Bajulação - O Corvo e a Raposa

Quero aqui aproveitar o ensejo

Para lhe contar outro caso,

É do Corvo que um queijo

Conseguiu por um acaso

E não sei como foi, mas sim

Alimento gostoso, nada ruim,

Calma, daremos mais um passo.

A ave estava bem radiante,

Pois uma refeição logo teria,

Levantando voo, foi adiante

Porque comer sozinho queria

Seu leite pasteurizado

Que lhe faria um felizardo

Pelo menos naquele dia.

Com o alimento no bico

Procurou um lugar seguro

Para comer sem pagar mico

E ter boa digestão no futuro,

Por isso precisava olhar bem,

Achar um lugar sem ninguém,

- Hum! Veio a calhar esse muro.

Mas a dona raposa esperta

Viu o pássaro e lhe invejou:

“Esse será meu na certa,

Pois com um desejo estou

De degustar um queijo mineiro

E engoli-lo todo inteiro,

Portanto enganar o corvo eu vou”.

A raposa não podia pular

O muro que era bem alto,

Outro jeito deveria arrumar

Para pegar o queijo de assalto,

E teria que ser sem demora,

Pois já passava rápido a hora

E os ponteiros davam salto.

Sem muito tempo, a bichana

Preparou-se para sua atuação,

Colocou uma máscara de bacana

E começou a fazer a bajulação,

Disse: “Que pássaro mais lindo

Seu belo físico estou curtindo,

Ah, se pudesse ouvir sua canção!”

A raposa seguiu em sua arte

De enganar por egoísmo:

“O figurino de certo faz parte,”

Disse disfarçando o farisaísmo,

“De uma nobreza incomparável

Num terno de alinho impecável

Expondo todo seu gigantismo”.

“Como gostaria de me deliciar

Com uma música desse cantor,

Pois quando se põe a entoar,

Com sua bela voz de tenor,

Uma maravilhosa melodia

Nos corações então irradia,

Fazendo brotar neles o amor”.

“Dizem que canta muito melhor

Que o pássaro mais famoso

Entre os cantores o maior,

O Rouxinol o mais formoso,

Com sua voz esplendorosa,

Usando a nota mais rigorosa

Fazendo um som delicioso”.

A raposa prosseguiu então:

“Mas deve ser mentira que ouvi,

Esse belo pássaro preto não

Deve ser tão bom assim,

Mas se cantasse eu saberia

Que bem entende de cantoria

E tiraria essa duvida de mim”.

O corvo, ansiando por ser querido,

Grasnou com entusiasmo

Ferindo qualquer ouvido

E deixando cair, o bicho asno,

O queijo, que trazia na boca,

Bem em cima da raposa louca

Que o recebeu como num orgasmo.

Com sua prenda em mão

A raposa dele ainda caçoou:

“Aprenda a não ouvir adulação

E agradeça-me porque eu sou

A professora que lhe ensina

A aceitar sua própria sina

De ser pássaro que nunca cantou”.

“Hoje sua vaidade lhe custou

Um delicioso queijo curado,

Pois alma generosa eu sou

E a sua vida tenho deixado,

Daqui a pouco o preço aumenta

Se seu amor próprio não sustenta

E se engana quando elogiado”.

Feliz é quem não se deixa não

Influenciar-se de alguma maneira,

Seja por crítica ou gabação,

Pois deixar-se levar é asneira,

Já que a palavra nem sempre

Traduz de forma coerente

A realidade bem verdadeira.

Aberio Christe

Adaptação da Fábula de Esopo