Alma de mendigo.

Caminhando na calçada

Um pedinte me acenou

Eu disse estar atrasado

Ele então se desculpou

A mim não disse mais nada

Nem sequer balbuciou.

Eu segui o meu caminho

Sem sequer imaginar

Que aquele ser sozinho

Não tinha o que almoçar

Esqueceu o que é carinho

Já nem sabe o que é um lar.

Me senti atormentado

Perguntei à consciência

Qual foi o maior pecado

Eu mostrar tal prepotência?

Ou eu ter ignorado

Alguém por impaciência?

Não conseguia fazer

Meu trabalho a contento

Não cumpria o meu dever

Não firmava o pensamento

Quando ouvi alguém dizer

Sobre um atropelamento.

Perguntei sem atenção

Quem foi o atropelado

Ouvi ser um ancião

Sujo e mal arrumado

Que estendia a sua mão

Esperando algum trocado.

Eu senti um calafrio

Ao ouvir tal argumento

Aceitei o desafio

De saber o ferimento

Eu senti estar vazio

Ao pensar no sofrimento.

Ao saber do ocorrido

Sem saber o que fazer

Um pouco desiludido

Querendo o mal desfazer

No final, reconhecido,

Nada mais pude fazer.

Perguntei a um doutor

Se havia uma esperança

Ele disse: há muita dor

Mas ninguém fala em vingança

O doente é um senhor

Que já viveu na bonança.

Perguntei quem era ele

O doutor me respondeu

O paciente era aquele

Mendigo que ofereceu

A fortuna que era dele

Para o filho que nasceu.

Na infância o seu garoto

Fez bastante trapalhada

Era um malandro solto

Procurava fazer nada

Geralmente muito afoito

Tinha a vida desregrada.

Não respeitava o limite

Bastante mal educado

Fazia o que não permite

O homem bem comportado

Todavia hoje admite

Que agiu de modo errado.

Fui perguntar ao mendigo

Que estava medicado

Se ele tinha algum amigo

Ou parente aproximado

Perguntei se eu consigo

Ser por ele desculpado.

Ele me olhou e disse

Nada tenho a perdoar

E que nunca mais pedisse

O que não pode me dar

E se nisso eu insistisse

Ele iria se zangar.

Foi ali que conheci

A grandeza interior

Do mendigo que eu vi

Dando prova de amor

Ali mesmo eu resolvi

Fingir ser provocador.

Provoquei ao comentar

Que fingira não ouvir

Ele respondeu não dar

Atenção a quem subir

Pois abaixo sempre está

De quem quer contribuir.

Disse que naquele gesto

Demonstrei bem não estar

Na alma carrego um resto

Do qual só vou me livrar

Quando eu sentir manifesto

O desejo de amar.

Então vi naquela alma

Que me pediu uma ajuda

Uma indiscutível calma

Suportando dor aguda

Tinha um espelho na alma

Dizendo: não me iluda.

Eu lhe ofereci abrigo

Ele disse, por favor,

Apesar de ser antigo

E não ter um cobertor

Vivendo com o inimigo

Sou da paz mediador.

Siga o seu caminho em paz

Sempre dê um bom conselho

Saiba que quem o bem faz

Consegue esquentar o gelo

Olhe sempre para trás

Seja de Deus o espelho.

Renato Lima
Enviado por Renato Lima em 07/06/2019
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