenar.

Eu vou aqui terminar

Esse folheto homenagem

Pra o amigo João de Deus

Citando uma personagem

Que foi mais do que colega

Sem nenhuma vassalagem.

Sancho Pança da viagem

Do guerreiro João de Deus

Se chama Sérgio Ricardo

O “Piaba” para os seus

Aquele que apresentou

O mais sincero adeus.

Fábio Mozart
Enviado por Fábio Mozart em 24/10/2019
Reeditado em 24/10/2019
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