DE MALA E CUIA
Eu estou de arrumação
De viagem embrulhada
É hora de ir chão em chão
No lombo dessa jornada
Certo não terei destino
Vou arribar clandestino
De beiço braça e tuia
Trotando em terra dura
Na égua da aventura
Levando mala e cuia.
Vão das rudes paisagens
Milhões de rastros sofridos
Imprimidos de coragens
De tempos já esquecidos
Entre varas de facheiro
Um bode pai de chiqueiro
Se coça nas garranchadas
A gema do sol fervendo
O bode velho lambendo
As feridas escaldadas.
Levo vastos baixios
Velados por um sol morno
Onde capinzais esguios
No lago fazem contorno
De modo que o cenário
Dá a vez a um canário
Pra cantar todas as tardes
Qual um bardo violeiro
Num alaúde fagueiro
Tocando suas saudades.
O outono reluzente
A aroeira singela
Pende o galho na fonte
Solta folha amarela
O cassaco preto e branco
Faz o ninho no barranco
Com as tais folhas caídas
A viagem vai seguindo
Com tudo isso bolindo
Em cangalhas coloridas.
Comigo levo os engenhos
E a rabeca de Siba
Levo os raros desenhos
Das pedras da Paraiba
O leito do rio Una
As obras de Suassuna
Poemas artes cultura
As correntes do Pajeú
Banhando um corpo nu
Feito em xilogravura.
O casarão da fazenda
Os rifles os mosquetões
As almofadas de renda
E o lume dos lampiões
Levo a dança de coco
Um cabra fazendo pouco
Danado na umbigada
Assim sumo na poeira
Levando na algibeira
Garoas da madrugada.
Eu vou no rumo da venta
Sem se quer olhar pra trás
No lombo dessa jumenta
Vou dizer como se faz
Levo o sertão severo
Otrope e ludugero
Rede renda e carranca
Levo favas debulhadas
Doze cordas dedilhadas
No voo da asa branca.
Vou de ladeira a baixo
Que nem o diacho me pega
Amores levo de cacho
Que a saudade carrega
Eu levo loas antigas
E umas quatro cantigas
Que me provocam soluço
Uma dor, uma canseira
Feito uma faca peixeira
Amolada no meu pulso.
Quase que eu me esqueço
De levar os meus retratos
Com rostos que bem conheço
De bons memóraveis fatos
Na amarela moldura
Tá a sisuda figura
Do bravo diabo louro
Na outra não tem ninguém
Mais é retrato também
Gibão e chapéu de couro
Entre as fotografias
Quase sem cor desbotadas
Tem as fisionomias
De peles já enrrugadas
A de Pinto do Monteiro
Dimas Louro Conselheiro
E outras tantas que há
Que guardo com segurança
Embrulhadas na lembrança
Dentro do meu caçuá.
Já tá quase anoitecendo
Eu já tô meio cansado
A lua aparecendo
Sinto o fardo pesado
Vou ver se caço paragem
Desapiar da viagem
Lavar os pés e dormir
Tô de cacunda inchada
Amanhá tô na estrada.
Bem antes do sol abrir.
Porém eu só vou descansar
De todos meus desenganos
Quando eu me apossar
De chuva todos os anos
Com o pé no eldorado
Darei bravo avexado
De viva e aleluia
Aí sim, é o momento
De gritar aos quatro vento
Cheguei de mala e cuia.