Rabo Preso

A raposa muito esperta que era

Tanto fez que caiu numa cilada,

Mas usando todas as forças dela,

Conseguiu sair da emboscada.

Porém, não sem dano sofrer,

Pois o preço por ter escapado

Foi parte preciosa do seu ser,

Seu rabo lhe foi arrancado.

Envergonhada teve que seguir

Sofrendo chacotas bastante,

As outras dela a morrer de rir

De sua roupagem deselegante.

Não se resignando à condição,

A raposa quis mudar a história,

Pensou reverter a situação

E recuperar enfim sua glória.

Chamou toda a sua família

Para realizar a assembleia,

Então reuniu toda matilha

E expôs como líder sua ideia.

Escondendo sua traseira,

Encostou na parede o esqueleto,

Queria a raposa traiçoeira

Fazer o rabo virar obsoleto.

Argumentou contra a cauda,

Disse ser pesada por demais,

Seja na velhice ou na frauda,

O rabo é inútil para os animais.

Então apresentou a conclusão:

“Todas as raposas devem eliminar

Um membro sem precisão,

Seus rabos é urgente cortar”.

Mas outra raposa quis falar,

Disse: “você é bem eloquente,

Sabe muito bem argumentar,

Mas para que convença a gente,

“Vire-se para o outro lado

Para sabermos então quem é,

Aí teremos mais um dado

Para em sua proposta ter fé”.

Contrariada ela se virou,

As outras viram seu motivo,

A multidão exaltada lhe vaiou

E soltou um grandioso riso.

Mas como toda fábula boa,

Esta tem um ensinamento,

Não é uma história à toa

Que trazemos ao conhecimento.

Tem gente sem virtuosidade

Que não aceita sua imperfeição,

Mas quer fazer da dificuldade

Uma coisa boa por imposição.

E fazem os outros a admirar,

Como coisa muito eficiente,

O defeito que estão a carregar,

Tornando bem o que era indecente.

A fábula é uma comparação,

Pois há uma turma inconveniente

Que deseja, sem comiseração,

Arrancar o rabo da gente.

Podemos dizer em analogia

Que o rabo é o pensar da mente,

Pois quem não tem sabedoria

Quer tirar esse dom da gente.

Adaptação da Fábula de Esopo