O TREM
Avia Zé bota pressa
Que o trem vai descambar
Já apitou já deu sinal
Já peneirou pra arribar
Corre corre junta as malas
Bota tento vai busca-las
Te arruma atrasado
Eita omi vagaroso
Bicho véio preguiçoso
Dum manzanzar amoado.
Se eu perder esse trem
Por conta de tu disgrama
Nunca mais tu vai ter eu
Em riba de tua cama
Aí é que eu quero ver
Tu vir me cobrar o dever
De uma mulher casada
Que vou te lembrar na hora
Desse momento agora
Que levei essa massada.
Mais de mês que me arrumo
Que faço plano minguado
Comendo pão sem manteiga
Tomando café aguado
Deixando de ir na feira
Só pra não comprar besteira
Com coisas sem ter valia
Deixei ate de fumar
Só para economizar
A viagem desse dia.
Agora que tô aqui
Com a passagem comprada
Zé vai na venda calado
Fumar e tomar bicada
Isso é uma derrota
Se Zé virar a cambota
Eu vou viajar sozinha
Não tem quem me empate
Antes que o trem desate
Me monto nessa morrinha.
Pelo que eu tô vendo
O povo ganhou a pista
Já vejo vagão lotado
E a cara do maquinista
A estação se bolindo
E o trem quase partindo
Por riba da ferrovia
É tanta coisa que penso
Que um desejo imenso
Me toma por agonia.
E o danado do Zé
Que não sai daquela venda
Tô vendo a hora fazer
Uma ruma de contenda
Vou lá onde ele está
E puxo o peste pra cá
Em baixo de bofetada
Tá me dando um farnezim
Vendo Zé nesse pantim
Sem se importar com nada.
Se eu soubesse que Zé
Iria me dá cuidado
Deixava ele em casa
Em um cantinho trancado
Deixava o seu almoço
A água doce do poço
E uma rede atada
Um pacote de bolacha
Umas três ou quatro caixa
De sardinha enlatada.
O que quero é viajar
Como tinha planejado
Hoje eu ganho o mundo
Deixo esse ariado
Que só pensa em beber
Faz pouco não quer saber
Da minha vida sofrida
Mais destá cú de cachaça
Tu vai ver quem acha graça
Quando o trem dé partida.
Daqui eu tô vendo ele
Com os outros na bicada
Se eu pudesse lhe dava
Umas quatro cipoadas
Jogava ele no trem
Pra ele saber quem é quem
Quando tô com a musenga
Não sou bicho de ralé
Nem mulher de cabaré
Pra Zé me fazer de quenga.
Tô pra lá de arretada
Os bofe quase saindo
A língua já tá dormente
Os braços não tô sentindo
O lombo já tá inchando
A boca tá amargando
Feito buchada vencida
Valei-me meu padre Ciço
Arreda o reboliço
Tira Zé dessa bebida.
Tira Zé e tira eu
De pensamento ruim
O bota nós nesse trem
Numa viagem sem fim
Pode ser pro beleleu
Para casa do chapéu
Qualquer canto não me nego
Pra tirar Zé dessa regua
Vou para baixa da égua
E ate pra caixa prego.
Ô bicho desmantelado
É esse Zé meu marido
Mais quem tem fé como eu
Desata esse moído
Por são Clemente dos gado
Por são tonhim do roçado
E meu patuá fuleiro
Rogo de alma vexada
Atende minha chamada
Meu santinho cangaceiro.
Aí vai minhas promessas
Para os santos de plantão
Antes que finde o ano
Vou percorrer o sertão
Com um balaio de caça
Para distribuir de graça
A tudo que for vaqueiro
A cada mulher viúva
Uma carrada de chuva
Mode encher o barreiro.
Se meu pedido aceito
Garanto e dou valia
Vou acender uma vala
Com uma légua e um dia
Vou fazer uma capela
Pra tudo que for donzela
Arrumar um bom partido
Depois faço um altar
Pra elas poder rezar
Pro seu santo enxirido
O trem já tá apitando
Lá vem Zé empazinado
Acunha Zé tá na hora
Bicho véio relaxado
A mundiça já subiram
Os santos me acudiram
No meu momento de fé
Findou essa fuleragem
Agora sigo viagem
Eu o trem e o meu Zé.