O TEMPO - (Inspirado na fábula de Coelho Neto)
Certo dia, um príncipe quis
Construir uma imagem
De Apollo, deus das artes
E com bastante coragem
Convocou os seus artistas
Com a seguinte mensagem:
“Não faço questão de preço
O que eu quero é beleza
Uma estátua bem grande
E sólida, pois com certeza,
Atravessará os séculos
Sob a ação da natureza.”
Foram três estatutários
De porte e categoria,
E o príncipe os recebeu
Com uma grande euforia,
E perguntou ao primeiro
O que é que ele queria.
Disse o primeiro: - Senhor,
Com ouro, construirei
Uma estátua tão bela
E logo a entregarei
E quem olhar para ela
Verá um deus que é rei!
E o príncipe entregou
Ouro, ao escultor famoso
Queria saber do prazo
Pois já estava ansioso,
Seria uma obra de arte
Do metal mais precioso!
O segundo disse: - Senhor,
Corpo em pratas primorosas
As vestes de ouro e pedras
Das mais ricas e preciosas
Todas as deusas do Olympo
Tornar-se- ão invejosas!
O príncipe, bem satisfeito
Entregou tudo ao artista
E mandou que se apressasse
Queria logo uma vista,
Aquela estátua, sem dúvida,
Seria grande conquista!
Disse o terceiro: -- Senhor,
Mesmo com muito talento,
Peço tempo para o trabalho
Pois já estou velho e lento,
Porém, com mármore, farei
Uma obra a seu contento!
Depois de tudo entendido,
Tudo mais que cristalino,
Pegaram os materiais
Cada um com seu destino,
Prestar provas para o concurso,
Denominado “divino”.
Seis meses já se passavam
E eis que o primeiro chegou,
Com o seu Apollo de ouro
E o povo todo gostou
Da forma bem esmerada
Com que ele o modelou.
Porém, em alguns instantes
Surgiram as opiniões,
Faltava-lhe majestade,
Eram feias as expressões,
Tudo foi feito às pressas
Por isso as desproporções.
E o príncipe, já desgostoso,
Mandou fazer tão somente
Moedas, daquela imagem
Que o deixou descontente,
Pois ela não serviria
De deus para a sua gente!
E logo chegou a vez
Do segundo escultor,
Com sua estátua rica
De deslumbrante fulgor,
Mas a impressão do perito
Tirou-lhe todo o valor:
—É bela, é rica, refulge
Mas falta-lhe majestade,
Não deve ser erigida
Digo com sinceridade,
Parece figura humana
E nós queremos divindade!
E a estátua bonita,
Prata, ouro, pedrarias
Foi ornar uma das salas,
Ficou entre as fantasias
E o príncipe desanimou,
De tanto ver porcarias.
Do terceiro estatutário,
Corria uma falação
Que era velho demais,
Para ter inspiração
Estava a fazer figurinhas
E vender à população.
E qual não foi a surpresa
Um dia, pelo caminho,
Trazia, o velho escultor,
Sua obra envolta em linho,
O povo sorriu dizendo:
“Vai sair bem de fininho.”
E juntaram-se, os cortesãos,
Por pura subserviência
Ao príncipe, e nem pediriam
Para o velho, clemência,
Acreditar no trabalho?
Seria pura inocência!
Descobriram a imagem!
E grande foi o espanto,
Ficaram maravilhados
Boquiabertos, num canto,
A contemplar uma arte
Que era de puro encanto!
Apollo, o magnífico,
De pé, sobre as nuvens, vinha
A cabeça aureolada,
Olhar sublime ele tinha,
Dominava todos os homens,
Causava inveja à rainha.
Este, sim! Este é Apollo,
Gritavam com alegria
Este é o deus solar
Domina a noite e o dia,
Fica pra eternidade
Isso é que a gente queria!
O príncipe desceu do trono
E, ao velho, felicitou
Engrandeceu-o com palavras,
E, feliz, assim falou:
- A que deus pediste graça?
Pois ele não te negou!
— O Tempo! Não quis riquezas,
O mármore a mim bastou,
Contei com todas as horas
Que o tempo não me negou,
Para esculpir as belezas
Dos deuses, aqui estou!
Se para uma curta viagem
De muitas horas precisamos,
Para que nos apressar?
Com o tempo caminhamos,
Se ele não nos esperar
É para trás que ficamos.
O tempo dá os seus frutos,
Mas com vagarosidade
Não contempla os apressados,
Digo-lhe com sinceridade,
Quem atravessar o tempo,
Ganhará a eternidade!
***
Cordel de minha autoria, inspirado na fábula “O Tempo” Uma homenagem ao seu autor, Henrique Maximiniano Coelho Neto (Caxias - MA /1864 - Rio de Janeiro/1934), escritor, cronista, folclorista,romancista, teatrólogo, crítico, político e professor , membro da Academia brasileira de Letras - fundador da cadeira de número 2, considerado o Príncipe dos prosadores brasileiros.
(Maria do Socorro Domingos)