A LIÇÃO DA TERRA
Por Gecílio Souza
A mais infrutífera batalha
Ninguém gostaria de ver
È a dos filhos contra a mãe
Que já está a acontecer
Eles a trocam pelo ouro
Em forma de lucro e poder
Ela usa as próprias leis
Tentando se defender
Os filhos são desunidos
Muitos atacam iludidos
Pensando que irão vencer
A mãe não irá correr
Pois desconhece a fraqueza
Os seus filhos não desistem
De trocá-la pela riqueza
Porém ela se defende
Na discrição da alteza
Eles no fim perderão
Para a própria esperteza
A mãe é o planeta Terra
Seus filhos lhe fazem guerra
Ela vencerá com certeza
Contra toda a natureza
Os filhos se rebelaram
No idioma do mercado
Para a própria mãe falaram
Você tem que produzir
Além do que lhe plantaram
Suas estações muito lentas
De tão lentas nos cansaram
Seu calendário natural
Trava o lucro e o capital
Que os benfeitores apostaram
Meus filhos vocês piraram
A mãe Terra respondeu
Simplesmente gerei tudo
Que desde sempre nasceu
A existência biológica
Surgiu e se desenvolveu
Mas percebo que a ganância
Aos poucos lhes corrompeu
Se a vida ficou ruim
Favor não acusem a mim
Que a culpada não sou eu
Sua prole lhe respondeu
Com insatisfação evidente
O fato de nos ter gerado
É pouco e insuficiente
Queremos mais produção
E avançarmos economicamente
Os recursos naturais
Pertencem a alguns somente
Esta escrupulosa ilusão
Da romântica preservação
Lorota de meio-ambiente
Vejam o quanto fiquei quente
Disse a mãe Terra sentida
De umas décadas para cá
Estou desértica e ressequida
E vocês, filhos ingratos
Com sua contínua investida
Me agridem e me culpam
Pelas tragédias da vida
Ou a sua inteligência
Converteu-se em demência
Nesta ambição sem medida
Ela está toda ofendida
Disseram os filhos zombando
Você ainda não viu nada
É bom ir se acostumando
Lhe exploraremos ao máximo
Seus recursos estão sobrando
Minerais e vegetais
O que formos encontrando
Substituiremos o verde
E a água que mata a sede
Já estamos negociando
Mãe Terra seguiu andando
Em seu duplo movimento
Rotação e translação
Em sua face vai o vento
Dirigindo-se aos filhos
Todos têm o meu sustento
Basta saber me cultivar
Jamais faltará alimento
Se o confronto é sua aposta
Não deixarei sem resposta
Tão ousado atrevimento
Materno pronunciamento
Que enfada qualquer ouvinte
Somos seus filhos porém
Não aceitamos este acinte
Velho peditório de mãe
Choradeira de pedinte
É prazeroso ofendê-la
Com crueldade e requinte
Seu sermão e homilia
Ouvimos atentos num dia
Ignoramos no dia seguinte
Não sou jovem concluinte
Sem experiência e poder
Mas uma anciã genitora
Não páro de conceber
Meus filhos sou a mãe Terra
Tratem de me obedecer
Novas pestes e moléstias
Já começam a aparecer
Aumentará a temperatura
Diminuirá a agricultura
As geleiras vão derreter
E o que temos a ver
Com as tragédias naturais
Seca, chuva, calor e frio
São previsíveis e normais
Os filhos disseram à mãe
Você é sensível demais
De qualquer golpe reclama
Por diferentes canais
Mas há de se permitir
Que é capaz de produzir
Lucros, em bens e capitais
O Sol e eu somos leais
Disse mãe Terra à vontade
Em algumas áreas é noite
Noutras é manhã ou tarde
Gelo, pedras e desertos
Integram a realidade
Fogo, água, poeira e sal
São a minha diversidade
Mas reconheço sem graça
Que a minha maior ameaça
Tem origem na humanidade
Mas quanta barbaridade
Disseram os filhos nervosos
Mãe que se preze não quer
Que sejamos preguiçosos
Porquanto somente o lucro
Nos fará ricos e famosos
Os defensores da Terra
São pobres escrupulosos
Inúteis seres do universo
Obstáculos ao sucesso
Dos planos maravilhosos
Filhos tão gananciosos
Que só vêm o próprio umbigo
Sou forte e vocês são fracos
Mas ousam acabar comigo
Ofendem a minha proteção
Optaram pelo perigo
Queiram ou não sou sua mãe
Até tento mas não consigo
Entender os seus ideais
Terão desastres naturais
Como correção e castigo
O dinheiro é nosso amigo
Mãe Terra vê se entenda
Não queremos fauna e flora
Queremos riqueza e renda
Blá blá blá de aquecimento
É mito tolo, é lenda
Os tais recursos são nossos
Quem discorda que nos prenda
Água, solo e natureza
São nossa fonte de riqueza
Negócio de compra e venda
Não aceito esta contenda
Disse Mãe Terra bem alto
Minha mão será pesada
Contra qualquer filho ingrato
Têm existência precária
E querem andar de salto
Saibam que terão respostas
No tempo certo e exato
Não sou má nem boazinha
Procuro colocar na linha
Quem cospe no próprio prato
Chega de conselho chato
Que irrita e desencanta
Somos sete bilhões de filhos
Contra nós você se levanta
Se algum filho lhe defende
Pouco ou nada adianta
O sangue dele cairá
Em você que não é santa
Se não chover como chovia
Temos a tecnologia
Que transforma qualquer planta
Este truque não me espanta
Meus filhos são meus defeitos
Me exploram sem limites
Estão sempre insatisfeitos
Infectam a minha superfície
Com poluição e rejeitos
Subverter a minha natureza
É um dos seus vários pleitos
Se tornarão ricos pobres
Donos de tesouro e cobres
Mas doentes em seus leitos
Muitos de nós são suspeitos
De covardia e traição
Por defenderem a Mãe Terra
Contra a modernização
Já instituímos um pacto
Uma rigorosa convenção
E receberá pena máxima
O irmão que trair o irmão
Não haverá camaradagem
Impulsionaremos a grilagem
Para dominarmos o chão
Prossigam na contramão
Meus filhos desnaturados
Se pensam que me possuem
Estão todos enganados
Aqueles que me defendem
São valentes e esforçados
Vocês seguem me ofendendo
E eles têm sido atacados
Naturalistas destemidos
Serão também atingidos
Com o impacto dos resultados
Não estamos preocupados
Disseram os filhos no ato
Lucraremos com a água
E com a madeira do mato
Só reverenciamos os bens
Cujo retorno é imediato
Derrubaremos a floresta
Para transformá-la em pasto
Seremos os donos das fontes
Faremos dutos e pontes
Barragens, lagos e asfalto
Enquanto me desidrato
Poucos vêm algum indício
Meus filhos vivem esbanjando
Aumentando o sacrifício
De muitos dos seus irmãos
Que não têm um benefício
Assassinam uns aos outros
Caem todos no precipício
Multidões morrem de sede
Vocês se apropriam do verde
E festejam o desperdício
Nosso principal ofício
É produzir mais riqueza
Os filhos assim responderam
Com irritação e tristeza
A Mãe terra é atrasada
Pensa que selva é beleza
Exige ser preservada
Mesmo às custas da pobreza
Dane-se a preservação
Mataremos até o irmão
Dominaremos a natureza
A que serve sua esperteza
Filharada desobediente
No rítmo que as coisas vão
Muito em breve, brevemente
Mãe Terra será desértica
Inóspita completamente
Não serei mais habitável
Estarei seca e muito quente
Vocês com a sua arrogância
Perderão a abundância
Lhes restará dor somente
Sou um planeta permanente
Na imensidão do universo
O meu apelido é Mãe Terra
Tenho diâmetro sem excesso
Viajo em torno do Sol
Toda viagem é um sucesso
Dou abrigo ao mundo inteiro
E negam que isto é progresso
Terminou a minha paciência
Mas renovo a advertência
Na rima de cada verso.
Todos têm livre ingresso
Neste meu terrestre lar
Mas quero a contrapartida
Precisam me preservar
Tenho múltipla composição
Sou pedra, água e ar
Tudo em mim é relevante
De nada podem abusar
Prudência nos seus plantios
Protejam e zelem os meus rios
Eles poderão secar!