RESGATANDO ZÉ LIMEIRA

APRESENTAÇÃO

Apresento aqui a minha participação no livro "Resgatando Zé Limeira". Iniciativa do confrade Marcos Medeiros, que idealizou, organizou, editou e participa, juntamente com Adilson Monteiro Costa e Stelio Torquato.

Admirador da mágica figura do repentista, como também do jornalista e escritor Orlando Tejo, é um grande prazer participar deste trabalho coletivo sobre esses ícones da nossa cultura.

Lá vai!

Canto 1

(Zé Limeira apresenta-se e expõe seu incômodo sobre a demorada estada no purgatório do colega Alighieri. Instado a oferecer uma solução para o inquieto paciente, vem o meu mandato. Será que eu estava lá também? Ih!)

I - O PURQUÊ DA VORTA

Sô Zé Limêra o elemento

Hoje dito do abisurdo

Sô doido mai num sô surdo

Sube duns discaramento

Quem di mim fala é qui mente

Vô consertá no repente

Dizia o véi testamento

Di irizia um acusamento

Nem passei do purgatóro

Foi tanto do palavróro

Qui fiquei no isolamento

São Pêdo dixe: intão vorte

Vá se ispricá, boa sorte

Dizia o véi testamento

Pru mó di ivitá pobrema

Ôto nêgo é o instrumento

Vá lá nem chore e nem gema

Rima rim qui nem jumento

O cabra é pé di chinelo

Alcunhado nêgo Istelo

Dizia o véi testamento(S.P.)...

Canto 2

(Incorporando, com a devida autorização, o fantástico Zé Limeira, falaremos do nascimento do mito imortalizado por Orlando Tejo em seu: "Zé Limeira O Poeta do Absurdo".)

II - O CUMÊÇO

Nasci no sítio Tauá

Bem na serra di Texêra

Meu parto foi na pexêra

Chorei quereno cantá

A lua tava quilara

Na mão trazia uma vara

Viola banjo e ganzá

Cumecei fazê repente

Antes té di dirmamá

Matei cascavé nos dente

Pra brincá cum o maracá

Fui coroinha na China

Maestro na Palistina

Viola banjo e ganzá

Já cum quage nove ano

Fí carrêra militá

Fui pra guerra dos cem ano

Vi o cumeço e o finá

Assei a aima im brasêro

Toquei  no Brasí intêro

Viola banjo e ganzá...

Canto 3

(A terceira parte vem revelar-nos um cantador irreverente, mas fiel ao estilo do repentista nordestino, que ufana-se de seus feitos sem perder a simplicidade e a pureza.)

III - IZAGÉRO MAI NUM MINTO

Fui criado numa toca

Mamano im onça e ticaca

Dei im Judas Carioca

A cavalo nu'a macaca

Matei um burro dum berro

E rasguei um trem di ferro

Na unha à farta di faca

Cum quinze ano di vida

Dibaxo dum pé di jaca

Prindi uma onça parida

Cum as cria num'arataca

Disavessêi cum as mão

Do côro eu fiz um gibão

Na unha à farta di faca

Sentei praça no izéço

Di prego era minha maca

Trabaiano no cuméço

Vendi pra mai di cem paca

Tumei di Sansão Dalíla

Rapei cabelo e aquicíla

Na unha à farta di faca...

Canto 5

(A defesa se inicia com a tentativa de desmentir uma das principais características limeirianas: a irreverência em relação ao sagrado.)

V - ISCREVÊRO TUDO ERRADO

Fí verso a Tumé di Sôza

Qui era tarado di cai

E todo mundo sabia

Da fama rim do rapai

Falei do "pai" di  Nobréga

E esse povo rim mi intrega

E os tempo num vorta mai

Pêdo Sigundo era um mote

Um ôto era os animai

Mai nunca critiquei santo

Sempre arrespeitei meus pai

Falei muito di "Sêo" Bento

Budeguêro im Livramento

E os tempo num vorta mai

Falei má di Floriano

Qui era pelvésso  demai

Num sei dizê se era ingano

Ou coisa di satanái

Falei São João das "Ovêia"

Saiu São João das "Orêia"

E os tempo num vorta mai...

Canto 5

(Com o fito de defender-se, Zé Limeira apela para alguns personagens absurdos, a exemplo do famigerado Cabral, que passa de descobridor português para ex-governador do desgovernado Rio de Janeiro. Volta a falar do sagrado, desconfiando ser essa a principal causa dos seus problemas.)

V - ISCAPOLE AQUI E ACULÁ

Quando dixe Santa Rita

Falava era  dum lugá

Sêo Cabrá qui era uma anta

Má sabia navegá

Tá lá no Ri di Janêro

E num pode vê dinhêro

Pêi-bufo edicéta e tá

Quanto a Santa Margarida

Só quiria  inlugiá

Sem leitura nessa vida

Só a viola pra arranhá

Cunfesso a língua firina

E o gosto pelas minina

Pêi-bufo edicéta e tá

Falei im Sêo João Batista

Num foi mó di distratá

É qui as vêis o repentista

Escapole sem notá

Num poupei Napoleão

Um cabo véi di Gujão

Pêi-bufo edicéta e tá...

Canto 6

(Aqui uma pequena mostra da geografia limeiriana. Fronteiras e limites pra ele não eram problemas. Mas, na duvida ...)

VI - TERÁ SIDO INTRIGA INTERNACIONÁ?

Dos lugá pur ond'andei

Topei cum muita priguiça

Cuincí país sem leis

Sem sordado e sem justiça

Sun Paulo tem mai nunsei

Qui im terra di japonêi

Viva o chefe da puliça

O mundo vive im cunfríto

Tudo pur farta di missa

Irmão discuiñece  irmão

É tudo a merma mundiça

ONU só toma atitude

Dispôi qui seca o açude

Viva o chefe da puliça

Disculhambêi cuns país

Di guerra e cavalariça

Bahia e Estado Zunido

Pela ganança e cubiça

Só si fala im terrorirmo

Já batizei mai num crirmo

Viva o chefe da puliça...

Canto 7

(Em sua busca pelos erros cometidos, Limeira relembra os desafios improvisados com os vários colegas de cantoria.

Mocó, José Vicente, Arrudinha, Anastácio, Antonio Barbosa, José Sobrinho, José Gonçalves e Serra Branca; foram contemporâneos do cantador e muitos deles deixaram depoimentos que confirmam a existência de Limeira.)

VII - SERÁ QUI FOI MÓ DOS COLEGA?

Nus pega d'instante-instante

Num fui di corrê di briga

Peitava os disafiante

Foi num foi dava im intriga

Cumí Mocó no repente

Dei di piza im Zé Vicente

Nos conforme das antiga

Num fui di disumilhá

Era tudim aima amiga

Quando pegava a esquentá

Impurrava co'a barriga

Lasquei Arrudinha  im glosa

Anastaço e Antoim Barbosa

Nos conforme das antiga

Vô dizê qui num cridíto

Qui os pacêro di cantiga

Acuse di mim um grito

Reis na barriga é lumbriga

Zé Subrim e Zé Gonçalve

Serra Branca salve-salve

Nos conforme das antiga...

Canto 8

(No afã de defender-se, Limeira esboça uma desconfiança em relação a Orlando Tejo. Estranho,  mas nada absurdo, vez que os dois se confundem... e me confundem.)

VIII - A CUIPA É TODA DI TEJO

Agora mi arrescordano

Isso é bem uma confusão

Daquele cumpade Orlando

Fofoquento e falastrão

Todo mitido a inletrado

Deve tê se atrapaiado

Iaja chuva no sertão

Me alembrei aqui pra nói

Ele cum ráido na mão

Butô sintido im minha vóis

Deu nela vóis de prisão

Dispôi daquela ingrizia

Murrí cum trinta e três dia

Iaja chuva no sertão

Pod’inté sê sacriléjo

Eu falá má dum irmão

Mai era medonho o Tejo

Cum uma caneta na mão

Talvez inté tenha iscrito

Um livro im verso bunito

Iaja chuva no sertão...

Canto 9

(Extraordinário criador de neologismos, o grande Zé Limeira sai em defesa dos seus "palavróros". Sem crer, porém, que possa ser essa a razão de seus percalços. Também concordo, inclusive temos gostos parecidos.)

IX - E SE FOI O PALAVRÓRO?

Terei eu muito pecado

Ô prinunciado irizia?

Prumóde tê inventado

Nos quelé da juvenia

Mucumbambocapetêa

Filupafulutupêa?

No véu da pilogamia

Será qui im língua dos anjo

Falava pirnografia?

Eu di minino a marmanjo

Pensava im filosomia

Prosopopança im verdade

É a prodogicalidade

No véu da pilogamia

Palavriá é meu fraco

Parece uma grodofobia

Dos tolfús dos aldiáco

A malhó filanlumia

No currá da poligene

Vi um prugílo perene

No véu da pilogamia...

Canto 10

(Durante sua estada no purgatório, Zé Limeira registra alguns dos fatos marcantes ocorridos após sua morte.)

X - INDA BEM QUI EU TAVA LÁ

Vivendo no purgatóro

Nutiça  rim muito uví

Vi Armistrongui e São Jorge

Brigano mó di um paví

Vi nascer uma internete

Qui insina quarqué grumete

Di parto a atracá naví

O muro dos alemão

Butaro abaxo e assisti

Vi a mulésta da aides

Matano mai qui fuzí

Vi o onze di setembro

E já fí se bem mi alembro

Di parto a atracá naví

Vi o sertão virá má

Sunâmi assassino e ví

Assisti gringo matá

Prisidente a saingui frí

Mataro um qui era galêgo

Dispôi inlegêro um nêgo

Di parto a atracá naví...

Canto 11

(Matando um pouco a saudade dos seus repentes, Zé Limeira visita as "modernidades" atuais e, naturalmente, identifica alguns dos "avanços" na área do absurdo.)

XI - MUITO MAI PIÓ TÁ HOJE IM DIA

Se eu dizia era doidiça

Iscutei todo momento

Mai hoje inté a puliça

Corre dos má elemento

A rua  é só dos bandido

E o povo im casa escundido

Resorve um chá di jumento

Dotô agora é ladrão

Se róba até pensamento

Em tudo se passa a mão

No malhó discaramento

Fizero inté uma ilha

Butaro o nome Brasilha

Resorve um chá di jumento

Inchêro as rua di carro

Mai farta pranejamento

Se sai tudim é um isbarro

Chamado ingarrafamento

Foi num foi oimbu incendêa

E a orde vem da cadêa

Resorve um chá di jumento...

Canto 12

(Neste momento de sua defesa Zé Limeira aproveita para criticar uma tentativa grosseira de concorrência à sua verve absurda. Qualquer coincidência, não terá sido mera coincidência.)

XII - E O ABISURDO SÔ EU?

Arrumaro uma prisidenta

Mó di sê país muderno

Mai quando ela abria a boca

Trimia  inté nu zinferno

Falava tanta bestêra

Quis imitá Zé Limêra

Mai macho di perna é perno

Dotôra im droba di meta

É a castrapóle do inverno

Numa roraimada imcompreta

Assombrô o padi eterno

Ajuntá vento ela pode

Fez prano-safra do bode

Mai macho di perna é perno

Muié sapi num é gia

Mai ela leu num caderno

Im núve ela num  se fia

Si anta guverna eu guverno

Achô qui aipim é fino

Viu cachorro num minino

Mai macho di perna é perno...

Canto 13

(Extravagante no vestir, Limeira chamava a atenção dos que o avistassem em suas andanças pelo agreste e sertão nordestinos.

Ainda sem conhecer a real razão dos seus percalços, fala de seus enfeites e da natureza matuta.)

XIII - SERÁ QUI ERA A INDUMENTÁRA?

Se foi pelo meu vistí

Num foi pur má só lezêra

Usava uma mésca azú

Mó dos ispim da ingazêra

Num cunhicí vaidade

Nem distratei pur mardade

Crepúsco di fim di fêra

Os quinze ané nos dedo

É coisa di cabruêra

Matuto inventa segredo

Qué sê figura istrangêra

Sempre infeitava a viola

Mai nunca mi fí gabola

Crepúsco di fim di fêra

As lente e o lenço vermêi

Era o istilo Zé Limêra

Olhando mió já sei

Qui tudo isso é bestêra

Na vidinha vai-e-vem

Num quí o má di ninguém

Crepúsco di fim di fêra...

Canto 14

(Zé Limeira faz mea-culpa em relação aos vícios que o dominaram e inicia seu pedido de perdão. Justificando-se pela obsessão com as rimas que, aliás, acomete muita gente até hoje.

O mote - Se um um dia eu fosse chamado, pra cantar no céu eu ia - diz da sua vontade em seguir trilhando pelos caminhos celestes.)

XIV - E OS VIÇOS?

Se é pur conta dos víço

Nêgo véi fai silencía

A tá zinebra é um supliço

Qui sempre mi pissiguía

Cantadô inveterado

Se um dia eu fosse chamado

Pra cantá nu céu eu ia

O boró feito di paia

Era di noite e di dia

Sem sabê qui era pecado

Foi minha mió cumpanhia

Com o matulão no costado

Se um dia eu fosse chamado

Pra cantá nu céu eu ia

Recunheço e arrenego

Arguma pirnografia

Quem na rima tem apêgo

Comete muita arizia

Mai ripito im refoçado

Se um dia eu fosse chamado

Pra cantar nu céu eu ia...

Canto 15

(Concluindo sua defesa Zé Limeira pede perdão pelas faltas cometidas.

Como todo bom matuto nordestino, inclui em seu recurso a Virgem Maria, arrepende-se e promete doravante não ser tão fiel às rimas, promessa que, diga-se de passagem, não sei se conseguirá cumprir, e fica à espera da decisão superior.)

XV - PEÇO PERDÃO NO ATACADO

Corri a vida im prucura

Dos erro qui comitia

Termino aqui di aima pura

Pela lúi qui mi alumia

Peço a Deus nosso sinhô

Perdôi esse pecadô

Adeus inté ôto dia

Errei mas foi sem tenção

Pequei purquê num sabia

A Deus eu peço perdão

O amô é a minha anistia

Quando o baião cumeçá

Eu quero no céu está

Adeus inté ôto dia

Agora é só isperá

A hora qui si anuncia

Rezá e acriditá

Im Deus e a Vige Maria

Cantá de novo lá im cima

Sem se prender mai im rima

Adeus inté ôto dia...

Canto 16

(No juízo final, o cavalo velho aqui faz suas últimas alegações em defesa do Grande Zé Limeira.

Em seguida, São Pedro, ainda que parecendo contrariado, anuncia o veredito ao nosso herói do absurdo.

Por último a alegria volta nos versos do próprio Zé Limeira que, como  todo bom e modesto repentista-cantador, escolhe pra parceiro, ninguém menos que o próprio Salvador Jesus Cristo. Te cuida J.C.)

XVI - O DISPACHO DIVINO

Já saiu o resultado?

Me diga mestre São Pêdo

Zé Limêra foi salvado?

O nêgo véi tá cum medo

Nos  olbús das periféria

Nas mimosa deletéria

Conte num guardi segredo(S.Q.)

Já tá tudo resolvido

Ficô terminada a lide

Como é Ele quem dicide

Eu té fui voto vincido

Nas palaganas do mundo

Quelés do meditabundo

Limêra tá bissolvido(S.P.)

Filosomia é regente

Viva Deus qui nos condúi

Salvei minh'aima indigente

Vô agora im busca da lúi

Deus primêro sem sigundo

Não canto mai nesse mundo

Vô impareá cum Jisúi(Z.L.)...

(Concluímos aqui a apresentação da nossa participação no trabalho "Resgatando Zé Limeira". Iniciativa do colega e mestre Marcos Medeiros que participou, juntamente com o pernambucano Adilson Costa, e o cearense Stélio Torquato Lima.)

SOBRE O AUTOR

(Stelo Olimpio Barata de Queiroga, oitavo de onze irmãos, nasceu a 05 de julho de 1960 em Antenor Navarro(PB) - atual São João do Rio do Peixe - alto sertão paraibano e, a poucas léguas do Rio Grande do Norte, Ceará e Pernambuco.

Da infância sertaneja, em Souza(PB), trouxe para João Pessoa em 1972 o gosto pela arte popular, o amor pela cultura e pelas coisas da terra. Na capital graduou-se em engenharia civil pela Universidade Federal da Paraíba em 1982, onde começou sua vida profissional.

Encantado pela literatura de cordel, aboios e pelo improviso da cantoria dos repentistas, somente em 2005 começa a escrever, mas de forma discreta e tímida. Em 2013 inicia a publicação de seus escritos na comunidade Recanto das Letras (www.recantodasletras.com.br), onde está registrada a quase totalidade de seus escritos. A partir de 2017 passa a pertencer à Academia de Cordel do Vale do Paraiba.

Fã incondicional da genialidade de Zé Limeira - O Poeta do Absurdo - e sua obra fantástica, estreia ao publicar, a convite do professor, poeta e colega recantista Marcos Medeiros, a obra - RESGATANDO ZÉ LIMEIRA - escrita a quatro mãos, ao estilo do vate que tanto admira.

Nas horas vagas, quando não está envolvido com sua paixão pelos escritos e versos, é empresário do ramo imobiliário com atuação na região Nordeste, tendo tido oportunidade de conceber, participar e dirigir algumas empresas. Também presidiu por três anos o Sindicato da Indústria da Construção Civil de João Pessoa.)

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Stelo Queiroga
Enviado por Stelo Queiroga em 17/09/2019
Reeditado em 17/09/2019
Código do texto: T6746959
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