FIO DA BARBA DE SÃO PEDRO
Conheci certo devoto,
Como ele ninguém mais,
Sua extrema piedade
Não esquecerei jamais,
Ele era na verdade
O vigário da cidade
E que tinha fé demais.
Já de idade, mas ativo,
Fazia grandes sermões,
Piedoso e bonachão
Era amado sem senões
Por todos os paroquianos;
Em junho, todos os anos,
Tinha festa e procissões.
Simão Pedro, o pescador,
Era seu santo querido
Por ter sido combativo,
Apesar de empedernido,
Mas que foi, embora isto,
Pelo próprio Jesus Cristo
Primeiro Papa escolhido.
A irmã coordenadora
Da equipe de liturgia,
Ela e um grupo de fiéis
Seguiram em romaria
Certa vez à terra santa,
Aonde se colhe e planta
A fé em Cristo e Maria.
O grupo de peregrinos
Partiu numa madrugada,
Antes, porém uma missa
Na capela foi rezada,
Quando o velho vigário
Puxando do calendário
Saudou Pedro e sua espada.
Despedindo-se do padre,
Disse a madre sorridente:
- Prometo para o senhor
Que lhe trago de presente
Uma relíquia sagrada
Daquela terra abençoada,
O berço de todo crente.
O grupo seguiu viagem,
Ficou o padre esperando
O retorno dos fiéis,
A todo tempo pensando
Que presente esse seria,
Até que chegou o dia
Dos peregrinos voltando.
Trouxeram da Palestina
Alguns pedaços da cruz,
Manchados do sacro sangue
Derramado por Jesus,
Frascos de óleo da unção
E águas do Rio Jordão,
Fé, esperança e muita luz.
A freirinha virtuosa
Do padre não esqueceu,
Numa caixinha ela trouxe,
Preso sobre um camafeu,
Da barba de Pedro um fio,
Sentiu ela um arrepio,
Quando o judeu lhe vendeu.
Tarde o grupo de romeiros
Da praça se dispersou,
A freira no seu convento
Com as irmãs se juntou,
Todas viram sem tocar
O relicário no altar,
Onde a madre o colocou.
Na manhã do outro dia,
Rumo à igreja a bela freira
Resolveu dar uma olhada
Na relíquia verdadeira,
Fio da barba de Simão
Tirou-lhe o vento da mão
E sumiu em meio à poeira.
A freira não vacilou
E reagiu com desvelo...
Enfiou a mão sob o hábito,
Arrancando um ruivo pelo,
Pensou: “Não faz diferença,
O padre na sua crença
Contente irá recebê-lo”.
Radiante foi para a igreja
Com o seu sorriso aberto
Avistar-se com o padre
Que a esperava por certo,
Da porta viu o vigário
Desfilando seu rosário
Naquele templo deserto.
Ele veio ao encontro dela
Com o sorriso mais franco
Naquela batina preta,
A irmã de hábito branco,
Depois do efusivo abraço
E ofegantes de cansaço,
Ambos sentaram no banco.
A caixinha foi aberta
E o padre se espantou
Vendo um fio encaracolado,
Mas a madre lhe explicou
Ser da barba de São Pedro,
Relíquia tida em segredo
Que de um judeu comprou.
Beijando o fio de cabelo,
Disse o padre emocionado:
- É de fato de São Pedro
Tal fio de barba enrolado,
Isso aumenta minha fé,
Porquanto eu sinto até
Cheiro de peixe pescado.
O fio de barba é cheiroso
Deve ser de um peixe assado,
Talvez de uns dois ou três dias
Que o primeiro Papa Amado
Guardara no seu Alforje
E, muito antes de São Jorge,
Comeu de tanto esfomeado.
Seu bigode e sua barba
Foram até lambuzado
Daí o cheiro gostoso
Que agora tenho cheirado
Diante da freira Irmã
Que com amor deu-me o afã
Um relicário sagrado