ABECÊ DA SAUDADE

A - A tristeza dia a dia

Bimbalhando como sino

Vem definir meu destino

De viver sem alegria.

Não tenho mais fantasia

E nem prazer de verdade,

Pois não tem felicidade

Que resista à solidão.

Quero mostrar a razão

Neste ABECÊ da saudade.

B - Bola de neve crescendo,

Problemas se avolumando...

Eu fico aqui só chorando

E você não está vendo.

Mas hoje fiquei sabendo

Por infinita bondade

De quem tem mais liberdade

Com aquela que eu mais quero,

Que seu amor é sincero

E ela sofre na saudade.

C - Como um golpe de milagre,

Vou vivendo a cada sonho

Do jeito que me disponho

E o momento me consagre.

Não sou cabeça de bagre,

Ajo com praticidade

Mesmo que a fragilidade

Seja a moda do momento.

Só vou contar para o vento

Todo o peso da saudade.

D - Digo tudo que sofri

E desfez meu acalanto.

Só sei que eu almoço e janto

A falta do que perdi.

Nunca mais reproduzi

Com destreza e habilidade,

Tanta singularidade

Do bem que já tive um dia,

Que tão feliz me fazia

Sem peso de uma saudade.

E - Eu vou quebrar esse encanto

De um jeito que nem sei mais.

Esquecer, pois são banais,

Não merecem o meu pranto.

Vou rasgar o negro manto

Que trouxe infelicidade.

Não tem mais utilidade

A recordação mesquinha

Que joga a jornada minha

Em um poço de saudade.

F - Faca sem gume não corta,

Mas fura sem distinção

Meu incauto coração

Que a tristeza não conforta.

Ando numa estrada torta

Procurando qualidade,

Outra possibilidade

Para dar um nome aos bois,

Para dividir por dois

O peso de uma saudade.

G - Guardei comigo um segredo

Que agora vou lhe contar:

Não encontrei meu lugar

Nesta vida de arremedo.

Fui lançado no degredo

Das paixões sem brevidade,

Sem feroz fugacidade,

Que não valeram a pena.

Isso tudo me condena

À prisão de uma saudade.

H - Habilidade de vida

A quem pode se dar bem,

Talvez eu não seja quem

Tome na dose devida.

O que me cerca convida

A provar de amenidade,

Viver na simplicidade,

Mas eu não vou conseguir,

Porque não posso partir

As correntes da saudade.

I - Ilusão, velho delírio

De meus vinte e poucos anos

Era todos os meus planos,

Meu amor e meu colírio.

Logo tornou-se um martírio

Sem prazo de validade;

Só cresceu na densidade:

Um imenso vagalhão,

Quente lava de vulcão

Que não queimou a saudade.

J - Joguei-lhe a chave do peito

E você não a pegou.

Solitário me deixou

Tão sem rumo desse jeito!

O que sei dizer direito:

Este amor é raridade.

E pela praticidade

Causa inveja ao arrebol,

Ao teimoso girassol

Da luz sentindo saudade.

L - Longe de quem tanto quero

Tudo ficou mais difícil.

Ser sozinho é sacrifício

E nisso eu não exagero.

Não gosto de lero lero,

Nem faço publicidade.

Mas sem ter capacidade

De dar o melhor de mim

A quem quero tanto assim,

Vou morrendo de saudade.

M - Meu coração sem alento

De estupidez não se farta,

Pois escrevi tanta carta

Que só se perdeu no vento!

Não sou forte, eu não aguento...

Isso parece maldade,

Desespero, insanidade

Que não desejo largar.

Vou enchendo este lugar

De nostalgia e saudade.

N - Nunca se morre de amor,

Oh, mulher de olhos singelos!

Mas sofre com os flagelos

De uma vida com clamor,

De onde não se afasta a dor,

O espanto, a temeridade.

Foi tamanha a gravidade

De um momento decisivo

Que até hoje ainda vivo

Ruminando essa saudade.

O - O suspiro mais comum

Deste coração sofrido

É querer sem ser querido,

É pensar que tenho algum,

Quando não tenho nenhum

Amor que seja verdade.

Com paz e cumplicidade,

Com muito fogo que queima,

O sentimento que teima

Em se chamar de saudade.

P - Pela luz do seu olhar

Eu não tenho informação,

Pois não tive condição

Nem tempo de mergulhar

No seu mar de imensidade.

E pela celeridade

Com que você foi embora,

Se virou e saiu fora,

Não levou minha saudade.

Q - Quem eu quero, bem conheço;

Quem me quer, nem desconfio.

Vou mantendo o desafio

À medida que envelheço,

Torno noite ou amanheço,

Ou chego à mortalidade.

Meu querer não tem idade

E nem cura, pressuponho.

Vivo, durmo, acordo, sonho

E não passa essa saudade.

R - Respeitarei seu pedido

Se não quiser me falar.

Mesmo quando se calar,

Eu já posso ter ouvido

Só com meu sexto sentido

E com toda integridade.

Não ouço banalidade

Que seu lindo olhar proclama;

O meu peito só reclama

Desta infinita saudade.

S - Só quero aqui confessar

Que os planos não são iguais.

Uns são menos, outros mais,

E eu só quero conversar

Aqui , ou neutro lugar,

Com singela urbanidade,

Na fazenda ou na cidade;

Botar os pingos nos "iis",

E saber se fui feliz,

Ou se nem deixei saudade.

T - Talvez eu só precisasse

De uma chance bem melhor.

Agora eu já sei de cor

E percebo, face a face,

O motivo, o forte enlace

Da nova modalidade

De ferir a humanidade

Que vive dentro de nós:

O desprezo é grande algoz,

Muito mais do que a saudade.

U - Uma casca de banana

Para a gente escorregar,

Pedra fora do lugar

Ou uma velha bagana,

Essa pobre vida humana

Já beira a frivolidade.

Preciso ter hombridade

Para levantar do cisco,

Conseguir mudar o disco

Que só fala de saudade.

V - Você faz o que bem quer

Do meu pobre coração;

Cospe e me joga no chão

Como se eu fosse um qualquer.

O descaso da mulher

Tem um jeito de crueldade,

Mata minha idoneidade

Também causa dissabor.

- Oh, senhora, por favor,

Não me mate de saudade!

X - Xodó do meu peito triste,

Ilusão da minha vida,

Meu amor, minha querida,

Nada para mim existe.

Solidão, de dedo em riste,

Bem certa da impunidade,

Inverte a polaridade

E me deixa mais ferido,

Tristonho, desmilinguido,

Suspirando de saudade.

Z - Zurro pela falta dela,

Sou burro preso no pasto,

Que não pode fazer rasto

E nem abrir a cancela.

Hoje o que mais me modela

Só me fere de verdade:

Minha personalidade

De sujeito sonhador,

Que não desiste do amor

Que mora em minha saudade.

Relembro nossos momentos

Intensos e a Deus recorro.

Tenho esses bons pensamentos

E o caminho em que percorro.

Mas, pelo amor que me invade,

Aceito a dor da saudade,

Resisto e peço Socorro!

***

* 23 décimas com esquema rimático ABBAACCDDC. E no final, uma setilha em acróstico e esquema rimático ABABCCB.

(Ritemar Pereira, 31/7/2019)

Jarrê
Enviado por Jarrê em 17/08/2019
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